Amiguismo e preconceito


Não é a primeira vez que acontece nem será certamente a última, mas aí estão, de novo, os critérios à «la carte» na apreciação dos resultados eleitorais, inspirados ora pelo amiguismo do coração ora pelo preconceito empedernido.
Evidenciando, como é costume, na maior parte dos «media», quer uma generosa complacência com os truques mistificatórios que sopram do lado do PS, do PSD e do PP quer uma impiedosa predisposição para desvalorizar ou denegrir o resultado da CDU.

De facto, a alguns tudo é permitido.
O PS faz-se esquecido de que, com a candidatura de Mário Soares queria «arrasar» a concorrência em termos de uma votação de natureza quase plebiscitária, mas agora deixam-no tranquilamente em paz em relação ao fracasso da ambiciosa operação que tinha concebido.
O PSD pode ter a mais baixa percentagem de há quinze anos a esta parte e ficar a 12 pontos do PS, mas é dado generoso acolhimento à sua tese de que, coitado, vinha da fossa de uma crise partidária e de que, para as legislativas, tudo ainda será possível.
O CDS-PP, que em tempos idos já teve votações de 14-15%, pode perder 4 pontos e um deputado, mas a seu respeito ninguém fala de «declínio irreversível», antes encontra larga receptividade ao truque do seu «renascimento» na base da comparação do seu resultado com os catastróficos resultados que algumas sondagens lhe atribuíam.
Mas pode imaginar-se como seriam devastadoramente cruéis os comentários, caso a CDU, no domingo à noite, tivesse vindo proclamar que tinha tido um resultado estrondoso e prenunciador de um fulgurante renascimento eleitoral porque, com 10,3%, tinha ultrapassado exuberantemente os 3,9% e 5,2% que as sondagens do «Expresso» lhe tinham atribuído, respectivamente em 8 de Maio e 5 de Junho.

Mas há mais.
Há cinco anos, quer na noite das eleições quer nas semanas seguintes, a passagem da CDU para quarta força mais votada foi sistematicamente usada para amesquinhar o resultado da CDU e tentar desmoralizar os seus apoiantes. Mas agora que a CDU recuperou a posição de terceira força mais votada, o assunto já parece completamente desinteressante para tantos que tanto com ele se excitaram há cinco anos.
E, para completar o leque, recorde-se que também Miguel Portas pode, depois de fechadas as urnas, vir declarar que «esse (eleger um deputado) não era o objectivo principal» («DN» de 14/6), sem que ninguém, ao que parece, lhe tenha perguntado porque é que não disse isso durante a campanha, e antes andou em diversos comícios a apelar directamente aos eleitores da CDU dizendo-lhes que a CDU já tinha os seus três deputados eleitos (viu-se!) e que, por isso, bem podiam mudar o seu voto para o «Bloco».

E se alguém acha que somos nós que temos a mania da perseguição, imagine-se o que alguns diriam de nós se, invocando números irrefutáveis e com um grau de artificialismo bastante menor do que os artificialismos que por aí circulam, viéssemos dizer que, por comparação com a legislativas de 1995, a CDU é, no quadro das grandes forças, a única a aumentar a sua percentagem.
Mas este teste não será feito. Pela simples razão de que não desistimos de ser sérios. — Vítor Dias


«Avante!» Nº 1333 - 17.Junho.1999