NATO
Um novo Reich, os EUA,
ameaça a humanidade

Por Miguel Urbano Rodrigues


Deutschland uber alles! A Alemanha acima de todos!

A minha geração não esqueceu o slogan que se popularizou no Reich hitleriano, berrado por turbas fanáticas. Expressava um desprezo absoluto pelos direitos dos outros povos.
Utilizando outra linguagem, e invocando a democracia para melhor a calcar aos pés, o sistema de poder imperial que se instalou em Washington forjou uma doutrina segundo a qual os EUA, sendo supostamente uma nação predestinada pelas suas virtudes únicas, têm hoje a missão quase sagrada de impor aos povos da Terra uma Nova Ordem Mundial, e portanto a sua vontade omnipotente.

Ano obstante as instituições da Republica norte-americana serem formalmente democráticas, essa doutrina, alicerce da política externa de Washington, é pela teoria e praxis, de raiz fascista.
A Cimeira da NATO, comemorativa dos 50 anos da Organização, veio confirmar essa evidencia. As decisões tomadas foram a culminação de um processo antigo. A chamada revisão do conceito estratégico, iniciada na cimeira de Bruxelas em 93 e estruturada na de Madrid em 97, foi concluída agora em Washington
Na aparência formal das coisas, a NATO reforçou os seus vínculos com a União Europeia, guindada a« sujeito político» ao qual é atribuída uma capacidade decisória ampliada no terreno militar. Esse golpe de prestidigitação foi executado para, em desafio frontal ao sistema de relações internacionais existente, se proceder ao enterro das Nações Unidas. Doravante, a NATO, quando o seu Conselho assim o decidir, poderá levar a guerra a áreas cada vez mais amplas do planeta. Essa foi a única inovação da ultima Cimeira: o novo conceito estratégico desconhece na pratica a existência das Nações Unidas, nomeadamente do Conselho de Segurança. Os EUA conseguiram finalmente institucionalizar, através da NATO, o corpo fascista das Doutrinas Lake e Huntington que visam, através de um direito unilateral de intervenção, garantir para a eternidade o poder imperial norte-americano.

Os discursos pronunciados omitiram evidências:

1 - A NATO é um instrumento do poder imperial dos EUA.
2 - A guerra contra o povo jugoslavo insere-se numa ambiciosa estratégia planetária do Reich Norte-americano, caracterizada por contradições de interesses mal definidas que opõem Washington aos os seus parceiros europeus.
3 - A Jugoslávia é presentemente o campo de ensaio de novas armas proibidas, como as granadas de urânio 238, cujas radiações são cancerigenas e comprometem a gestação de crianças normais
4 - O Kosovo no monstruoso jogo em desenvolvimento não passa de um acidente-pretexto, utilizado numa guerra mediática, paralela à dos bombardeamentos, indispensável para confundir a opinião publica mundial e impedi-la de compreender o significado real dos acontecimentos históricos em desenvolvimento. A satanização de Milosevic, no âmbito dessa campanha de desinformação, foi programada com muita antecedência.
5 - A guerra contra a Jugoslávia carrega uma advertência indirecta a todos os países do Terceiro Mundo que, em qualquer terreno — político, económico ou militar — pretendam, como estados soberanos, tomar decisões que desagradem a Washington. Num contexto mais amplo, o da defesa da globalização neoliberal, os EUA e os seus aliados da União Europeia informam através do exemplo jugoslavo que na partilha das riquezas e privilégios a Nova Ordem dos ricos recorrerá à guerra sempre que necessário para perpetuar a desigualdade entre os povos.

Muito menos evidente para a maioria dos governantes europeus que participaram na Cimeira da NATO é outro dos objectivos prioritários desta guerra norte-americana.
Na concepção estratégica elaborada pelo sistema de poder que impõe a Nova Ordem, a Jugoslávia não conta como interlocutor. O adversário potencial que estorva é, paradoxalmente, para Washington, a médio prazo, a Europa. Ano apenas o conjunto dos aliados da União Europeia que colaboram na guerra. Refiro-me à Europa geográfica, do Atlântico aos Urales, tal como a definia o general De Gaulle. Cada bomba que explode em território jugoslavo, seja ela de fabrico norte-americano, britânico, francês ou alemão, é, afinal, uma agressão à Europa.
Desagregada a União Soviética, debilitado o Japão, afundados numa crise pantanosa os «tigres» e os «dragões» da Ásia Oriental, reduzido o Brasil à condição de satélite do FMI, a Europa dos l5 emergia no mundo da globalização neoliberal não propriamente como um obstáculo ao hegemonismo planetário norte-americano, mas como um concorrente por vezes incomodo com veleidades de autonomizar-se não somente como gigante económico, mas também no campo militar.
O envolvimento dos aliados da NATO nesta guerra criminosa foi uma pá de cal nas esperanças europeias de um regresso à multipolaridade.
Com a agravante de que países de velhas culturas como a França, a Itália, a Grã-Bretanha, se apresentam, ao lado dos Estados Unidos, como coveiros das Nações Unidas. Estas recebem da NATO o tratamento que a Alemanha e a Itália fascistas deram nos anos 30 à Sociedade das Nações.
Levar às ultimas consequências a humilhação e o isolamento da Rússia é na sua ofensiva anti-europeia o outro objectivo fundamental dos EUA. O jogo de Washington desenvolve-se com tal sinuosidade que poucos se apercebem de que a Casa Branca e o Pentágono, para alem das estridência do dialogo diplomático, estão empenhados em apertar o cerco à Rússia, fechando o seu acesso natural ao Mar Negro, e, através dele, ao Mediterrâneo. Com a independência da Ucrânia e da Geórgia, o Caucaso Ocidental é o ultimo grande respiradouro do pais sobre as águas quentes do Sul. Promovendo conspirações, intrigando, financiando o nacionalismo de grupos extremistas, Washington tenta ampliar o isolamento da pátria de Lenine, criando rupturas e movimentos secessionistas em territórios que são russos há quase três séculos.
Os países da União Europeia caminham de olhos fechados para um desastre de consequências imprevisíveis ao deixarem-se arrastar para uma guerra americana monstruosa na qual são também um dos principais alvos. Dela sairão mais dependentes, mais débeis política e economicamente. A queda do euro é um primeiro aviso dos múltiplos efeitos da política suicida de capitulação perante o aliado norte-americano.

Em Washington existe a consciência de que assim como as bombas não vergaram o povo da Servia — que mais uma vez se comporta na historia como um herói colectivo repetindo a gesta da sua resistência aos turcos, aos austríacos e aos alemães — as decisores tomadas pelo Conselho da NATO não mudaram a historia de um dia para outro.
Em todo o Mundo, e particularmente na Europa, cresce o movimento de protesto contra uma guerra de agressão que envergonha a humanidade.
O poder da mentira difundida por um sistema mediático perverso esgota-se a cada dia que passa. De Lisboa a Atenas, de Estocolmo a Roma as pessoas começam a perceber quem é o agressor, e quem é a vitima.
É significativo que o próprio secretario geral da União da Europa Ocidental — UEO, o embaixador português José Cutileiro, tenha sentido a necessidade de se demarcar da diabolização da Servia. Publicou no Herald Tribune um artigo no qual afirma muito claramente que «O Kosovo é um problema político e não uma cruzada moral» (21/04/99), recordando a expulsão de centenas de milhares de sérvios da Croácia e da Bosnia ...
As lagrimas do presidente Clinton ao comparecer na televisão para comentar a chacina dos estudantes do Colorado, abatidos por dois adolescentes norte-americanos — educados por uma sociedade que glorifica a violência — provocaram mais revolta do que piedade por coincidirem com apelos à intensificação de bombardeamentos assassinos contra o povo de um pequeno e pobre país.
Nada está decidido nas terras milenares da Sérvia. A decisão final será dos povos. Por isso mesmo, como portugueses, temos motivos para sentir satisfação pelos clamores contra a guerra que a nossa gente ergueu nas ruas no 25 de Abril e no lº de Maio, condenando-a.
Não estamos apenas perante o desenvolvimento de mais uma guerra imperial. Urge tomar consciência de que esta guerra configura uma ameaça a toda a humanidade. O sistema de poder instalado nos EUA — repito — concebeu e desenvolve uma política de hegemonismo de contornos fascistas. O rol das intervenções e agressões militares prossegue em ritmo alarmante: Líbano, Granada, Líbia, Panamá, Haiti, Iraque, Somália, Bósnia.
O discurso farisaico da Casa Branca e dos generais e almirantes do Pentágono não esconde a realidade: os EUA, desconhecendo a ONU, comportam-se no final do milénio como um novo Reich que, nas suas relações com o mundo, imita os métodos do III Reich nazi.


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999