A campanha eleitoral para as Europeias vem sendo caracterizada por uma quase
ausência de debate e, em contrapartida, pela saturação de elementos do pior marketing
político. Era de prever. A mediocridade dos media, que algumas excepções apenas
sublinham, e a sociedade do espectáculo, verdadeiramente tentacular, não são de molde a
preferir o confronto de propostas e posições, o espírito crítico, uma cidadania sem
alheamento nem desinformação. Por outro lado, a maioria dos protagonistas tenta-se cada
vez mais por um exercício de generalidades, embustes, pirotecnias verbais, mesmo quando
proclama intenções de esclarecimento e autonomia de projecto.
Alguns exemplos:
Não será inadequado lembrar, dias volvidos, a emissão da SIC com os quatro candidatos
tidos como principais. Em larga medida por responsabilidade dos moderadores, a algazarra e
a displicência substituíram a exposição clara e a afirmação das singularidades.
Mário Soares, flanando longe das questões concretas, interessado em evitar escolhos num
discurso de vocação quase nefelibata, nunca colocado perante as contradições de
percurso e pensamento, acabou por beneficiar do contencioso entre os representantes da
defunta AD. Paulo Portas, que se vem notabilizando por uma marginalidade de conduta cujos
excessos se não limitam a desacreditá-lo, desacreditam também qualquer espaço em que
tenha assento, esqueceu a prática do CDS-PP nos parlamentos nacional e europeu, ergueu a
voz, gesticulou, fez sucessivos números de contorcionismo e nada explicitou do programa
em nome do qual disputa a confiança dos portugueses. É assinalável o esforço de
Pacheco Pereira para, através de meia dúzia de frases articuladas, se afastar do líder
da lista do PS, tal e tanto o que os aproxima. Apesar da proclamação antifederalista,
que não corresponde às opções do PSD e, bem vistas as coisas, não pode levar-se
demasiado a sério, as suas palavras serviriam, no geral, a estratégia de Guterres. Que
ficou, porém, da sua ida a estúdio? Há que reconhecer: um grão de areia sem a menor
relevância.
A CDU, pela natureza da sua intervenção ao longo dos anos, apresenta, neste contexto, um
conjunto coerente de análises e compromissos, um trabalho todo ele merecimento e
abnegação, uma transparência de métodos que são, de facto, um traço distintivo que
ninguém consegue apagar. De que tempo e condições dispôs no meio do arruído que,
muito a gosto da estação de Carnaxide, se instalou?
Nas acções junto do eleitorado, nos cartazes de propaganda, nos comícios e
declarações à comunicação social, o panorama não muda de figura. Enquanto os
socialistas se bastam com a figura de um Soares em estilo de rainha de Inglaterra numa
fatigada visita aos súbditos, acrescida dos fulgores de António José Seguro, os
escolhidos de Durão Barroso surpreendem o País com slogans de índole rasca onde
se não vislumbra uma ideia, um rasgo, um sinal de qualidade. Portas reitera o frenesi, a
agressividade, a desfaçatez, e procura dissimular o desespero, a perversão populista, o
que há de grotesco numa postura que se nutre de artifícios e bílis. É caso para
perguntar: e a pedagogia prometida? O pacto de interpretação dos objectivos portugueses
e dos anseios das populações? A honorabilidade, o rigor, o sentido de despojamento
pessoal? Para inglês ver, claro...
Faltam menos de duas semanas para o 13 de Junho. Apesar do que se assinalará de positivo
na realização televisiva de Judite de Sousa, as reportagens continuam, por via de regra,
a projectar desigual e distorcidamente as prestações de cada força política no
terreno, causticando sobretudo a coligação dirigida pelo PCP. Não é nova esta
orientação, contrária à legalidade e a uma vivência amadurecida dos princípios
democráticos. Importará, por isso, reforçar no futuro os poderes de correcção que
cabem aos órgãos idóneos em matéria de ilícito eleitoral e garantia de isenção e
pluralismo na comunicação social. Mas, no imediato, como é que a saga bipolarizadora,
de novo desencadeada, não há-de dar frutos? Em menos de duas semanas, que conteúdos
precisos aguardar por parte das candidaturas que se afoitam em escamotear problemas e
fugir das respostas que urgem como o gato escaldado diante de água fria? E, sobrando
motivos para se ser céptico, que culpas atribuir à abstenção, que a CDU combate com
meios sérios e não merece? Num momento decisivo para a União Europeia, a sua linguagem
é um apelo à participação cívica, à lucidez, à construção da paz contra a
ignomínia da guerra nos Balcãs e os perigos de congéneres actuações no futuro ,
ao primado do rigor, da convicção e da competência. E tal apelo consubstancia, só por
si, uma forma de dignidade que vai ao invés dos oportunismos e ligeirezas que por aí
degradam a vida institucional. Manuel de Melo
«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999