O candidato


Francisco Pinto Balsemão, longínquo «militante n.º 1» do PPD/PSD e efémero primeiro-ministro no não menos longínquo início da década de 80, chegou ao seu actual lugar de magnata no negócio da comunicação social cá do burgo ao trocar uma árdua e imponderável carreira política por uma frutuosa caminhada de «Murdock à portuguesa».

Todavia, o bichinho da política não esmoreceu em Pinto Balsemão, como o prova a extraordinária confissão feita ao Expresso da semana passada, semanário «independente e de referência» que cometeu a coincidência de o entrevistar no preciso momento em que ele queria proferir as tais declarações, de que falaremos mais adiante.
Anote-se entretanto que, havendo mérito neste desarrincanço de a vontade da publicação em entrevistar o publicável coincidir com a vontade deste em ser entrevistado, tal mérito não deve ser inteiramente imputado ao lendário «faro jornalístico» dos dirigentes do Expresso.
Desta vez - dado ser público e notório o historial de coincidências entre este semanário e Pinto Balsemão, lui même -, avulta no caso a considerável coincidência de o Expresso, também lui même, ser propriedade do sr. Pinto Balsemão. Portanto, adiante.
E disse Francisco Pinto Balsemão, em chamada de primeira página no Expresso: «Se o interesse nacional o justificar e o exigir, serei candidato a Presidente da República».
A oração, ainda por cima condicional, deixou o país a um tempo irrequieto e expectante.
Será que o interesse nacional se vai justificar?
Se não, porquê?
Afinal de contas, o homem já afirmou que está à espera... E como ficou à espera no Expresso, obviamente todo o país também ficou à espera com eles.
E se sim, quando?
Neste ponto, convém advertir o interesse nacional de que só faltam dois anos para as eleições presidenciais, um pouco menos que metade do actual mandato...
Todavia, caso o interesse nacional se justifique perante Pinto Balsemão, ocorrer-lhe-á que também ficou obrigado a lhe exigir uma candidatura?
É verdade que Pinto Balsemão já sossegou o interesse nacional ao adverti-lo antecipadamente que aceitará a incumbência, mas também não deixou de salientar que só a aceitará no caso de ela lhe ser, concomitantemente, «justificada» e «exigida» pelo próprio interesse nacional, o que coloca novas interrogações.
E se o interesse nacional se esquece de uma das condições do candidato a candidato e, por exemplo, «justifica» mas não exige ou «exige» mas não justifica?
Estará, nessa altura e em tal contingência, Pinto Balsemão disponível para rever a sua posição?
O mesmo é perguntar: admitirá Pinto Balsemão candidatar-se perante uma solicitação apenas «justificada», mas não «exigida», ou linearmente «exigida», mas não «justificada»?!...
Trata-se de mais um enigma a que apenas Pinto Balsemão e o interesse nacional poderão fornecer a chave, o que, desgraçadamente, levanta outras incertezas.
Caso se confirme o desastre e o interesse nacional se esqueça de uma das duas condições agora expostas, não será então demasiado tarde para o militante n.º 1 reconhecer que se pôs a exigir demasiado cedo?
Pior: E se o interesse nacional, mesmo lembrando-se que há duas exigências, se esquece que há apenas um prazo? Aí, Balsemão e todos nós arriscamo-nos ao desgosto de ver a sua candidatura a apresentar-se a escrutínio com a eleição já realizada.
Perante tantas indefinições, sugerimos a Francisco Pinto Balsemão uma diligência preventiva e complementar: encarregue o Henrique Mendes, também seu assalariado na SIC, de organizar um «Ponto de Encontro» onde o país assista à pública conciliação entre o próprio Balsemão e o interesse nacional.
Assim, a sua candidatura às presidenciais fica muito mais segura, e nós muito mais descansados. — Henrique Custódio


«Avante!» Nº 1336 - 8.Julho.1999