Entrevista a Maio
Pergunta Bom dia 1º de Maio! Gostaria de lhe fazer uma entrevista para o «Avante!».
Maio Escusas de estar tão cerimonioso, camarada. Trata-me por tu e vamos ao que interessa.
P Posso começar? Tu representas hoje aqui o Dia do Trabalho...
M Sim. E é necessário ver o que isso significa. Represento também um dia de trabalho por cada trabalhador. Não sei se te lembras daquela passagem de Marx, em o «Capital», em que o operário se dirige ao patrão dizendo-lhe que a mercadoria que lhe vendeu, isto é, a sua força de trabalho, se distingue de todas as outras mercadorias pelo facto do seu uso criar valor, e maior valor do que ela própria custa. Diz-lhe até que ele está constantemente a pregar-lhe o evangelho da poupança e da abstinência, quando o que lhe interessa a ele, trabalhador, é economizar o seu único bem, que é a sua força de trabalho.
P Marx chega a referir-se à mais-valia como «o horror civilizado do trabalho a mais». Pedia-te que comentasses este conceito recordando uma frase da escritora indiana Kamala Markandaya. Diz ela: «Trabalho sem esperança é como néctar numa peneira». Concordas?
M Sim e não. Repara, o trabalho foi criado pelo homem e para o homem. É um sonho do qual me orgulho, com todas as suas variações criativas. Talvez seja a mais complexa e a mais bela realidade da vida, porque permite em cada momento transformar o mundo. O trabalho é um captador de sonhos humanos, na medida em que altera com a sua realização o minuto anterior da face da Terra. Nesse aspecto, a peneira não existe, porque o que se criou dá um valor acrescentado à própria vida. O mal está na apropriação do trabalho. Aí vemos a exploração geradora de injustiças. Aquele que acabou de construir a grande novidade a da mudança não consegue fruí-la, porque o capital já se encarregou de lha roubar. E, sendo pobre, fica vendo quantos ricos alimenta. Aí sim, escoam-se-lhe das mãos, como de uma peneira, os mais belos valores que inventou.
P Já no século passado dizia Sismondi sobre as rendas...
M Ah! Estás a falar da célebre referência às «rendas de Bruxelas», requinte do vestuário da época, e que pressupunham, como dizia Sismondi, senhores do salário, para as usar e servos do salário, para as fazer.
P Hoje as «rendas» de Bruxelas são outras...
M Tu o dizes, camarada. Em vários sentidos, até com a metamorfose da moeda que temos pela frente na Europa...
P Marx dizia também que em qualquer época, desde a escravatura, em que uma parte da sociedade possui o monopólio dos meios de produção, ao trabalhador exige-se um tempo de trabalho excedentário de modo a produzir os meios de vida para os donos dos meios de produção. Os capitalistas são hoje os continuadores dessa apropriação. E nós? Qual a nossa herança?
M Nós somos os herdeiros de todo o trabalho acumulado nos séculos. E temos direito a reclamar o pagamento do trabalho excedentário que de geração em geração, nunca foi pago.
P És uma espécie de calendário lutador, vens logo a seguir à liberdade de Abril. Além do trabalho, que direitos significas?
M Oh! Serei sempre a linguagem inacabada dos que lutam, dia a dia, por um futuro melhor. Sempre que o imaginares, passa a palavra. Quantas vezes puderes, fala de todos os ramos de saber humano dos que trabalham. E da sua obra. Aurélio Santos