Combate à droga com saldo positivo
Por António Filipe
Nunca se legislou tanto, nunca se debateu tanto, nunca se reflectiu tanto, em quantidade e em qualidade, sobre as políticas e as estratégias a seguir no combate à droga e à toxicodependência, como nos últimos quatro anos. A Comissão Parlamentar da Toxicodependência termina o seu trabalho com saldo positivo.
Ao longo das quatro
sessões da legislatura que agora terminou, a Comissão
Parlamentar da Toxicodependência [constituída pela primeira vez
em Portugal e por deliberação unânime da Assembleia, tomada em
17 de Novembro de 1995] acompanhou e debateu de forma permanente
e sistemática a evolução das políticas de luta contra a
droga, no plano nacional e internacional.
A Comissão participou em todos os processos legislativos
relacionados com a área da toxicodependência e do combate à
droga; promoveu um conjunto significativo e relevante de
iniciativas de debate e reflexão sobre estas questões;
percorreu grande parte do país, no contacto directo com
instituições públicas e privadas; e elaborou, sob a
responsabilidade directa deputado José Niza, um Relatório sobre
a situação e avaliação do problema da droga em Portugal,
aprovado por unanimidade após uma exaustiva discussão.
Pelas reuniões da Comissão passaram, para além dos membros do
Governo com responsabilidades directas em matéria de luta contra
a droga, os Altos Comissários para o Projecto VIDA que exerceram
funções nos últimos quatro anos, os responsáveis pela
administração e pela direcção clínica do Serviço de
Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, o director do
Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga que
deu recentemente lugar ao Instituto Português da Droga e da
Toxicodependência, directores ou representantes do Grupo de
Planeamento do Combate à Droga, da Polícia Judiciária, da GNR,
da PSP, da Direcção Geral das Alfândegas, do Centro de Estudos
Judiciários, do Instituto de Reinserção Social, do Programa
"Viva a Escola", da Direcção Geral dos Serviços
Prisionais, da Federação Portuguesa de Instituições Sociais
Afectas à Problemática das Toxicodependências, bem como o
correspondente permanente de Portugal no Grupo Pompidou do
Conselho da Europa e o representante português no Órgão
Internacional de Controlo de Estupefacientes das Nações Unidas,
entre outras entidades.
Em matéria legislativa, a Comissão Parlamentar da
Toxicodependência colaborou com a Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na revisão da
«lei da droga» efectuada no início de 1996 e procedeu à
apreciação na generalidade e na especialidade de iniciativas
legislativas que deram origem a três outras Leis da República:
A Lei n.º 7/97, de 8 de Março, da iniciativa do PCP, que
alargou a rede de serviços públicos para o tratamento e a
reinserção de toxicodependentes; a Lei n.º 17/98, de 21 de
Abril, também da iniciativa do PCP, que regula as condições de
financiamento público de projectos de investimento respeitantes
a equipamentos destinados à prevenção secundária da
toxicodependência; e ainda o texto já aprovado, da iniciativa
do PSD, sobre o acompanhamento médico aos toxicodependentes
reclusos.
É forçoso reconhecer que a produção legislativa da Assembleia
da República em matéria de droga e toxicodependência, nesta
legislatura, não tem comparação com o que se verificou nas que
a precederam. Bastará lembrar que em toda a VI legislatura a
Assembleia se limitou a conceder ao Governo uma Autorização
Legislativa para rever a «lei da droga», tendo sido recusadas
na generalidade todas as demais iniciativas legislativas
apresentadas.
Iniciativas próprias
Dos trabalhos da
Comissão Parlamentar da Toxicodependência, destacam-se
particularmente as suas próprias iniciativas destinadas a
promover o debate e o acompanhamento de determinadas questões.
Assim, foi dada atenção particular ao acompanhamento do
trabalho de preparação da Sessão Especial da Assembleia Geral
das Nações Unidas realizada em Junho do ano passado, e
especialmente dedicada à problemática da droga. Para esse
efeito, foi realizada uma reunião com o embaixador Álvaro
Mendonça e Moura, que representou Portugal na preparação dessa
Sessão Especial, e uma outra, já posterior a essa realização,
com o Director Executivo das Nações Unidas para o Controlo
Internacional de Estupefacientes.
De destacar também a atenção com que a Comissão Parlamentar
seguiu a intervenção que tem vindo a ser realizada no Casal
Ventoso, pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa, com a
audição de membros do Governo, do Presidente da Câmara e mais
recentemente com a realização de uma visita ao próprio local,
contactando com as instituições e com os profissionais que
actuam no terreno.
Foi ainda por iniciativa da Comissão que teve lugar na
Assembleia a apresentação pública em Portugal do 1º
Relatório Anual do Observatório Europeu das Drogas e da
Toxicodependência, e que se realizou um colóquio sobre o
tráfico de droga e o branqueamento de capitais, que reuniu o
contributo de reputados especialistas e dos mais altos
responsáveis pelo combate ao crime em Portugal; é também de
destacar a audição da Comissão Nacional de Estratégia de Luta
Contra a Droga, presidida pelo Professor Alexandre Quintanilha
que debateu, a convite da Comissão, as linhas gerais do
importante Relatório sobre a Estratégia Nacional de Luta Contra
a Droga que elaborou por incumbência governamental.
Uma Comissão de portas abertas
A Comissão da
Toxicodependência foi uma Comissão de portas abertas. Realizou
visitas a centros de atendimento de toxicodependentes e a
comunidades terapêuticas, a estabelecimentos prisionais, a
estruturas regionais do SPTT, a instituições policiais, a
Governos Civis e núcleos do Projecto Vida, do norte ao sul do
país, e assegurou uma representação e uma participação digna
da Assembleia da República em numerosas iniciativas de reflexão
sobre o combate à droga no plano nacional e mesmo a nível
internacional.
O Relatório sobre a Situação e Avaliação do Problema da
Droga em Portugal, que ocupou a Comissão Eventual durante uma
boa parte da legislatura, representa um contributo da Assembleia
em matéria de luta contra a droga, unanimemente reconhecido como
valioso, que tem merecido referências públicas elogiosas da
parte dos mais consagrados especialistas na matéria e tem sido
inclusivamente citado em estudos e documentos de referência
sobre as políticas de luta contra a droga. A publicação desse
Relatório fica como testemunho de um trabalho que abona ao
prestígio deste órgão de soberania.
Esta legislatura foi mais exigente que qualquer outra em matéria
de luta contra a droga. Nunca se legislou tanto, nunca se debateu
tanto, nunca se reflectiu tanto, em quantidade e em qualidade,
sobre as políticas e as estratégias a seguir no combate à
droga e à toxicodependência. Com a dimensão que este fenómeno
atingiu nos últimos anos, aumentou também a consciência social
da gravidade do problema e cresceu a preocupação de lhe fazer
frente de forma mais eficaz.
Um trabalho a continuar
Nos últimos anos,
produziram-se notáveis documentos de reflexão estratégica
sobre o combate à droga, realizaram-se fóruns internacionais da
maior importância, com um grande envolvimento de Portugal, como
a já referida Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações
Unidas dedicada exclusivamente à problemática da droga, ou num
âmbito menos alargado embora também muito importante, a
iniciativa promovida pelo Presidente da República aquando da
realização da cimeira ibero-americana na cidade do Porto.
Tiveram também lugar nestes últimos anos diversas iniciativas
de grande valia, envolvendo numerosos técnicos e especialistas,
nacionais e estrangeiros.
Neste quadro de muita iniciativa e de grande exigência, ninguém
poderá dizer que a Assembleia da República não esteve à
altura das circunstâncias. Não só esteve dignamente
representada em muitos e importantes eventos, como não se
limitou a um papel passivo, tendo promovido as suas próprias
iniciativas e tendo contribuído activamente na reflexão em
curso, dando expressão às diferentes opiniões que naturalmente
se manifestam na sociedade e na própria Assembleia da República
sobre as questões fundamentais da estratégia de luta contra a
droga. É justo dizer que o grande salto que se deu no país na
reflexão sobre esta matéria, não só não passou ao lado da
Assembleia, como se deve, em parte, à sua própria iniciativa.
Sendo evidente e natural que neste debate ressaltem grandes
diferenças de opinião, a verdade é que os deputados de todos
os Grupos Parlamentares que integraram a Comissão Eventual
conseguiram encontrar, para além das divergências,
denominadores comuns de entendimento que levaram não apenas à
aprovação unânime do seu Relatório, como à aprovação de
diversos diplomas legislativos com uma ampla margem de consenso.
Temos a consciência de que, evidentemente, poderíamos ter feito
mais e melhor, e que fica muitíssimo por fazer no futuro
próximo, mas temos também a convicção de que a Comissão
Parlamentar cumpriu com empenho as tarefas de que foi incumbida e
demonstrou que foi justa a decisão da sua criação.
Justifica-se plenamente dar continuidade ao trabalho na próxima
legislatura, através da renovação da decisão de criar uma
Comissão Eventual para a Toxicodependência e o Tráfico de
Droga, permitindo à Assembleia prosseguir caminhos que já foram
abertos e continuar com um trabalho que contribuiu para
prestigiar este órgão de soberania aos olhos dos portugueses
que o elegeram.
(Adaptação da intervenção proferida na AR na qualidade de presidente da Comissão Parlamentar Eventual para o Acompanhamento e Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga)