No dia 15 de Maio, em Montoito, foi realizada uma homenagem a Dinis Miranda, com a
participação de Álvaro Cunhal, em que foi descerrado um busto e atribuído o seu nome a
uma praça da vila. Vale a pena recordar o que disse José Rolo, trabalhador agrícola de
S. Vicente de Valongo, em 1976, sobre esse grande camarada, lutador e dirigente na
resistência ao fascismo e na construção da Reforma Agrária.
O que disse José Rolo:
«O que foi o meu 25 de Abril? Quando soube, fiquei um bocadito
surpreendido porque não me convenceu uma coisa tão de repente. Sempre pensei que isto se
ia modificar, fosse mais aqui ou mais além; é claro que as coisas iam caminhando para
esse campo, mas uma coisa tão de repente não me passou pela cabeça. Fiquei
surpreendido, ouvi as notícias, eh, isso pulei para aí de contente que eu sei lá, mais
os meus camaradas, durante o dia. Até parece mentira mas aconteceu.
Logo depois foi o meu conhecimento que o camarada Dinis tinha sido solto; nessa altura foi
uma alegria extraordinária para mim, que trabalhei com ele antigamente. E então quando
soube isso nem sei até contar o prazer que tive. Como conheci o Dinis?Eu trabalhava na
clandestinidade; comecei mais cedo, ele era jovem, e então fomos controlados e é claro
que a gente andava a apanhar este e aquele, sabia-se pouco mais ou menos quem podia ser da
organização; o rapazito foi sempre inteligente, cheguei a ter aí um livro que lhe
passei para ler, um livro que era em português mas foi escrito pelo Pedro Kropotkine.
Chamava-se «Comunismo e Anarquismo», em que fazia todas as explicações no aspecto de
igualdade; era um livro importante.
Chegou-me à mão esse livro vindo de um homem já velho que aqui havia; era de um tio
dele e por conversa sabia que eu era amigo e interessado em ler livros, e esse homem tinha
o livro e emprestou-mo. Fiquei cá com ele e depois foi para Montoito e lá ficou,
desapareceu. Estava com receio de ir lá buscá-lo; como era que havia de andar aqui e
além a perguntar pelo livro?... E assim ficou e cumpriu a sua tarefa, lá foi passando de
mão em mão. Conheci o Dinis por intermédio desse camarada, ele cedeu-me o livro e eu
emprestei-lho, nos princípios dele, quando foi puxado para o Partido. Tivemos muitas
reuniões, ele estava em Montoito e fazia parte da organização. Começámos a perceber
que tinha qualidades, até pelo instrutor dele, que foi um chamado Romão; esse homem era
anarquista, conheci-o nos seus últimos anos de vida, tivemos conversas. A ele é que lhe
deu para puxar o Dinis, que era pequenito, andava na escola; viu a ideia do rapaz, que
começou logo de novinho. E então conhecemo-nos e trabalhámos juntos no campo. Numa folha
ali no Castelo, andou aqui quatro semanas mais eu, a rolheirar. Era pequeno mas muito
rijo, não resta dúvida nenhuma.
Foi sempre muito activo, tinha muita coisa boa; então, com mais saber literário e essa
coisa, passou adiante. Passou à clandestinidade. Começou por ser preso aos vinte anos.
Há quem comece a lutar aos quarenta, há quem aprenda aos sessenta, tudo depende das
ocasiões; aqui no Alentejo havia possibilidades. Fui sempre muito amigo de ler coisas.
Antes do trabalho clandestino já eu lia, antes de aparecer o «Avante!»; bem jovem
comecei a ler papel desse e gosto bastante.»
Saudação da DORL a Dinis Miranda
por ocasião da homenagem
«Cremos que estás vivo. Estás aqui, ao nosso lado, dizendo que não vale a pena fazer muita festa, neste dia de homenagem. Estás também ali na sala de reuniões, no Centro de Trabalho de Évora. Estás connosco, a beber um copo e a falar da Reforma Agrária.
És um dirigente, um homem profundamente humano, um trabalhador agrícola desde a idade de criança, um operário da revolução na clandestinidade, preso pela primeira vez aos 20 anos, segundo disse um dia José Rolo, um teu velho companheiro de trabalho, de leituras e de luta no Partido.
A Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP quis estar presente, hoje, em Montoito, neste dia em que ficamos mais próximos do teu exemplo, do teu sorriso, da tua obra, da tua vida de comunista inesquecível e camarada. A tua imagem vai ficar mais viva, na tua terra, a dizer-nos que o futuro começa sempre quando um comunista se junta a outro e ambos olham para a frente, para o início de como devemos fazer agora, de como devemos fazer amanhã, para tornar o mundo mais justo, mais desenvolvido e liberto.
No Alentejo, és uma referência essencial no coração dos homens, das mulheres, dos jovens, de todos os comunistas e amantes da liberdade, do progresso e da vida. Por isso estás sempre connosco, nas reuniões, nos contactos, nos trabalhos da luta e do quotidiano. És um filho inolvidável do Alentejo libertado e libertador. És um homem com resistência e coragem para estares sempre ao nosso lado, exemplar e simples, com um sorriso bem amigo nos lábios a dizer-nos: Para a frente, camaradas. Para a frente, que nós não perdemos a luta pela Reforma Agrária, não perdemos a Revolução, não esquecemos o 25 de Abril que ajudámos a construir e a realizar. Apenas nos atrasámos um pouco. Coisas da vida, estes avanços e recuos. Amanhã, hoje mesmo, abriremos novos caminhos e a experiência e a memória também ajudarão a irmos mais seguros até onde desejamos.
Palavras de Dinis Miranda, camarada de Montoito e do Alentejo, que o sopro do vento amigo e do calor do dia nos traz, por entre os montes e as casas, os rostos dos homens, das mulheres e dos jovens que estão presentes, a seu lado, a ouvirem as suas opiniões e a caminharem rumo ao futuro mais aberto e promissor que lhe devemos, que devemos a todos nós, ao Alentejo, ao País e ao Mundo.» Modesto Navarro