PCP em voo de pássaro


No século passado, a princesa Rattazzi, depois de uma viagem a Portugal, publicou em França um livro a que chamou «Portugal à vol d’oiseau» (Portugal em voo de pássaro, isto é, num relance). Camilo Castelo Branco, indignado com a supercialidade preconceituosa que o livro espelhava, escreveu sobre ele um panfleto criticando-o como uma visão de Portugal em voo de pássara, e que lhe valeu do marido da senhora o desafio para um duelo.
Encontram-se com frequência em publicações portuguesas análises, descrições, opiniões e sentenças sobre o PCP que fazem lembrar o livro da princesa Rattazzi, apenas subsistente na história pelo acto planfetário de Camilo. Não nos referimos às bocais patacuadas de primarismo anticomunista ao estilo paulos-portas. Mas sim a opiniões avançadas por pessoas que, apresentando-se como isentas, imparciais e independentes, ou até sendo-o ou querendo sê-lo, revelam o mesmo estilo ligeiro da princesa, com ideias colonizadas pelas cassetes da «vulgata» anticomunista em circulação.

Em «Política à portuguesa» da última «Grande Reportagem» sentencia-se que «o PCP não sai dos lugares comuns e das evidências em que se tornou especialista»: contra a guerra e contra a OTAN, pela paz, pelo progresso e pelos trabalhadores, acrescentando-se ironicamente termos «uma visão idílica do mundo.» Mas nesse mesmo número da revista se descreve um quadro nada idílico do mundo em que a «América foi aprendendo a transformar a guerra numa fonte de receitas que hoje é crucial para o país»...
Em artigo do «Expresso» de sábado passado intitulado «Os comunistas», onde aliás se lhes concedem alguns méritos, ao mesmo tempo que se afirma «o PCP acabou enredado nas malhas do dogmatismo que todos lhe reconhecem», conclui-se, com a mesma dogmática ligeireza, que «o PCP tem vindo a descaracterirar-se com um discurso cada vez mais diluído (...)»
Em artigo recente no «Público» com a chancela de uma assinatura académica, foi o PCP acusado de falta de diálogo, contrapondo-se-lhe o exemplo de um debate com algumas personalidades promovido pelo Bloco de Esquerda, mas saltando levianamente por cima do facto de que essas mesmas personalidades tinham recentemente participado em numerosos debates a convite do PCP, como se poderia verificar consultando simplesmente a «Agenda» semanal publicada no «Avante!»...

O PCP não é evidentemente intocável, nem alérgico a diferenças e divergências de opinião, ou à crítica. Mas merece, e a referência honesta ao PCP exige-o, uma análise atenta, informada e séria.
E não nos venham com o chavão de que os ideais do comunismo estão ultrapassados, e que «a nossa mensagem não passa» - quando o que se vê é este capitalismo tardio a que chamam agora «neo-liberalismo» mostrar-se cada vez mais incapaz de responder e resolver problemas do mundo, antes os agravando: veja-se a guerra na Jugoslávia.
Nem nos venham com a cassete de que «o comunismo só existe onde existem pobres» - como se não estivéssemos a caminhar no mundo para um número crescente de pobres, proletarizados e excluídos.
Nen venham dizer-nos que o mundo mudou. Bem o sabemos. Fomos protagonistas de muitas dessas mudanças. Continuamos a acompanhá-las, para responder às necessidades, aos problemas e ás esperanças do mundo. E vale a pena atentar nas nossas ideias e propostas com olhos de ver, e não em voo de pássaro ao estilo Rattazzi. Elas são actuais, coerentes, responsáveis, urgentes. E necessárias. — Aurélio Santos


«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999