O que aí vem


Não era necessário esperar pelo Congresso do PSD para, a pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu, se saber o que aí vem.
De facto, o que aí vem da banda do PS, do PSD e do CDS-PP é toda uma espectacular ficção política fundada numa amnésia galopante, todo um maremoto de palavras reciprocamente agrestes vocacionadas para soterrar a doçura das convergências, todo um sofisticado programa de ilusionismo eleitoral concebido para aprisionar os cidadãos e as suas escolhas no estrito quadro das aparências ditadas pelas etiquetas, pelos floreados semânticos, pelos antagonismos verbais e pelos "duelos" individuais. Todos agora empolados ao extremo para disfarçar a devastadora realidade das sólidas sintonias passadas e das actuais semelhanças de política e de propostas.

Fazem parte deste jogo viciado coisas como o discurso de Durão Barroso no Congresso do PSD e a sua especial insistência no tema de que o Governo do PS «não decide» (pura ingratidão porque o Governo do PS, em matérias fulcrais, se farta de decidir - embora pessimamente - com o apoio, os votos e o aplauso do PSD). Ou como as frechadas do dr. Portas contra o seu querido parceiro de há um mês, ou ainda os arrufos éticos do dr. António Vitorino e de António José Seguro face ao estilo de pré-campanha do PSD.
E foi para encher este saco tão cheio de gritaria politiqueira como vazio de política alternativa que o dr. Pacheco Pereira, que enquanto intelectual detesta a política-espectáculo e fustiga todos os truques que a corporizam e enquanto político os cultiva esmeradamente um a um, lá esteve também no Congresso do PSD a debitar umas frases deliberadamente pensadas para os telejornais do dia e para os jornais do dia seguinte. Com destaque para o muito inovador desafio para uma debate a dois com o dr. Mário Soares, prova suprema e definitiva de como estima e acarinha o pluralismo e de como respeita e preza o quadro político-partidário realmente existente.

Uma vez que, talvez para não prejudicar a "emoção" da corrida eleitoral, entraram em súbita hibernação aquelas dezenas de comentadores e jornalistas que dantes passavam a vida a escrever as coisas mais cruéis e radicais sobre as semelhanças entre o PS e o PSD, lá teremos de nos contentar com a honestíssima confissão feita na passada segunda-feira, aos microfones da TSF, por António Capucho, de que em matéria de política europeia, entre PSD e PS, há apenas umas "nuances".
E. para o mesmo efeito, lá teremos também de nos contentar com a afirmação do director do «Público» de que «em muitas áreas, o que faz a diferença entre a esquerda e a direita é precisamente o estilo», embora lamentemos que o teclado lhe tenha puxado para escrever "esquerda" quando o que seria verdadeiro e pedagógico seria escrever "PS".

É contra este vendaval de futilidade política que quer tornar as "nuances" e o "estilo" no alfa e no ómega do debate eleitoral, que nos cumpre erguer uma barreira de lucidez e indignação e partir, com audácia, para um grande apelo à inteligência dos eleitores, com palavras claras sobre os problemas do povo e do país, com propostas fortes para um melhor Portugal e um novo rumo para a Europa. — Vítor Dias


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999