PELA PAZ
continuar a luta!


Acerca do acordo assinado para pôr termo à brutal agressão militar da NATO contra a Jugoslávia muito se escreveu e centenas de milhares de páginas se hão-de continuar a escrever. Independentemente do juízo de valor sobre o acordo e todas as consequências previsíveis e imprevisíveis há elementos marcantes da agressão que perdurarão para além do acordo alcançado.
O primeiro é a imposição na prática da NATO no 50º aniversário do novo conceito estratégico e consequente violação do direito internacional, ao atacar militarmente a Jugoslávia por decisão unilateral, à revelia da ONU.

Nenhum acordo pode apagar este negro capítulo da história da NATO. A NATO, com os EUA à cabeça, pretende impor ao mundo o seu poderio, não permitindo aos países e povos, que os EUA entendem estar em posições adversas às suas manter, essas posições. No fundo o significado desta guerra e deste novo capítulo é o seguinte : só há uma ordem, a ordem desenhada pelo império e seus acólitos; quem a ela não se submeter sofrerá as consequências.
O segundo é a maquiavélica manipulação à escala planetária para fazer crer que a comunidade internacional se identifica na NATO, armando-se esta em porta voz de quase duas centenas de Estados cujos interesses são bem diferentes.

A NATO dirigiu-se à opinião pública mundial como se tivesse mandato da comunidade internacional e dos jugoslavos do Kosovo para, agir em seu nome, o que nunca lhe foi conferido nem por uns, nem por outros.
Em vez da farda militar o seu porta voz apresentou-se como uma estrela televisiva que apresentava notícias brutais de guerra como se estivesse a falar do boletim meteorológico. Os estrategos da NATO cuidaram bem da sua imagem, chegando ao requinte do seu porta voz se apresentar do modo mais informal possível, com pormenores colaterais como o do cabelo mais ou menos despenteado, fazendo passar uma imagem civil de um homem que anunciava todos os dias a mais cruel destruição assente na superioridade tecnológica dos EUA.
Esta manipulação visou também ganhar as consciências das opiniões públicas. Para desencadear esta brutal guerra era necessário diabolizar o regime sérvio, o qual era responsável por uma terrível campanha de limpeza étnica, a qual só pode ser sentida por via da força da NATO.

Ora falar de nacionalismo sérvio que existe e é um problema, mas não falar da limpeza sérvia na Croácia e na Bósnia, esquecer o fundamentalismo islâmico imposto na Bósnia a outras crenças, passa por cima da ideologia fascizante do Presidente da Croácia é a mais cínica e perversa manobra ou diversão política para justificar a agressão à Jugoslávia. Não há só anjos, nem só diabos, há interesses diferentes e contraditórios que deviam ser tidos em conta. A diabolização dos sérvios e do seu Presidente foi a forma que a NATO encontrou para se apresentar como defensora dos albaneses jugoslavos do Kosovo. Atente-se no êxodo sérvio do Kosovo para se ver como a NATO joga com dois pesos e duas medidas.
O terceiro elemento é o aviso aos povos e aos cidadãos da verdadeira essência da NATO. Já não se pode alegar que a NATO é uma organização defensiva. Ela é a mais brutal máquina de guerra existente ao serviço dos EUA e principais potências capitalistas para dominar o mundo. De agora em diante por razões estratégicas , a NATO tentará como o fez na Jugoslávia, jogar com todo o seu poderio militar, fora da legalidade internacional, para impor a sua presença ou as suas soluções. Daí a importância de não deixar cair, antes manter vivo e reforçado, o amplo movimento de opinião pública europeia e portuguesa contra a guerra. O próprio Acordo é extremamente frágil e, por isso, em qualquer altura os senhores da guerra podem querer impor de novo a força da sua supremacia militar. Nas circunstâncias actuais Portugal e a Europa precisam mais do que nunca de um poderoso movimento social de paz que se faça ouvir. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1333 - 17.Junho.1999