Por
dentro
de uma aversão
Foi, a abrir o "Maria Elisa"
daquela noite, uma entrevista de rua onde se perguntava a jovens
o que pensavem eles da política dos políticos. O resultado foi
uma constelação de asneiras, ignorâncias e presunções. Não
foi, contudo, nada de surpreendente: é sabido que os jovens
portugueses pensam assim, sobretudo se abordados de improviso
numa rua de Lisboa. Como disse Maria Elisa um pouco lá mais para
diante, "os jovens têm uma má imagem dos políticos".
Como, aliás, na mesma medida ou quase, os que já não são
jovens. O que Maria Elisa não disse, porém, e talvez devesse
tê-lo dito, é que essa designação globalizante, "os
políticos", não apenas é inadequada e burra mas também
é tudo menos inocente, estando contaminada por uma altíssima
dose de pejoração e sendo utilizada como instrumento de ataque
por muita gente. Por exemplo, pelos jornalistas.
Ao longo do programa, que exactamente tomava como tema "os
jovens e a política", foi ficando apurado que os jovens se
interessam por aquilo que Elisa, e não apenas ela, designou por
"causas concretas": a luta do povo de Timor-Leste, o
combate às propinas, a agressão à Jugoslávia a pretexto do
Kosovo, algumas outras, tendo-se mesmo salientado que isso
também é política. O que não se disse foi que a abordagem de
cada uma dessas causas, cada uma por si, desligadas de uma visão
conjunta da vida e do mundo que permita entender-lhe as raízes,
enfraquece ou até impossibilita uma resistência também global
que vise erradicar a semente comum às pragas diversas. O que,
como bem se adivinha, convém aos que cobram dividendos dessas
mesmas pragas ou, mais plausivelmente, por detrás delas. É que
essa fragmentação é consequência da falta de uma visão
integrada que é política, que conduz ao interesse pela
política e à actividade política.
O caso é que essas causas susceptíveis de despertar e mobilizar
os jovens distraídos ou, mais provavelmente, adormecidos por
filtros e droga que lhes são ministrados, não são ilhas
isoladas em oceano de acasos: bem pelo contrário, são os
lugares mais visíveis de continentes inteiros que um olhar
lúcido e informado descortina perfeitamente. É claro que não
é por acaso que uma organização política como o Partido
Comunista Português tem uma leitura conjunta e integrada do que
ao cidadão isolado surge como desgraças avulsas e sem nexo
entre si. É que a política é também essa leitura que, já se
vê, não convém a todos que seja feita. Não é preciso ser um
Sherlock para suspeitar de uma relação entre essa leitura que
também é política ou que da política emerge e a aversão
generalizada pela política da opinião pública em geral e dos
segmentos jovens em especial. A questão-chave é a habitual: a
quem aproveita o crime?
Toxinas por conta alheia
Contudo, é claro
que essa visão inteligente do que vai acontecendo no mundo e no
interior do País nem é património exclusivo das elites
partidárias ou dos militantes comunistas ou, menos ainda, dos
membros da Comissão Política do PCP: para esse entendimento
bastará o acesso a formação e informação adequada, o que
está ao alcance de muita gente e, designadamente, dos
jornalistas. Sendo assim, como se entende que seja exactamente o
constante bombardeamento dos (ou nos) órgãos de comunicação
social que vai injectando nas gentes a espécie de politicofobia
de que "Maria Elisa" deu testemunho? Na verdade, os
jovens que ali vimos a dizerem disparates, mais os milhares ou
milhões que não vimos mas os dizem, não nasceram com um
congénito horror à política e aos políticos: foram-no
absorvendo ao longo da vida por inspiração dos fumos tóxicos
que se desprendem das TV's, dos jornais, da rádio, às vezes por
via indirecta. Escrevo isto e lembro-me da rubrica
«Contra-Informação", que há dias festejou os três anos
de um grande êxito mediático e que fornece ao cidadão ampolas
diárias de nojo pela política e de escárneo de "os
políticos". Parece-me um bom exemplo.
Significa isto que quantos trabalham na comunicação social, ou
a maioria deles, são feios, porcos e maus, que são quase todos
patetas ou estão de má-fé? Nada disso, bem pelo contrário. A
questão é outra e provavelmente é pior. Em primeiro lugar
acontece que só é jornalista em exercício em media
influentes não quem quer, mas quem é lá admitido, isto é,
consentido. Depois, ocorre que um lugar de jornalista, mesmo de
estagiário a "recibo verde", é um luxo que é preciso
conservar. Aqui, surge a triste história a que o francês Gilles
Balbastre chamou "A miséria dos jornalistas
precários" no "Le Monde Diplomátique" de Abril e
nela nasce boa parte da torrente que depois arrastará "os
políticos", sem quaisquer distinções, pelas ruas da
amargura. O capital financeiro que hoje domina os media
gosta de manter a chamada classe política sob o fogo do
descrédito (não vá ela julgar que tem poder efectivo e
sentir-se segura) e gosta que nos seus jornais, TV's e Rádios se
diga o que lhe convém. Quem lá ganha a vida e quer fazer
carreira, acomoda-se, sujeita-se. E, nisto tudo, a liberdade de
imprensa de que um dia destes se celebrou o Dia Mundial desce à
condição de piada de mau gosto. Correia da
Fonseca