Temos mulheres na Amadora


Um dia, já lá vai algum tempo, num plenário em que estavam presentes cerca de oitenta trabalhadores, homens, uma voz ergueu-se do meio mandando-me «coser meias».

Refiro-o aqui, não porque seja algo que eu nunca tenha feito, que o faço frequentemente, mas porque aquele homem, a quem faltavam argumentos numa discussão com a mulher, sua representante sindical, recorreu ao fácil e baixo argumento das «meias», notoriamente numa derradeira tentativa de subalternizar e rebaixar quem afinal lhe fazia frente, e mais tarde o fez, disso estou certa, engolir tal ordem!
Águas passadas que, no entanto, me voltam frequentemente à memória, tantas vezes quantas assisto à tentativa de se subalternizar e escamotear o papel das mulheres que nesta sociedade desempenham um papel predominante, que a fazem avançar e evoluir, e, paralelamente, continuam remendando os buracos das meias daqueles que, por outro lado, na mesma sociedade desempenham um papel condicionante, retrógrado ou passivo.
No grupo dessas mulheres, daquelas que cosem meias mas lutam, essas que muitas vezes tantos tentam condicionar e rebaixar, estão certamente as que fazem parte da Comissão Sindical do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) da Câmara Municipal da Amadora, 11 num total de 19 membros.
Recentemente, aquando da greve realizada pelos trabalhadores do departamento de higiene e salubridade daquela autarquia, contra a privatização do lixo, que como é do conhecimento público redundou numa importantíssima vitória daqueles trabalhadores, e, na minha opinião, constitui uma rica experiência para o movimento sindical, foi preponderante a acção desenvolvida por essas mulheres, diga-se de passagem em actividade num sector maioritariamente masculino.
Porque a homenagem não poderia deixar de ser feita, porque é cada vez mais importante que se entenda o papel destas «cosedoras de meias», não só na luta pelos interesses e direitos dos trabalhadores mas também na acção transformadora da sociedade – o que acabou aliás por acontecer, na medida em que foi possível inverter um processo que viria, mais tarde ou mais cedo, a prejudicar seriamente a população do concelho da Amadora–, que fique para registo:
– A intensa actividade desenvolvida junto da população do concelho, nomeadamente através da entrega de comunicados, feitura de carros de som e esclarecimento directo;
– A dinâmica mobilizadora e esclarecedora junto dos trabalhadores, quer na realização de plenários quer através do contacto pessoal;
– A entrega militante, e com sacrifício da própria vida pessoal, mesmo quando se tratou de afixar panos ou de travar, corajosamente, as viaturas das empresas privadas que a autarquia contratou para substituir os trabalhadores em greve.
Sem horários e sem limites para o esforço desenvolvido, não tenho a mínima das dúvidas que a essas 11 mulheres muito devem os trabalhadores, sindicato e população da Amadora!...
Algumas meias, porventura, terão ficado por remendar...
Que interessa isso?... Quando a troca é a luta pela transformação desta sociedade!...
E a troca vale certamente a pena, pois a Amadora tem mulheres! — Fernanda Campos


«Avante!» Nº 1334 - 24.Junho.1999