Quotas, mulheres
e listas.
Relembrar
argumentos, é preciso!
Por Fernanda
Mateus
Membro da
Comissão Política do CC do PCP
A um mês das eleições para o Parlamento Europeu e estando formalizadas as respectivas candidaturas é importante proceder ao balanço da presença e posicionamento das mulheres nas respectivas listas. Não é, contudo, suficiente a mera quantificação de resultados obtidos. É oportuno relacioná-los com as posições assumidas, os argumentos utilizados aquando da discussão e votação do diploma do Partido Socialista na Assembleia da República a 4 de Março, que pretendia estabelecer por lei a obrigatoriedade de inclusão de 25% de mulheres nas listas para o Parlamento Europeu e Assembleia em 1999 e 2003. Trata-se, agora, de testar o alcance e a seriedade das posições então assumidas.
O Partido Socialista
fundamentou a sua proposta de lei como a única forma de dar
continuidade aos objectivos expressos no Artigo 109 da
Constituição que consagra " A participação directa e
activa de homens e mulheres na vida política constitui
condição e instrumento fundamental da consolidação do sistema
democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício
dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em
função do sexo no acesso a cargos políticos".
O dirigente socialista, António Costa, na intervenção de
abertura ao debate da sua proposta dirigiu fortes acusações à
"oposição" acusando-a de utilizar dois argumentos
opostos que convergiam no comum entendimento da inconveniência
desta iniciativa legislativa. Segundo, este, " Uns
sustentavam que a natural evolução da sociedade, haveria de
mudar a situação e que outros (falava do PCP, claro!)
consideravam ser necessário mudar as condições objectivas da
vida das mulheres, das suas relações laborais e
familiares.". Concluindo, assim, que "Para uns e para
outros tudo deveria ficar como está, à espera da evolução
natural da sociedade ou do fruto da luta colectiva e por uma nova
organização social. Estávamos perante uma visão de imobilismo
e conservadora, afirmaria então António Costa.
O Partido Socialista procurou alimentar a ideia de que só a sua
proposta de imposição de uma quota obrigatória na lei
permitiria combater o défice de participação de mulheres
nestes órgãos. Nenhuma outra medida foi considerada séria e
susceptível de contribuir para este objectivo, sem correr o
risco de ser silenciada ou caricaturada. Foi o que aconteceu à
posição do PCP.
A evolução do número de mulheres eleitas pelo PS
designadamente nas autarquias e na Assembleia da República não
lhe permitiria fazer caricatura da posição do PCP, partido que
detém o maior número de mulheres eleitas nestes órgãos.
A este propósito, é oportuno citar uma passagem de uma pesquisa
encomendada pelo Governo, sobre as "Mulheres na
política", editada em livro e de autoria de José Manuel
Leite Viegas e Sérgio Faria que refere " O PCP e as
coligações eleitorais por ele integradas foram as forças
políticas que desde sempre - leia-se 1976 - apresentaram as
listas com maior taxa de feminização, pelo que também, desde
sempre, lhe pertenceu o grupo parlamentar com maior proporção
de mulheres. Aliás, na sequência das eleições legislativas de
Outubro de 1995, o género feminino representa mais de um quarto
(26,7%) dos eleitos nas listas da CDU, o que configura, se assim
se pode dizer, recorde nacional ..."(sic)
Foi de facto
silenciada a posição pública do Secretário - Geral do PCP,
Carlos Carvalhas, a 26 de Janeiro que não se limitou a estar
contra diploma das quotas. O PCP assumiu o compromisso de
continuar a assegurar um significativo reforço da participação
de mulheres nas suas listas, desafiando os restantes partidos a
seguir o seu exemplo, poupando-se assim ao desprestígio de só
por imposição de uma lei serem capazes de fazer o que deveria
estar aos seu alcance por decisão própria, voluntária e
soberana.
Sem dúvida que devem ser tomadas medidas que visem garantir a
participação das mulheres em igualdade nas instâncias do poder
político a todos os níveis, reflectindo neles a composição
sexual da sociedade e o papel que as mulheres devem, cada vez
mais, desempenhar na sociedade actual.
São por isso injustas as posições que exigem às mulheres
acrescidas provas de mérito e de capacidade para exercerem o
direito de participar em Igualdade. É pois necessário que cada
partido assuma as suas responsabilidades na necessária
alteração de mentalidades e atitudes, e no reforço da
participação das mulheres nos órgãos de poder.
Mas é importante registar que o PS, como resultado da iniciativa
legislativa por si proposta, não conseguiu mais do que 20% de
mulheres nos dez primeiros lugares na sua lista para o Parlamento
Europeu e 28% no total dos candidatos efectivos, encontrando-se a
primeira candidata em quarto lugar. Com o mesmo resultado
eleitoral obtido nas últimas eleições o número de mulheres
eleitas pelo PS ficar-se-ia pelos 20%.
Afinal, após tão fervorosa defesa do seu diploma, tudo ficou na
mesma. O saldo não é abonatório da seriedade de intenções
que o fez intervir nesta causa. Confirma mais uma vez a postura
política a que já nos habitou em diferentes áreas "Ouçam
o que propomos, mas esqueçam o que fazemos ...".
De facto a imagem pública que pretendeu dar foi de grande
empenho nesta causa da participação política das mulheres e de
estar em condições de dar lições aos restantes partidos e em
especial ao PCP nestas matérias. E no entanto, é um Partido que
apesar de ter estabelecido uma quota de participação de
mulheres nos seus estatutos não a conseguiu cumprir. Não tem
sequer dado sinais de garantir uma evolução significativa de
mulheres nas suas listas. O reforço desta participação nos
seus órgãos internos foi à custa do alargamento dos mesmos.
O PCP e os seus aliados na CDU apresentam uma mulher como cabeça de lista num total de 11 mulheres nos seus candidatos efectivos, ou seja 44%, ocupando os seguintes lugares: o 4º, 6º, o 8º e 11º. Nos dez primeiros lugares encontram-se 5 mulheres e 5 homens. De realçar que, entre efectivos e suplentes, as mulheres constituem 48% dos candidatos da CDU. Mantendo-se nas próximas eleições mesmo número de deputados eleitos pela CDU as mulheres corresponderiam a 33%. Se houver a eleição de quatro deputados, a CDU atingirá a paridade de lugares.
Pode agora ser confirmado que a rejeição do diploma do PS, por parte do PCP, não significou a sua demissão relativamente à necessidade de reforçar a presença de mulheres nas listas eleitorais. E o compromisso público que então fizemos não foi uma atitude de circunstância. Já no que se refere aos resultados obtidos pelo Partido Socialista, o debate de 4 de Março parece ter finalizado o seu empenho nesta matéria.
O Partido Social Democrata, depois de ter anunciado Leonor Beleza para cabeça de lista, (esta veio a desistir na sequência da dissolução da AD e da demissão de Marcelo Rebelo de Sousa), apresenta agora uma lista com 8 mulheres, 32% dos seus candidatos efectivos, encontrando-se a primeira em 3º lugar e a segunda em 10º. O Partido Popular ficou-se em 12% de mulheres nos seus candidatos efectivos, ou seja apenas 3 mulheres, em 10º, 22º e 24º lugares.
O tratamento das
questões da participação política das mulheres, que culminou
a 4 de Março, caracterizou-se por alimentar vários défices: O
défice de discussão dos vários aspectos que deveriam ter sido
considerados na análise deste problema; O défice de avaliação
das medidas de garantia de reforço da participação política
das mulheres. E estas medidas não podem limitar-se nem
esgotar-se à composição das listas para a Assembleia da
República e Parlamento Europeu. O défice de participação
política das mulheres é mais profundo. Ele tem expressão no
modo como as mulheres portuguesas em geral intervêm na vida
política: apenas nos actos eleitorais, com o seu voto ficando em
seguida relegadas para o papel de "meras" espectadoras
da acção dos órgãos de poder. É necessário que estas
intervenham, que tomem posição, que confrontem as promessas com
as práticas políticas dos partidos que ajudaram a eleger.
Esta é a vertente mais incómoda e menos interessante de
abordagem deste problema para os partidos, como o PS, que
defraudam as eleitoras e eleitores que neles votaram realizando
uma política de direita que contraria as promessas eleitorais.
Para estes, a sua sobrevivência política e eleitoral
alicerça-se na política - espectáculo, na mediatização dos
temas que lhes interessam a cada momento para em seguida serem
votados ao esquecimento.
Há quem pretenda ignorar a necessidade de promover o reforço da
participação das mulheres na vida social, nas diferentes
expressões da vida associativa e sindical, incluindo nos
respectivos centros de decisão. Esta componente de
participação é em si geradora não só de novos hábitos de
participação entre mulheres e homens como é susceptível de
influenciar a sua intervenção na vida política. Ela é
fortemente inibida no momento actual, pelas condições
objectivas de vida das mulheres no trabalho, na sociedade e na
família.
Por muito que alguns se aborrecem, a verdade é que o reforço da
participação política e social das mulheres não é
dissociável da criação das " condições objectivas"
que permitam melhores condições de vida e de trabalho para as
mulheres. Isto não significa "ficar-se à espera" de
que essas condições existam. Mas minimizá-las é pretender
manter tudo na mesma.
Mas é importante insistir na ideia de que a participação em
igualdade das mulheres nos órgãos de poder não determina, nem
determinará, em si, o êxito da luta contra as discriminações
que atingem a grande maioria das mulheres portuguesas. São os
conteúdos políticos e ideológicos e a correlação política e
partidária nos órgãos que determinam os progressos ou a
regressão nos direitos das mulheres.
Uma presença em
igualdade de homens e mulheres nos grupos parlamentar do PS, ou
do PSD, no Parlamento Europeu ou na Assembleia da República,
não alterará o essencial das conteúdo das suas políticas. As
opções neoliberais não são, nem serão, mais benévolas para
as mulheres pelas suas executoras serem mulheres.
Entendamo-nos, o essencial das opções das mulheres, como dos
homens, não são feitas em função do género, mas em função
das opções políticas e de classe em que se situam, sem
prejuízo da especificidade e diversidade no modo de estar e de
agir de cada um(a).
São precisas mais mulheres nos centros de decisão política.
Mas é fundamental que não se gerem e alimentem novos e
perigosos equívocos: continuar a pretender que a grande maioria
das mulheres sejam espectadoras da vida política que outras
mulheres e homens desenvolvem nos órgãos de poder ou fora
deles.
O reforço da participação política das mulheres não pode
excluir essa grande maioria de mulheres anónimas do seu papel
insubstituível na defesa dos seus direitos e na construção de
uma participação em igualdade em todas as esferas da vida
nacional.