Da falta de ideias
às ideias para esconder o essencial


Pairando nas nuvens mediáticas da política espectáculo, Mário Soares, Pacheco Pereira, lá vão entoando hinos a esta União Europeia, na campanha em que vale tudo, desde que o resultado seja mais uns votos.

E o que é certo é que muita comunicação social acha que sim senhor, e lá vão dando sala ao baile de máscaras, e tempo de antena à retórica mais balofa.
No princípio, como se sabe, o importante eram as «ideias». E então o Dr. Pacheco Pereira, cabeça de lista do PSD, avançou com a «ideia dos debates a dois». O cabeça de lista do PS, Dr. Mário Soares, não aceitou e lançou a «ideia do imposto europeu». Hossana!, enfim uma «ideia», gritou a rapaziada do costume. Mas o Dr. Pacheco contestou e barafustou: o Dr. Soares não queria discutir ideias! Então o Dr. Soares avançou com nova ideia: já que havia o dinheiro do tal imposto europeu, então havia que criar um exército europeu com comando único europeu. O Dr. Pacheco retorquiu com outra ideia: um exército comum ou uma força de intervenção rápida, mas sem imposto europeu e sem zangas com a NATO. O Dr. Soares tirou então do bolso a ideia do Pacto Constitucional. Saltou o Dr. Pacheco com um segundo Plano Marshall para o alargamento. Então o director do diário da SONAE descobriu que o Dr. Pacheco e o Dr. Soares «tentam discutir ideias»!
O pequeno problema é que, tentar tentam, só que não conseguem!
E isto porque divergem no acessório, no palavreado, e convergem no fundamental!
E isto porque as novas ideias são ideias velhas como a Sé de Braga. A ideia do imposto tem uma década, pelo menos. A ideia do exército é falar do feto ou do aborto que a UEO é há muito! (Sabem certamente aquela anedota das forças separadas mas não separáveis...!). A ideia dos debates a dois é de 1995 e foram as peixeiradas que se sabe. O Pacto Constitucional é a versão eleitoral dos vários projectos da Constituição Europeia que renascem em cada legislatura. E o segundo Plano Marshall dissolveu-se sem fama nem glória na Agenda 2000, por causa de uns ditos egoísmos nacionais.
Acabadas as «ideias», toca a inventar as diferenças, que nunca existiram. Mas que têm um objectivo eleitoral preciso: disfarçar o indisfarçável, a identidade, em todos estes anos, das respectivas políticas comunitárias.

Um quer um imposto europeu e o outro não quer. Mas sabem os dois que os seus partidos, os partidos de que são cabeças de lista, e os governos desses partidos, de Cavaco a Guterres, conviveram e convivem com a situação em que Portugal, País economicamente no carro vassoura, é colocado no pelotão da frente dos países que mais contribuem para o Orçamento Comunitário face ao seu PIB e população!
Sabem que ocupamos o 5º lugar dos contribuintes, fazendo um esforço por habitante quase igual ao alemão e bastante acima da França, da Espanha, da Dinamarca, da Itália, do Reino Unido!!!

Um fala de um exército europeu e o outro de um europeu exército fala. E ambos querem uma União Europeia com uma política externa comum, com mais ou menos NATO, comandada pelas grandes potências, através do voto por maioria e do pagamento por todos. Uma União Europeia bloco político-militar, virada para a corrida armamentista e a intervenção militar. Os dois partilham a estranha contradição de, contestando a aventura de, contestando a aventura militar da NATO na Jugoslávia, pertencerem a partidos cujos deputados pertencem a grupos parlamentares que, na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, votam pela guerra. E que assim vão continuar a votar.

Um apoia a reforma da PAC de 1999 e a Agenda 2000 como uma extraordinária vitória portuguesa, e o outro apoia a reforma da PAC de 1992 e os fundos que então se obtiveram. Os dois fazem por esquecer que essas reformas da política agrícola comum têm exactamente o mesmo conteúdo, o mesmo sentido, e que tanto uma como outra deixaram e deixam os agricultores portugueses, as culturas mediterrâneas e o País como pedintes à mesa do lauto jantar dos dinheiros agrícolas comunitários. Um e outro compartilham da filosofia que tem presidido à aplicação dos fundos em Portugal: muito para o grande capital, muito para os latifundiários, muito para as autarquias da cor. Muita corrupção e compadrio. Algumas migalhas para que os protestos não se oiçam!

Um fala de um projecto europeu federal, e o outro de uma Europa política, e ambos sabem que os partidos de que são cabeças de lista, e os governos desses partidos, de Cavaco a Guterres, são cúmplices, sócios e participantes activos, desta construção europeia de pequenos passos e factos consumados, de decisões que depois implicam, e servem de argumento para novos avanços (federalistas), não considerados à partida. Esta construção europeia de federalismos escondidos e de clara ocultação dos sentidos e objectivos da integração em curso, feita à margem dos cidadãos, dos povos, dos parlamentos nacionais. Parlamentos a quem atribuem a «extraordinária» competência de ratificar o que outros, sem legitimidade democrática, decidiram, como sucessivamente sucedeu com o Acto Único, com o Tratado de Maastricht, com a União Económica e Monetária, com o Tratado de Amesterdão...

As ideias do Dr. Pacheco e do Dr. Soares, as suas divergências e zangas, têm uma única missão: ocultar sob diferentes roupagens verbais e eleitorais, a comunhão de objectivos, processos e projectos na construção da União Europeia. — Agostinho Lopes


«Avante!» Nº 1331 - 2.Junho.1999