Jugoslávia
Fim-de-semana sangrento


O anúncio da presidência jugoslava de que está disposta a aceitar os princípios do G-8 (os sete países mais industrializados e a Rússia) para uma solução do conflito no Kosovo foi saudado pela NATO com mais um fim-de-semana de sangrentos ataques contra alvos civis na Jugoslávia.

Entre os «alvos legítimos», como lhe chama a Aliança, contam-se dezenas de pessoas que atravessam a ponte de Varvarin no momento em que foi bombardeada, um sanatório em Surdulica onde vivem refugiados, e uma coluna de jornalistas estrangeiros que se deslocavam para Prizren, no sul do Kosovo.
Como a Rússia repetidamente tem denunciado, sempre que no horizonte desponta algum sinal de que a diplomacia pode levar a melhor sobre a força das armas a NATO intensifica os seus ataques de forma brutal. Voltou a suceder nos últimos dias. Depois de na sexta-feira a presidência jugoslava ter aceitado uma nova proposta de Viktor Tchernomirdin sobre a força de paz a enviar para o Kosovo (que incluiria países da Aliança Atlântica mas não os directamente implicados nos bombardeamentos contra a Jugoslávia), e de divulgar um comunicado em que expressamente se afirma que «a Jugoslávia está de acordo em que o Conselho de Segurança da ONU adopte uma resolução em conformidade com a Carta das Nações Unidas» para resolver o problema do Kosovo, os aliados parecem Ter ficado sem argumentos.
Enquanto a França e a Alemanha admitiam convocar «uma reunião do G8 ao mais alto nível, para avaliarmos o que se está a passar e agirmos em consonância», como afirmaram Chirac e Schroeder na cimeira franco-alemã de Toulouse, o comando operacional da NATO aproveitava o bom tempo para novas carnificinas.
Pelo menos 11 pessoas foram mortas e quarenta ficaram feridas no bombardeamento de uma ponte em Varvarin, a 160 quilómetros ao sul de Belgrado. Três projecteis foram disparados contra a ponte, cerca das 13.00 horas locais, onde se encontravam numerosas pessoas e automóveis. A agência noticiosa Tanjug admite que o balanço de vítimas mortais possa ser mais elevado, uma vez que a ponte ficou completamente destruída e várias viaturas se despenharam no rio. A NATO, segundo um comunicado emitido em Bruxelas, declarou que se tratava de um alvo «seleccionado e legítimo» porque a ponte servia de «linha de comunicação».
O bombardeamento danificou ainda vários edifícios, nomeadamente o hotel Plaza, a câmara municipal e a igreja da Santa Virgem, e privou a cidade de electricidade e comunicações telefónicas.
Também uma coluna de jornalistas estrangeiros que se dirigia para Prizren, no sul do Kosovo, esteve na mira dos aliados. O condutor de uma das viaturas morreu e pelos menos uma jornalista britânica (Eve Prentis) e um intelectual francês (Daniel Schiffer), ficaram feridos com gravidade, segundo o Centro de Informação de Pristina. No mesmo ataque terá também ficado ferida, sem gravidade, a jornalista portuguesa Elsa Marujo, da RTP.
Na madrugada de segunda-feira, para além de uma série de outros ataques, foi bombardeado um sanatório em Surdulica, a leste de Pristina, provocando a morte de pelo menos onze pessoas e vários feridos. É a segunda vez que o sanatório é bombardeado; no anterior ataque morreram 25 civis.
Os exemplos são elucidativos do espírito de «paz» que guia as acções da NATO. E mais significativos ainda se se tiver em conta que, a crer nas palavras do primeiro-ministro italiano, Massimo D'Alema, «os próximos quatro ou cinco dias são decisivos» para se alcançar uma solução negociada para o conflito na província sérvia do Kosovo.
«Estamos perto da paz», disse D'Alema no sábado, em Roma, comentando a aceitação por parte de Belgrado do plano do G-8.
Cabe perguntar se a persistência da NATO no ataque a alvos civis contribui de alguma forma para uma paz que não seja a dos cemitérios.


«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999