Na república das bananas...



A propósito do assunto escolhido para o escrito desta semana, não resisto à tentação de vos contar uma história que se diz fazer parte das crónicas de anedotário dos primeiros e heróicos tempos da televisão em Portugal.

Parece que, um dia, os responsáveis da programação desportiva da RTP decidiram fazer uma transmissão de ténis - desporto que, pela primeira vez, era objecto da atenção das nossas câmaras. Não havendo ainda uma prática estabelecida quanto ao posicionamento das mesmas, tentou-se mais uma vez ser «original» em vez de estar atento ao que era feito pelas televisões estrangeiras. E, então, uma das câmaras principais terá sido colocada num eixo perpendicular em relação ao court, numa posição obliquamente meio descaída para um dos lados, pelo que, sem objectiva que permitisse recuo suficiente para abarcar todo o terreno de jogo, pelo menos durante cinco ou dez minutos se assistiu a uma série de panorâmicas da esquerda para a direita e em sentido contrário, na tentativa de seguir a bola que era tocada pelos dois jogadores de cada lado da rede...
Ora, ao que se diz, dezenas de telefonemas começaram a chover na RTP por parte de espectadores completamente enjoados, protestando pelo facto de lhes ter sido impossível deixar de macular as suas alcatifas com o resultado desagradável de inesperados vómitos – e consta que esta famosa transmissão de ténis terá sido interrompida ao fim de pouco tempo!
É uma realidade indesmentível que, hoje em dia, descontadas embora as notórias diferenças em termos de utilização (em quantidade) de material técnico, as nossas televisões já podem ombrear com o que se faz lá fora nesta matéria, sendo notórios os exemplos da SIC, por exemplo em matéria de ciclismo, da TVI, quanto ao futebol (como se viu há dias com a excelente transmissão da final da Taça de Portugal) ou mesmo em relação a outras modalidades como o voleibol, o andebol ou o basquetebol, como se tem visto na RTP nos últimos tempos.
Pelo contrário, o atletismo, essa importante modalidade desportiva que tantas glórias tem trazido ao nosso país, é frequentemente tratado como parente pobre pelo nosso serviço público de televisão, raramente os comentadores da especialidade se deslocando ao estrangeiro (ao contrário dos de outras modalidades), chegando mesmo a ser completamente ignoradas transmissões que interessariam aos adeptos do atletismo entre nós. Alguém se recorda, por exemplo, de ter visto em tempo útil ou em espaço de emissão adequado uma imagem sequer ou ouvido referência noticiosa de especial destaque à claríssima conquista pelas equipas feminina e masculina portuguesas da II Liga da Taça da Europa de Atletismo (em Telavive), que teve como consequência imediata o esperado regresso do nosso país à I Liga da modalidade? Foi lá a RTP fazer o que lhe competia?
Não admira, assim, que a transmissão directa (viva o luxo!) realizada pela RTP 2 no passado sábado do habitual e já famoso Meeting de Atletismo de S. António, a partir do Estádio Universitário em Lisboa, tenha sido um ridículo (quando não penoso) momento de televisão, recordando maus exemplos de épocas antigas e titubeantes nesta área.
Como pode admitir-se, por exemplo, que no lançamento do disco feminino a câmara rodasse no sentido inverso ao desejável, escondendo as atletas atrás da rede de protecção no preciso momento em que elas lançavam o engenho? E porque é que a câmara que dava a seguir o plano geral estava numa tal posição e inclinação face ao terreno, que ninguém poderia ter uma ideia do alcance desse lançamento?
Como é possível que, no acto de bater o recorde nacional do peso, o atleta Fernando Alves tenha sido ignorado pelas câmaras e que a imagem correspondente só tenha sido transmitida em repetição gravada e, mesmo assim, apenas no momento em que ele faz a rotação do corpo, ignorando-se a que distância foi parar o peso, pela ausência de qualquer plano correspondente? E que dizer da tentativa que deu a Carlos Calado o primeiro lugar no salto em comprimento (a dois centímetros do recorde nacional) que nem sequer em repetição foi visto?
Como não rir de nervoso ao verificar que, muitos dos quadros com a indicação dos atletas para tal ou tal corrida e a sua distribuição pelas pistas, só tenham sido mostrados «a tempo» por se terem verificado... falsas partidas?
Como não considerar escandaloso que, nos dias de hoje, em vésperas da passagem de milénio, os mostradores dos resultados dos saltos em comprimento ou em altura ainda não sejam electrónicos (com indicação de resultados quase imediata) e continuem a ser accionados à mão, centímetro a centímetro, metro a metro?; ou que, nas provas de velocidade, meio-fundo ou fundo, nenhuma cronometragem electrónica, total ou parcial, seja mostrada no estádio ou televisivamente sobreposta às imagens das corridas?
Como não estranhar, por último, que algumas provas mais importantes da jornada não tenham sido mostradas pela RTP pelo simples facto de a organização do Meeting ter feito atrasar de forma escandalosa, em muito mais de uma hora, o começo dessas provas?!!!
Bem pode o Primeiro-Ministro vir dizer que Portugal não é uma república das bananas. Por este simples exemplo, não deixa de parecer o contrário... — Francisco Costa


«Avante!» Nº 1334 - 24.Junho.1999