O
escândalo Champalimaud
ou o PS por ele próprio
Por Lino de Carvalho
Quando, há poucos dias, foi tornado público o negócio
pelo qual Champalimaud vendeu o seu império aos espanhóis do
Banco Santander Central Hispano transferindo para Espanha o
controlo de uma parte importante do sistema financeiro
português, o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do
Governo PS, Teixeira dos Santos, num momento de espontânea
sinceridade, veio dizer que "este negócio é uma negação
do tratamento de favor que foi dado ao grupo de António
Champalimaud pelo Governo anterior para se criar um centro de
decisão nacional no sector financeiro".
O céu parecia ter
desabado em cima das nossas cabeças, ou melhor, das cabeças do
PS. É que o descuidado membro do Governo socialista, rapidamente
mandado calar, veio dizer aquilo que o PS, três semanas antes,
tinha negado para justificar o facto de se ter aliado ao PSD e ao
PP na rejeição do relatório da "Comissão de Inquérito
Parlamentar para Apreciação de Actos dos Governos do PS e do
PSD envolvendo o Estado e Grupos Económicos", constituída
por proposta do PCP, e onde exactamente se concluía que "o
Governo PSD, prejudicando os interesses patrimoniais do Estado e
de terceiros, favoreceu António Champalimaud, pondo á sua
disposição os meios necessários para adquirir empresas do
Estado em processo de privatização".
Como afirmaram os deputados do PCP na declaração de voto final
"o processo de privatização da Mundial Confiança e do
Banco Totta & Açores que conduziu ao controle destas duas
empresas por António Champalimaud é, porventura, o caso mais
paradigmático de como os interesses e os meios do Estado foram
postos ao serviço da reconstituição de um grupo económico
privado".
Vale, aliás, a pena recuperar, agora, alguns dos factos
fundamentais que foram então apurados : que o Governo do PSD
celebrou um acordo global com António Champalimaud pelo qual o
Estado não só desistiu de todos os processos contra o velho
senhor do capital como colocou á sua disposição, através das
então empresas públicas CIMPOR e Banco Pinto & Sotto Mayor,
18,6 milhões de contos, com os quais aquele adquiriu 51% da
Mundial Confiança que lhe serviu de alavanca para tomar conta,
posteriormente, do próprio Sotto Mayor e do Totta & Açores;
que lhe foi dada autorização para controlar o BTA sem
necessidade de lançar uma OPA (Operação Pública de
Aquisição) como era exigido pela legislação portuguesa
prejudicando o Estado e os demais accionistas; que esta
autorização, que o então Governo do PSD concedeu, legitimou e
branqueou um negócio ilegal de 28/12/94 celebrado entre o
BANESTO, os seus testas de ferro portugueses e António
Champalimaud pelo qual se provava que, contra a lei portuguesa, o
conhecido financeiro espanhol Mário Conde tinha adquirido o
controlo do Totta & Açores. Recorde-se também que um dos
processos do Estado contra Champalimaud resultava do facto deste,
em finais de 1974, procurando sabotar a jovem revolução de
Abril, ter desviado fundos do Banco Pinto & Sotto Mayor para
a abertura de contas pessoais e secretas em Londres.
E tudo isto foi combinado em reuniões e encontros que envolveram
altos responsáveis ministeriais dos Governos cavaquistas como os
ex-ministros Braga de Macedo e Eduardo Catroga ou o então
Secretário de Estado Elias da Costa.
Recorde-se finalmente que em Novembro de 1996, já com o Governo
PS, foi entregue a Champalimaud o resto do capital do Totta (13
%) que ainda estava na posse do Estado.
Como afirmaram os deputados do PCP "houve uma actuação
deliberada do Governo, em concertação com António
Champalimaud, no sentido de ser reconstituído o império
económico e financeiro deste sem que tivesse de despender
quaisquer recursos próprios significativos".
Tudo isto foi largamente comprovado e transposto para a proposta
de relatório final da Comissão de Inquérito. Pela forma como
tinham decorrido as múltiplas reuniões e audições da
Comissão tudo indicava que o relatório seria aprovado e que,
finalmente, a Assembleia da República, pela primeira vez, faria
luz sobre "esta gigantesca operação de engenharia
financeira e política, conduzida ao mais alto nível do Estado
português", como sublinharam os deputados do PCP. De facto,
ao contrário de idêntico inquérito também proposto pelo PCP
na legislatura anterior cujas conclusões branqueadoras foram
impostas pela maioria absoluta do PSD, neste já não parecia
haver essa possibilidade e os deputados do PS, juntamente com os
deputados do PCP e o relator, estavam em condições de aprovar o
relatório.
Só que à medida que se foi caminhando para as sessões finais
de debate e votação do inquérito e se começou a vislumbrar a
hipótese do relatório ser mesmo aprovado pressões de toda a
ordem começaram a abater-se sobre a Comissão de Inquérito. O
ex-Ministro Catroga foi, nesse plano, o mais visível. Até
apresentou, a seu favor, pareceres de tão ilustres
constitucionalistas como Vital Moreira e Miguel Galvão Teles
para além de múltipla correspondência e pedidos de reuniões
aos deputados e á Comissão. Foram, inclusivamente publicados
editoriais de imprensa em defesa de Champalimaud e contra o
projecto de relatório.
Eis que então se dá o volte face do PS. De uma reunião para a
outra os deputados do PS dão o dito por não dito e modificam a
sua posição em toda a linha. Começam por propôr que o
ex-Ministro Catroga fosse ouvido de novo para se poder defender
das conclusões da proposta de relatório. Coisa nunca vista em
anteriores Comissões. Até que, finalmente, se absteve na
votação final do relatório com a honrosa excepção do
deputado Henrique Neto o que, somado aos votos contra do
PSD e do PP (este votou contra o relatório de um deputado da sua
própria bancada) inviabilizou e chumbou o relatório. Argumento
oficial do PS: que as conclusões do relatório proposto não
estavam provadas.
Sabe-se agora, pelas declarações do Secretário de Estado
Teixeira dos Santos e de deputados do PS, que na altura, contra o
apuramento da verdade, foi feito um acordo entre o Governo do
Engº Guterres e António Champalimaud para garantir a
abstenção dos socialistas. Champalimaud ter-se-ia, em
contrapartida, comprometido a não vender aos espanhóis.
Espantoso. O PS pôs, aqui também, a raposa a guardar as
galinhas.
O que se prova agora é que o PS sabia do negócio e a única
coisa que se lembrou de fazer foi um acordo com Champalimaud para
que a verdade sobre o escândalo e as ilegalidades cometidas na
reconstituição do seu império fossem abafadas. A verdade é
que o PS mentiu na Comissão de Inquérito para favorecer
Champalimaud e os seus deputados prestaram-se a um triste papel.
O PS juntou-se, assim, ao PSD no tratamento de favor dado a
Champalimaud.
Em resumo: Champalimaud, com o favor de António Guterres, vai
receber 120 milhões de contos pela venda ao Santander de 40% da
sua holding pessoal que controla 51% da Mundial Confiança, 51%
do Pinto & Sotto Mayor, 94% do Totta & Açores e 70,5 %
do Crédito Predial Português e que, com Cavaco Silva, tinha
tomado conta sem gastar um tostão de seu. Grande negócio, á
custa dos dinheiros públicos!
A história das factos fala por si. Mas agora é preciso ir até
ao fim. O Grupo Parlamentar do PCP já propôs a convocação de
Teixeira dos Santos. E não venha agora o PS e o Governo fazerem
discursos hipócritas em defesa do interesse nacional e dos
pequenos accionistas. Se tivessem aprovado o relatório,
porventura, este negócio não teria condições para ir para a
frente. Ao comportar-se como se comportou o PS é responsável
pelo negócio se ter concretizado.
Aqueles que tantas vezes criticam o PCP por afirmarmos que, nas
questões essenciais, o PS não se distingue do PSD têm aqui
mais uma resposta. Infelizmente. Neste caso, significativamente,
na reconstituição e nos negócios do grupo económico de
Champalimaud e nas relações promíscuas entre o Estado e os
grandes interesses privados em prejuízo do País.