A TALHE DE FOICE
Lógicas


Em 40 dias de ataques a NATO provocou mais prejuízos económicos à Jugoslávia do que os infligidos pela Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial. A informação foi divulgada esta semana pelo Grupo-17 de economistas independentes, jugoslavos, e dá a dimensão da deliberada destruição que está a ser conduzida contra os sérvios. Segundo o G-17, as estimativas dos danos variam entre os 10.000 e os 60.000 milhões de dólares, e o Produto Nacional Bruto do país deverá cair entre 25 a 50 por cento, dependendo da duração dos bombardeamentos. Em cada noite de ataques perde-se qualquer coisa como 500 a 1.000 milhões de dólares de infra-estruturas.

É verdade que a sofisticada tecnologia de guerra hoje ao dispor dos EUA – as chamadas "bombas inteligentes" – já não provoca a carnificina de há meio século: em quatro anos de combates morreu então um milhão de pessoas, enquanto nos primeiros 40 dias desta agressão unilateral as vítimas mortais ascendem a cerca de mil.
Haverá quem ache o saldo aceitável à luz da tese dos "lamentáveis erros" e dos inevitáveis "danos colaterais, mesmo quando não se percebe como é que se podem confundir autocarros com tanques, colunas de civis com tropas de combate, prédios de habitação com ‘bunqueres’.
Haverá quem ache que a proximidade de hospitais e escolas com edifícios militares não é motivo bastante para evitar os ataques, não obstante o alto risco dos famigerados colaterais, como haverá quem tenha como legítimo o bombardeamento de estações de televisão e rádio, oficiais ou nem tanto, porque a sua programação não agrada aos grandes defensores da liberdade de imprensa.
Haverá mesmo quem ache que privar um país e a sua população, à bomba, dos mais elementares meios de sobrevivência – da água aos combustíveis, da alimentação às comunicações – é uma acção humanitária, um caminho para a democracia, uma forma de libertação.
É sempre possível, na verdade, arrolar argumentos para tentar justificar o injustificável, sobretudo quando se dispõe de uma máquina de propaganda à escala mundial para repetir à exaustão o que não faz sentido, e se dispõe dos meios e da vontade de destruir tudo o que contradiz a versão oficial.
As consequências dos "erros" da NATO chocam o mundo e fazem vacilar a opinião pública? Acabem-se então com as imagens do terror. Há jornalistas incómodos que fazem perguntas inadequadas? Silenciem-se os prevaricadores e coloque-se no seu lugar outros mais colaborantes para que prossiga o espectáculo da liberdade de expressão. Os militares norte-americanos afirmam, já depois de libertados, ter sido bem tratados pelos jugoslavos? Arranje-se um oficial de serviço para declarar exactamente o contrário. Há iniciativas diplomáticas para tentar pôr fim a uma agressão que mais não fez do que agravar todos os problemas dos Balcãs e ameaça tornar-se numa tragédia para toda a Europa? Pois assuma-se uma posição intransigente, intensifiquem-se os ataques e exija-se a capitulação incondicional do adversário.
Esta é a lógica do império americano armado em aprendiz de feiticeiro na luta contra o mal na versão de fim de século "quem não está connosco é contra nós". Uma lógica que só na forma se distingue do medieval costume de mandar para a fogueira, em nome da salvação das almas, os que ousavam pensar pela própria cabeça, deixando os algozes prosperar com o espólio das vítimas. A indústria bélica vive dias felizes com a tragédia de sérvios e kosovares; a sua congénere civil planifica já a futura intervenção na Jugoslávia, cujos destroços são a garantia do lucro no futuro próximo; os especuladores bolsistas engordam. Em que progrediu afinal a humanidade no que ao humanismo diz respeito? — Anabela Fino


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999