Emigrantes em França
No caminho de uma Europa mais justa


Os problemas dos emigrantes portugueses são bem conhecidos: salários baixos, falta de apoios oficiais, níveis de instrução débeis, entre outros. O Avante! foi a França visitar algumas comunidades emigrantes e contactar directamente com os portugueses que lá residem. Nesta edição abordamos as questões laborais e a acção e propostas da CDU. No próximo número falaremos das histórias, dos percursos, das questões de integração, da ligação a Portugal e dos problemas que afectam a segunda e a terceira gerações.

«Dar força à CDU é dar força a uma política que defende os interesses dos trabalhadores portugueses e de Portugal no quadro europeu.» A frase é de António Topa, membro do Secretariado do PCP na região de Paris, e encaixa-se inteiramente no trabalho que a CDU desenvolve junto dos emigrantes portugueses.
Em França, o PCP está numa fase de restruturação e dinamização, procurando dar uma maior visibilidade das suas propostas e iniciativas e apelando à mobilização dos jovens. Os frutos começam já a aparecer. Há cerca de três meses surgiu um núcleo da JCP na zona de Paris, composto por jovens entre os 16 e os 25 anos.
Com dificuldades em chegar às pessoas através da comunicação social, a CDU aposta no contacto directo e os resultados são bastante positivos. As acções de propaganda nos mercados e outras zonas onde os portugueses se concentram têm sido bem recebidas e prova disso é que poucos papeis se encontram no chão após quatro ou cinco horas de distribuição.
«Consideramos que as nossas ideias são as mais válidas, são aquelas que correspondem de facto aos anseios do povo português em geral», afirma António Topa. «Como dizia José Gomes Ferreira, "tudo vai de não esmorecer. Lutar, lutar sempre." Porque estamos a lutar pela verdade, pelo bem estar, por mais felicidade, por mais participação cívica», acrescenta.

Propostas da CDU

Entre outras medidas, a CDU defende o alargamento do ensino da língua portuguesa a mais escolas e a mais alunos. Para isso o apoio oficial é fundamental, coisa que tem faltado desde sempre. A maioria das escolas foram formadas por pessoas ligadas ao movimento associativo, muitas vezes isoladas do Ministério da Educação, das embaixadas e dos consulados. Nesta área, a CDU propõe ainda uma reformulação do papel do Instituto Camões na divulgação da cultura nacional.
A desburocratização dos serviços oficiais, nomeadamente os serviços consulares, é outra medida reivindicada, assim como o aprofundamento da formação profissional e linguística, a canalização das poupanças dos emigrantes para actividades produtivas e o acompanhamento social dos reformados. Hoje em dia, 250 mil portugueses preparam-se para se aposentar.
Para a CDU, os problemas ligados à juventude devem ser reflectidos, de forma a poder dar resposta às necessidade e problemas da segunda e terceira gerações de emigrantes.
Outra medida é a desvinculação da emigração ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e a ligação a uma entidade ligada ao primeiro-ministro, porque, como explica António Topa, «os emigrantes e os seus problemas tocam todos os ministérios».
«Vivemos, ouvimos e queremos intervir de uma forma positiva para a generalidade da população. O que não queremos é ficar só na teoria», sustenta.
O objectivo da Coligação é construir uma Europa social que dê prioridade ao emprego, uma Europa democrática em que todos participem activamente, uma Europa solidária e justa com uma visão de cooperação e não de guerra económica.

Apatia política

A apatia política é um dos principais problemas com que a CDU tem de lidar. Poucos são os emigrantes que votam, ou porque não estão recenseados ou porque não estão actualizados. Mesmo entre os inscritos muitos não participam nas eleições.
«Travamos a luta também pelo recenseamento. Não é só um direito que nos assiste, é também um dever. É claro que preferimos que depois as pessoas escolham a CDU, mas o voto não é nosso», defende António Topa.
«Viver a política à distância é complicado, torna as coisas três ou quatro vezes mais difíceis», diz João Ramos, sindicalista (ver entrevista nestas páginas). Américo Martins, 32 anos, militante do PCP, avança outra razão: a falta de cultura. «Muitos só se interessam pelo dinheiro. Há muita ignorância. Não condeno, talvez sejam assim por aquilo que sofreram no tempo do Salazar.»
Uma das queixas do eleitorado é ser visitado pelos políticos apenas nos períodos eleitorais. «Não nos podem fazer essa crítica, porque nós intervimos continuamente. Nós não aparecemos só na campanha, estamos constantemente presentes, na vida de todos os dias», afirma Topa.
«Somos a única força que sempre concorreu com candidatos da emigração nas legislativas, pessoas conhecedoras dos problemas da emigração e que a emigração conhece e respeita. O nosso programa é o reflexo dos reais problemas dos emigrantes», sublinha.
Ainda existem muitos preconceitos contra o PCP. «A nossa grande dificuldade é divulgar o mais possível as nossas propostas e fazer com que as pessoas percam o medo aos comunistas, aquele fantasma... É difícil porque os militantes do Partido ou as pessoas que defendem ideias de esquerda são afastadas de cargos públicos. Há uma repressão por parte das instituições oficiais. Enquanto povo português e enquanto emigrantes ainda estamos a pagar a factura de 48 anos de fascismo», considera António Topa.
Muitos militantes já regressaram a Portugal com a reforma ou a pré-reforma e «outros talvez estejam um bocadinho escondidos, não se querem manifestar», diz António Cunha, responsável pelo núcleo do PCP de Les Mureaux, vila nos arredores de Paris.
Américo Martins afirma que «têm medo de se mostrar, têm medo de dizer aquilo que são. Eu não tenho medo nenhum. Defendo a minhas ideias à frente seja de quem for. O essencial é defender os interesses do meu país. Não sei se é por ser mais novo ou se é por eles terem passado pelo fascismo. Sei que são pessoas que gostam e que votam no Partido, mas que têm medo de o dizer.»

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João Ramos, sindicalista da CGT:
A segunda geração em primeiro plano


João Ramos chegou a França em 1970, com 21 anos. Emigrado por razões económicas, trabalhou na construção civil e numa fábrica de enchidos. É, há muito, sindicalista na CGT, a maior central sindical francesa, e membro do Partido Comunista Francês.
Fomos encontrá-lo no fim de uma distribuição de propaganda da CDU no mercado de Villiers Sur Marne, cidade na zona de Paris, onde 10 por cento da população é portuguesa. Conhecedor da vida dos emigrantes, João Ramos falou-nos da evolução que a existência dos portugueses sofreu, da segunda geração e dos problemas laborais.

Avante! - Qual é o percurso típico dos emigrantes?

João Ramos - A maioria das pessoas emigrou por razões económicas, mas, na emigração política, grande parte voltou para Portugal depois do 25 de Abril. Ficou cá a emigração económica. Para eles foi necessário uma aprendizagem de classe para se inserir no movimento social e sindical. Nas associações era menos difícil porque organizavam festas, faziam uma espécie de cantinho de Portugal no seio da comunidade.

- Quer dizer que os emigrantes não estavam sensibilizados para a vida sindical?

- Sim, por duas razões. Primeiro, porque não tinham experiência em Portugal devido ao fascismo. Depois, porque quando emigravam diziam-lhes que vinham para melhorar as condições económicas e não para fazer política. Era isso que as autoridades francesas e portuguesas veiculavam na época. Isso pesou bastante na primeira geração, aquela que chegou entre 1962 e 1970, quando cerca de 800 mil emigrantes vieram para cá.
Hoje a situação modifica-se. Dando um exemplo concreto, em Champigny, onde havia os «bidonvilles» mais conhecidos, foi onde se inscreveram mais portugueses nas listas eleitorais. São cerca de 250. É claro que ainda estamos longe dos 6 mil portugueses que habitam em Champigny. O importante é que a segunda geração se interessa pelos aspectos sindicais e políticos.

- A que se deve essa diferença entre pais e filhos?

- Essencialmente vivem uma situação diferente dos pais.

- Referes-te à educação e ao ensino?

- À educação e à inserção na sociedade francesa.

- Voltando atrás, como era a vida dos emigrantes?

- De 50 mil portugueses em 1962 passa-se para 80 mil em 1972. Os emigrantes vinham sozinhos, uns com o «passaporte do coelho», outros já com contrato de trabalho cá. Chegavam e começavam a trabalhar, apesar das muitas dificuldades.
Os bairros de lata existiram em muitos lados, em Champigny, em San Denis, em Nantérre, sobretudo na região parisiense. Havia fortes concentrações, porque os empreiteiros da construção civil mandavam capatazes a Portugal recrutar gente. As concentrações faziam-se por profissões ou por terras de origem. Em Villiers Sur Marne, por exemplo, a maioria dos portugueses são da zona de Leiria.

- Se há uns anos os emigrantes trabalhavam essencialmente na construção civil, actualmente empregam-se outras áreas...

- Hoje encontram-se portugueses nas limpezas, nas tipografias, nas administrações e escritórios, principalmente os jovens.

- Isso revela uma maior integração na sociedade francesa?

- Como dizia há pouco, pelo que se vê, sindical e politicamente, a segunda geração está mais integrada que a primeira. Continua a haver o sonho que existe em 90 por cento dos portugueses que emigraram, que consiste em construir a casa na aldeia e regressar. É evidente que 90 por cento não satisfizeram esse sonho e que, quando estão na reforma e vão a Portugal, têm de regressar a França porque têm cá os filhos e os netos. Por outro lado, depois de aqui viver 20 ou 30 anos é difícil reintegrarem-se no país de origem.

- Quais são os grandes problemas que os emigrantes enfrentam?

- Um problema importante hoje em dia é o desemprego, mesmo se há muito menos portugueses desempregados do que magrebinos e africanos. É uma questão que preocupa muito a primeira e a segunda geração. Depois, há a questão das reformas dos que aqui chegaram na primeira fase, porque não quotizaram o suficiente para terem uma reforma completa.

- Porque trabalharam poucos anos ou porque trabalharam ilegalmente?

- Uns porque trabalharam alguns anos em Portugal e não havia descontos para a segurança social, outros porque não guardaram a documentação e hoje é impossível verificar esses descontos.

- E falando a nível de trabalho e de direitos laborais?

- Tal como em Portugal, há a precariedade no trabalho. É complicado para pessoas com 50 anos deixarem o emprego que tinham desde há 20 anos e arranjarem outro pior pago e mais difícil. Os jovens também são afectados. Quando falo em precaridade, refiro-me a contratos a prazo, trabalho a meio tempo, horários de trabalho extensos ou perda de direitos quando se muda de empresa. Por exemplo, havia o hábito de os emigrantes terem cinco semanas de férias para poderem ir aos seus países, que hoje desapareceu.

- Há muita gente a ser despedida?

- Sim, basta dizer que número de portugueses na construção civil baixou cerca de 40 por cento em 15 anos, o que é imenso.

- Essa precariedade existe em toda a França. Os portugueses são mais afectados ou não?

- Não, são afectados como os outros. É claro que aqueles que não estão organizados em sindicatos sofrem mais. Os que estão sindicalizados tentam defender o emprego e os direitos de maneira a não serem tão lesados.

- Há muitos portugueses sindicalizados?

- A maioria não está. Hoje há um número maior de sindicalizados, fruto do trabalho das organizações sindicais do tempo dos bairros de lata. Os portugueses vieram para responder às necessidades do «boom económico» francês e substituir os trabalhadores argelinos que abandonaram o país por causa da independência. Acabaram por pesar na luta pelos direitos, porque uma mão-de-obra vinda de um regime fascista é dócil e não reivindica.

- Qual é o interesse dos emigrantes pela vida social e política portuguesa?

- A maior parte desconhece. Pode-se interrogar sobre um ou outro aspecto ou durante as campanhas eleitorais, mas de resto só quando vão de férias.

- Isso deve-se a um desinteresse ou à falta de acesso às informações?

- Os algarvios também não se interessam sempre pelo que acontece no Norte. Aqui há também o factor da distância e o da instalação na França.

- Nesse caso, acompanham a sociedade francesa?

- A segunda geração, por estar mais inserida e por não ter a perspectiva de voltar a Portugal, tem tendência a seguir mais. Na primeira geração há uma espécie de curiosidade, mas não participam. — Isabel Araújo Branco


«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999