Chile
Militares assustados


Os militares chilenos estão assustados com as acções da Justiça contra as violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura de Pinochet. Os processos contra oficiais, a reinterpretação do decreto-lei da amnistia e a acusação que recai sobre o ex-ditador são encaradas como ameaças.

Os comandantes-chefes do Exército, da Força Aérea, da Marinha e dos Carabineiros reuniram-se na semana passada para discutir o assunto, tal como os 39 generais de todo o país.
Na mesa está uma proposta do almirante Jorge Arancibia, chefe da Marinha, de criar um organismo composto por um grupo de «homens grandes e homens bons», com o objectivo de alcançar um acordo sobre os presos e os desaparecidos durante o regime. A proposta foi já apresentada à Comissão dos Direitos Humanos do Senado.
«Para qualquer iniciativa que tenha em vista a unidade dos chilenos, o reencontro e a reconciliação, os Carabineiros vão estar disponíveis», afirmou o seu chefe, o general Manuel Ugarte.
O chefe do Exército não partilha esta posição, tendo inclusivamente justificado o golpe de Estado de Setembro de 1973. Para o general Ricardo Izurieta, os responsáveis pela rebelião foram os políticos do Governo eleito de Salvador Allende, que tornaram a situação «ingovernável».
A situação interna agravou-se com a prisão dos responsáveis da editora Planeta devido à publicação do «Livro Negro da Justiça Chilena», no dia 16, acusados de infracção à Lei de Segurança de Estado.
O porta-voz do Governo de Concertação, Jorge Arrate, considerou a detenção uma vergonha. «Se continuarem assim, acabarão processando os leitores. Este é mais um passo para a Inquisição», defendeu Antonio Martínez Poblete, director do Grupo Santillana.
A detenção foi também condenada por um grupo de escritores formado por Jorge Edwards, Carlos Frans, Arturo Fontaine e Gonzalo Contreras.
Entretanto, na sexta-feira, o juiz espanhol Baltasar Garzón acrescentou 36 novos casos de torturas, genocídio e terrorismo no processo contra Augusto Pinochet, divulgando um relato pormenorizado de factos que relacionam o antigo ditador chileno com a violação dos direitos humanos.

Indústria de desaparecimentos

Volta a provar-se que o desaparecimento dos presos políticos durante a ditadura de Pinochet não era fruto de excessos de elementos da polícia ou do exército, mas sim uma prática sistemática e programada pelas autoridades.
Um estudo sobre os presos desaparecidos entre 1974 e 1977, realizado com base em declarações de 45 ex-agentes da extinta Direcção Nacional de Inteligência (DINA), entrevistas pessoais e informações de diversos relatórios, revela que se tratava de uma verdadeira «indústria de desaparecimentos e mortes».
«Esta é uma contribuição muito importante para conhecer o funcionamento do processo de desaparecimento de pessoas no Chile. A investigação demonstra que o extermínio dos mais de mil detidos políticos desaparecidos foi um processo deliberado e estruturado de acordo com o que se denomina os princípios de organização científica do trabalho», afirmou em conferência de imprensa, na sexta-feira, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Deputados, Carlos Ominami, citado pelo jornal espanhol El País na sua edição de sábado.
Erika Hennigs, viúva de um desaparecido e investigadora da Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, explica que o primeiro passo dado por esta «indústria planificada» consistia na compilação de dados sobre os opositores ao regime. De seguida prosseguia-se à sua detenção, interrogatório e tortura e terminava com a elaboração de um relatório que determinava o destino do preso.
Dar um «destino não conhecido» significava a morte. «O código Puerto Montt queria dizer que se devia esconder os cadáveres, enterrando-os. O código Moneda aludia a que o ocultamento se procedia na água (mar ou rio)», explicou Erika Hennigs. Nestes casos, para garantir que os corpos não apareciam a flutuar à superfície colocava-se um peso nos pescoços dos detidos.
Dados oficiais indicam que, entre 1973 e 1990, 3197 pessoas morreram vítimas de violência do Estado, dos quais 1185 eram presos políticos desaparecidos. Apenas se encontraram os restos mortais de uma centena.

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Governo demite-se

O Governo chileno demitiu-se na segunda-feira, na sequência do anúncio feito pelo Presidente Eduardo Frei da implantação de um pacote de medidas contra o desemprego.
O ministro do Interior, Raúl Troncoso, afirmou que Frei «está a pensar fazer algumas modificações no Gabinete», sem adiantar quantas nem em que ministérios.
A taxa de desemprego no Chile atinge os 8,7 por cento (meio milhão de pessoas), o que revela um aumento de 140 mil desempregados no último ano.


«Avante!» Nº 1334 - 24.Junho.1999