Há ânimo para continuar
Jerónimo
de Sousa
Membro da Comissão Política do CC do PCP
Particularmente em tempo eleitoral, quando nos canais televisivos, em algumas estações de rádio e nos jornais «fazedores de opinião», o Partido, as suas iniciativas e propostas são silenciadas e distorcidas; quando uma legião de comentadores e analistas (registem-se as excepções) puxam da caneta ou da língua como quem puxa de faca afiada para antever ou proclamar a morte anunciada ou o declínio irreversível do PCP (há quantos anos andam os homens nisto), apetece-nos reagir emocionalmente a tanta aldrabice e manipulação.
Depois, serenamente
e em legítima defesa, lá respondemos e protestamos ainda que
saibamos que os tais comentadores e analistas reagem ao debate
das ideias e dos factos como o macaco sábio que não ouve, não
fala, não vê ou como diz o nosso povo, «enrolam o rabinho»,
salvo seja.
Vem isto a propósito da campanha das eleições para o
Parlamento Europeu. Na TSF, um dos analistas da moda,
daqueles que vai a todas, quando 1700 sindicalistas e membros de
comissões de trabalhadores subscreveram o seu apoio à CDU, dava
como exemplo máximo da desgraça o apoio da CGTP à CDU. Assim,
sem mais nem menos, a SIC tinha dado o mote e o Público
deu-lhe continuidade.
Esta tirada magnânima, que mais do que ignorância revelava
má-fé, quis condicionar o direito de 1700 cidadãos eleitores,
sindicalistas e membros de comissões de trabalhadores a optarem
livremente pelo apoio à força política que mais se identificou
com a sua generosa e empenhada luta na defesa dos interesses e
direitos dos trabalhadores.
Sabia o titulado analista que a CGTP, as Federações e Uniões
sindicais, os Sindicatos e as Comissões de Trabalhadores como
estruturas não fizeram tal coisa. Mas muitos dos seus membros
sentiram-se não só no seu direito, mas no seu dever de
manifestar o seu apoio àqueles que no Parlamento Europeu, tal
como na Assembleia da República e no tempo todo que medeia entre
as campanhas eleitorais, se bateram contra o pacote laboral,
deram combate à discricionária interpretação das pausas no
horário de trabalho, foram pioneiros na apresentação do
projecto das 40 horas, defenderam o interesse nacional dos
trabalhadores em relação aos têxteis, aos caminhos de ferro,
à ex-Renault, à Siderurgia Nacional, foram a única voz
solidária com a luta dos pescadores na Assembleia da República,
e com tantas outras lutas que se deram.
Doeu ao homem, isto! Como doeu ao canal de Balsemão ou ao jornal
de Belmiro, como incomodou o Governo PS.
E embora em tempos e em situações diferentes, inquietou-me um
regresso de memória quando, antes de Abril, numa assembleia de
metalúrgicos na Voz do Operário, vigiada e pressionada
por centenas de polícias, manifestando os delegados o seu
descontentamento pelo papel do governo de Marcelo Caetano nas
negociações do contrato, o Comissário ter avisado: Falem mal
dos patrões mas não falem mal do governo!
O analista sabe que é na empresa, na acção e denúncia das
estruturas de classe que se demonstra a estreita ligação entre
os problemas dos trabalhadores e a política, que ressalta a
coincidência estratégica entre os interesses do patrão e os do
Governo PS e dos partidos da direita, que aí se despertam
consciências, se libertam energias de luta e de combate
propiciadores de uma nova consciência política e eleitoral.
E para o capital e a ideologia dominante não há coisa mais
perigosa e maldita que a política feita na empresa, saber quem
são os autores das leis laborais injustas e quem vai beneficiar
com elas, exigindo por isso que os trabalhadores se «dispam» à
porta da fábrica ou dos serviços para ficarem reduzidos ao
papel de simples factor de produção, de capital «humano». O
capital e os seus arautos têm a ideia precisa de que tal limite
conduzirá à função redutora da actividade política dos
cidadãos empurrados para o papel de espectadores de campanhas
eleitorais e de meros votantes, decisivamente influenciados por
aquilo que se vê, ouve ou parece que se vê nos grandes meios de
comunicação social. Acabadas as eleições, quem receberá os
ministros, os secretários de Estado, os deputados, serão os
detentores da empresa, para fazerem a sua política.
A história tenderá a repetir-se face à proximidade das
eleições legislativas. Ressurgirá a política espectáculo e o
facto político ampliado na comunicação social. O Governo
inaugurará pela 5.ª vez o que foi inaugurado, o Manuel Alegre
fará um discurso à esquerda em Coimbra e o António Vitorino,
em Lisboa, fará o discurso à direita; às eleições europeias
quase reduzidas artificialmente à eleição de Soares para
Presidente do Parlamento Europeu, suceder-se-ão as legislativas
para a eleição de um 1.º Ministro, com a desvalorização da
eleição dos outros 229 deputados. Se necessário, agitar-se-á
o papão da vitória do Barroso e mão amiga não há-de faltar a
Paulo Portas. Para o PCP e a CDU, desenterrar-se-ão as sondagens
minimalistas do «declínio irreversível», caldeadas com alguma
intriga do costume.
Mas existem dois problemas.
O primeiro é que, apesar dos artifícios e encenações, da
realidade virtual, os trabalhadores e outros sectores da
sociedade portuguesa continuam a ser confrontados na sua vida
quotidiana com dificuldades, problemas e inseguranças
resultantes de uma política injusta ao serviço da fortuna e do
privilégio; que apesar das tristes rectificações de uns poucos
e do desencanto de outros, haverá sempre muitos que lutarão
pelas suas aspirações e interesses, como ficou e está a ser
demonstrado neste último ano de legislatura.
O segundo é que o PCP e a CDU, num quadro cheio de complexidades
e dificuldades, alcançou um resultado eleitoral capaz de
impulsionar votos e vontades para a batalha das legislativas,
impedir que o PS alcance a maioria e o poder absolutos e abrir
caminho que possibilite uma viragem à esquerda na política
nacional.
E nós sabemos que milhares de portuguesas e portugueses que,
numa tomada de consciência social, lutaram ao lado e com o PCP,
se confrontarão ainda com preconceitos e hesitações na sua
opção de voto; que estiveram ali durante 52 semanas na luta
pelas 40 horas; ali durante mais de 70 dias na greve da pesca do
arrasto; ali na luta da Petrogal, dos ferroviários, da
Administração Pública, da Cabos DÁvila; que ao lado dos
comunistas alcançaram vitórias das listas unitárias na
Auto-Europa, na Banca, na Phillips de Aveiro; ali na maior
manifestação de rua dos últimos 12 anos contra o pacote
laboral. Mas o trabalhador que luta há-de, mais cedo que tarde,
aliar as suas razões de luta à razão do voto.
Apresentamo-nos nesta batalha com um sentimento de que é
possível reforçar a influência social, política e eleitoral
do PCP. Esta confiança não advém de nenhuma perspectiva de
facilidades, de favores do capital e da comunicação social.
Contamos com homens e mulheres concretos, com os militantes, com
aquela lista notável de apoiantes da CDU, que à luz de grandes
valores e causas sociais querem estar com quem trabalha e quem
luta quando, por razões de origem e pela feição do vento,
podiam estar no lado de lá.
Dá-nos ânimo para continuar.