O voto das mulheres


Vale a pena puxarmos um pouco pelas memórias e recordarmos o muito que foi dito e escrito, há uns meses atrás, sobre a participação das mulheres na vida política. Quanto mais não seja para nos apercebermos do silêncio profundo que, a partir de determinado momento, se fez sobre esta matéria...
Discutia-se, na altura, uma proposta do Governo do PS que pretendia impôr uma quota obrigatória de 25% de mulheres nas listas de todos os partidos quer para o PE, quer para a AR. A proposta, apresentada com fanfarras de modernidade a esconder a demagogia que a suportava, continha iniludiveis objectivos eleitoralistas e era bem ao estilo PS: «oferecia generosamente» às mulheres, em forma de lei, um direito que naturalmente lhes pertencia e cujo respeito dependia fundamentalmente da vontade dos vários partidos políticos.
O PCP manifestou-se frontalmente contra tal imposição e desmistificou a hipocrisia que a rodeava, tendo sido, por isso, alvo de aceradas críticas não só vindas do PS mas também de alguns dos muitos comentadores que entenderam pronunciar-se sobre o assunto em debate. Esses críticos não viam, ou fingiam não ver, que muito antes de o PS querer impôr por força de lei as suas quotas, já o PCP e a CDU haviam chamado a si a relevante causa da defesa dos direitos e aspirações das mulheres, nomeadamente a promoção da sua participação em igualdade, em todas as esferas da sociedade - como facilmente constatará quem a esta questão tenha dedicado um mínimo de atenção.

O PCP não se limitou, no entanto, a rejeitar a imposição do PS: desmascarou-a e assumiu o compromisso de, na linha das suas preocupações anteriores, assegurar «um significativo reforço» da participação de mulheres nas suas listas. Garantiu, mesmo, que esse reforço se traduziria «numa percentagem de mulheres superior aos 25% que a proposta do Governo queria impôr». E - voltemos a puxar pelas memórias... - o PCP desafiou as restantes forças políticas a assumirem publicamente idêntico compromisso, lembrando-lhes que, com isso, se poupariam à desprestigiante figura de precisarem da imposição de uma lei para cumprirem um dever natural e que deveria fazer parte das suas preocupações normais.
A realidade aí está: e não é demais sublinhar e insistir no significado quer da percentagem de participação de mulheres nas listas das várias forças políticas, quer do silêncio em que toda esta questão foi envolvida. É que a CDU não só escolheu uma mulher para cabeça de lista como assegurou que quase 50% dos elementos que compõem essa lista fossem mulheres.

A que se deveu esta diferença de comportamentos das diversas forças políticas? Por que razão a CDU foi mais longe do que a própria lei pretendia impôr e os outros, nomeadamente o PS, ficaram aquém ou quedaram-se na pretendida imposição?. Numa recente iniciativa da CDU, Ilda Figueiredo, abordou esta questão com grande pertinência: «Quero lembrar que, no âmbito da CDU, se tratou sobretudo, não de acordar subitamente para a questão da participação das mulheres nas listas eleitorais, mas de dar um novo impulso a uma preocupação e a uma orientação que já anteriormente tinha levado a que, em termos de listas e de eleitos, quer para a Assembleia da República quer para as Autarquias Locais, a CDU apresentasse uma participação feminina, que sempre assumiu ainda como insuficiente e insatisfatória, mas que se distinguia largamente da assegurada por outros partidos».
Sem reduzir a questão da participação das mulheres na vida política e na sociedade às percentagens de presenças nas listas e nos eleitos - antes ligando sempre a plenitude dessa participação a factores económicos, sociais e culturais - há que reconhecer, no entanto, que o número de mulheres que integram a lista da CDU ao PE, constitui um importante passo em frente. Tanto mais importante quanto esse facto demonstra e confirma a possibilidade de evoluções nesta matéria, não em consequência de operações demagógico-eleitoralistas ou da magnânima concessão de pretensos e aviltantes «favores», mas do justo e necessário reconhecimento do mérito, do valor, da capacidade das mulheres - que, no caso concreto da CDU, integram a sua lista por direito próprio e com a plena consciência de que, participando como candidatas nesta batalha, não só dão mais força à luta eleitoral como criam melhores condições para a continuação, no futuro, da luta pela plena afirmação dos direitos das mulheres no trabalho, na família, na sociedade.

Invoquemos, uma vez mais, as memórias: na altura da discussão das quotas, o PCP apelou a todos os eleitores - e muito especialmente àqueles que consideravam ser necessário aumentar a participação das mulheres, nem que fosse por imposição legal, na vida política - para que acompanhassem e verificassem a forma como os diversos partidos iriam concretizar as profissões de fé então produzidas, os compromissos então assumidos. Considerava, ainda, o PCP - e afirmou-o claramente - que a esses eleitores viria a colocar-se a possibilidade concreta de, com o seu voto, defenderem a opinião então manifestada - premiando ou penalizando os partidos em função do seu maior ou menor empenho em fortalecer e ampliar a participação feminina nas suas listas para o PE. E já que, nem a comunicação social dominante ( que, na altura, tanto tempo e espaço dedicou à matéria), nem os múltiplos comentadores que sobre a mesma temática tanto discorreram, voltaram a falar no assunto - nem sequer tendo tido a curiosidade natural de verificar qual tinha sido o comportamento de cada partido e de comparar esses comportamentos... - é bom lembrar, agora que temos eleições à porta, quem cumpriu e quem não cumpriu os compromissos assumidos e apelar aos eleitores que no dia 13 de Junho votem, também, nesta conformidade.
O PCP e a CDU, hoje como sempre, continuarão a assumir, em relação à problemática feminina, a sua posição, singular no quadro político-partidário nacional, de empunhar bem alto a bandeira da luta pela defesa dos direitos das mulheres. A questão das quotas e do que se lhe seguiu, foi mais um exemplo e uma confirmação dessa realidade. A evidenciar a importância do voto na CDU nas próximas eleições. Do voto de todos, óbviamente. Mas, em especial, do voto das mulheres.


«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999