Festa-comício em Lisboa
Aumentar a votação na CDU é prioridade


No sábado, a Praça Paiva Couceiro recebeu centenas de pessoas, numa festa-comício promovida pela Organização Oriental de Lisboa do PCP. Carlos Carvalhas falou da necessidade de eleger mais deputados da CDU nas próximas eleições legislativas como forma de fazer frente às políticas levadas a cabo pelo Governo.

As sombras das árvores da Praça Paiva Couceiro, em Lisboa, estavam apinhadas. As zonas de sol, desertas. Sábado, centenas de pessoas, na sua maioria reformados, juntaram-se na festa-comício promovida pela Organização Oriental de Lisboa do PCP.
A música do grupo tradicional Odagaita animou todos os que tiveram coragem de enfrentar o calor e se juntaram aos amigos naquela praça alfacinha. Uns optaram pelas febras, outros pela venda de livros. Houve ainda quem não tenha resistido a uma partidinha de cartas.
Quando o espectáculo terminou, as cadeiras começaram-se lentamente a mover como se o jogo fosse agora de xadrez: da sombra para o sol, para estar mais perto do palco, onde o comício estava prestes a ter início. As bandeiras levantaram-se e os ouvidos puseram-se à escuta para ouvir as intervenções.
As primeiras palavras couberam à vereadora do Desporto da CML, Rita Magrinho, e ao presidente da Junta de Freguesia de Marvila, António Augusto Pereira, que sublinhou a importância dos comunistas se empenharem no esclarecimento de todos os eleitores sobre o que é melhor para o país: a política do PS ou a do PCP. Isto, para que .

Na sua intervenção (que a seguir se transcreve no essencial), Carlos Carvalhas afirmou que um dos grandes problemas que o país enfrenta é a abstenção e a ideia de que todos os partidos são iguais. A solução é votar naqueles que trabalham, que defendem os direitos da população e não se cansam de o fazer, defendeu o líder comunista.

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Intervenção de Carlos Carvalhas:
O País não precisa do poder absoluto

Há quem hoje, em «convenção», esteja ou vá celebrar o poder e tentar compor a imagem da humildade, do diálogo e da não arrogância e, como se não tivesse tido durante estes anos uma política virada para os grandes, para a concentração da riqueza, lá dirá que o Governo reconhece que há muito que necessita de ser feito, que há ainda muita gente a viver mal, muitos reformados numa situação aflitiva, etc, etc, e que na próxima legislatura então o Governo fará as grandes reformas e tudo aquilo que não fez nestes últimos quatro anos. A política neoliberal com retórica social para português ouvir vai continuar neste período pré-eleitoral a par das promessas e mais promessas. O que se pretende com toda esta retórica, com toda esta postura farisaica é tão só o poder absoluto, a maioria absoluta, o governar absolutamente sem ter de dar grandes contas dos seus actos.
O PS pode continuar a mistificar a sua política. Uma política que no essencial não dignifica quem trabalha e que tem procurado reduzir os cidadãos ao papel de consumidores da política espectáculo, de observadores de campanhas eleitorais ou a meros votantes.

Combater a abstenção

É da máxima importância que os cidadãos participem e que façam as suas opções políticas tendo em conta não as promessas mas as medidas e as acções em concreto, a vida, o seu posto de trabalho e reforcem aqueles que se bateram e se batem pelo que é mais fraterno, mais humano e mais justo.
Há hoje na sociedade portuguesa largos sectores indignados, frustrados face à política do PS e muitos outros a quem se procura inculcar o fatalismo, a resignação e empurrar para o divórcio da vida cívica e política. Não há nenhum fatalismo na política seguida. Os trabalhadores da têxtil, dos transportes, da função pública, os agricultores e pescadores, os alunos e professores, bem assim como as Forças Armadas, entre outros sectores sociais têm razões e razões fortes para exprimirem o seu descontentamento face a uma política injusta que tem faltado ao prometido e que os tem marginalizado...
Mas é também necessário que cada um compreenda que a resposta à sua justa indignação e às suas aspirações passa também pelo terreno das opções políticas e pelo seu voto.
Há muitos portugueses que há quatro anos depositaram a sua confiança no Partido Socialista e que agora se sentem frustrados.
O pior que podiam fazer era refugiarem-se na abstenção e assimilarem a falsa ideia de que «afinal são todos iguais». Não são. A atitude cívica e política a ter não é cruzar os braços, não é desinteressar-se pela «coisa pública», pelo acto político, mas sim reforçar aqueles que cumprem, aqueles que estiveram e estão ao lado das causas justas, aqueles que se tivessem tido mais força e mais apoios muito mais teriam conseguido de justiça social e de humanização da vida, muito mais teriam conseguido em relação à actividade produtiva, à fiscalidade, às reformas, aos salários, ao emprego, à segurança e à luta contra a toxicodependência.
Há razões de fundo para o mal-estar e para tantas acções de protesto. É certo que houve algum crescimento económico. E que havendo crescimento económico este também vai chegando à sociedade. Mas é uma evidência como o demonstra a distribuição do rendimento Nacional que este se continua a desequilibrar em desfavor dos que vivem dos rendimentos do trabalho, gerando situações de grande injustiça, indignação e revolta.

Portugal, campeão das desigualdades

A última publicação das estatísticas comunitárias - EUROSTAT mostra que Portugal se encontra no primeiro lugar da lista das desigualdades entre os países da União Europeia. Portugal é o país da UE que tem o maior fosso na distribuição do rendimento nacional entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres. Isto é, Portugal é o país entre os quinze da União Europeia que tem maior concentração da riqueza! É o campeão das desigualdades.
Esta é a grande marca deixada nesta legislatura por um Governo dito socialista. E sobre esta questão nunca ouvimos uma palavra do senhor primeiro-ministro que ao longo desta legislatura sempre se caracterizou por se abster de tirar as castanhas do lume e por estar sempre pronto à exibição diante das facilidades.
Mas o mal-estar, a indignação e o protesto não resultam somente da situação da distribuição do rendimento nacional. Há indignação e mal-estar quando mais de um milhão de reformados se mantém com um nível de reformas inferior a 33 contos, e quando o saldo do orçamento da Segurança Social é extremamente elevado.
Há indignação e mal-estar quando os agricultores continuam a ser marginalizados, tendo visto nestes quatro anos o seu rendimento diminuir cerca de 14 por cento e quando vêem que não há escoamento para os seus produtos (batata, fruta...) a preços compensadores.
Há indignação e mal-estar quando se olha também para a situação da saúde e para as listas de espera, com mais de 89 mil pessoas que aguardam há mais de dois anos por uma intervenção cirúrgica. Ou quando se observa o insucesso escolar e a falta de saídas profissionais. Ou quando se vê uma justiça morosa, cara, com casos como o da JAE e da Universidade Moderna a darem a ideia de que se privilegia as camadas sociais com mais poder económico e político em prejuízo dos «pilha-galinhas» e dos mais desprotegidos.
Em relação ao ensino e à saúde é inaceitável que ainda neste mês jovens portugueses tivessem de concorrer a faculdades de medicina espanholas, porque em Portugal e por força do numerus clausus se exige médias superiores a 18 valores para se entrar em medicina, quando ao mesmo tempo são cada vez mais os médicos estrangeiros, incluindo espanhóis que aqui exercem a sua profissão no nosso país.

Comparações

Na demagogia, nas promessas não cumpridas, nos «jobs for the boys» e nas privatizações este Governo não ficou atrás dos Governos do PSD. Em relação às privatizações e como há muito alertámos não se preserva uma capacidade de autonomia mínima no domínio económico sem a detenção de significativas posições públicas no capital de empresas básicas e estratégicas.
O caso Champalimaud com o grupo Santander não vai ser o único. Portugal corre o risco sério de importantes alavancas económicas e financeiras ficarem nas mãos de decisores estrangeiros que depois actuarão em função dos seus interesses e não dos interesses nacionais.
Mas em relação a este caso é inadmissível que o país ainda não saiba em quantos milhões foi beneficiado, como afirmou claramente o senhor secretário de Estado do Tesouro, o cidadão Champalimaud à custa do erário público, tal como é também «estranho» que da parte do senhor Procurador Geral da República ainda não se tenha ouvido uma palavra.
Quando o Governo diz que houve um «tratamento de favor» e depois «quebra de confiança» com Champalimaud em relação a um suposto código de conduta que só a familiaridade e a cumplicidade deste Governo com o grande capital poderia acalentar, a opinião pública tem o direito de saber o que se passa, o que se fez e o que se faz com o património público e com o dinheiro dos impostos que no essencial são pagos por quem trabalha!
E é preciso que fique claro, para que cada um assuma as suas responsabilidades, que no quadro da União Europeia, do euro e da livre circulação de capitais, a única forma de se garantir que empresas básicas e estratégicas se mantenham nacionais e integradas numa estratégia de desenvolvimento nacional é manterem-se públicas, como é o caso da Caixa Geral de Depósitos.

Milhares esbanjados

A abusiva utilização pelo PSD cavaquista do Orçamento, aparelho de Estado e obras públicas, para as suas campanhas eleitorais e que foi justamente criticada pelo PCP e pelo PS, tem vindo a ser decalcada e ampliada pelo actual Governo. É uma vergonha.
É a roda viva das visitas ministeriais; são as ricas brochuras dos governadores civis, onde se exalta a obra feita e onde se inclui com todo o descaramento por exemplo, a obra feita pelas autarquias CDU como se fossem dádivas do Governo; são as promessas de emprego e os subsídios às colectividades; são as obras públicas com fins eleitoralistas sem coordenação ou planeamento...
O primeiro-ministro disse há dias que o que conta não são as obras, são as pessoas. Falaria com mais verdade se dissesse que para o Governo o que conta não são as obras, são os votos.
De facto, em relação às obras públicas o que se tem verificado no nosso país é um escândalo. O Tribunal de Contas levantou esta semana o véu e veio revelar oficialmente os desvios financeiros e as irregularidades praticadas pelo PSD e agora pelo PS, nomeadamente, nos anos de actos eleitorais. E tudo isto pago com o dinheiro dos contribuintes.
Com este Governo chegou-se ao cúmulo de num lado se ter a via e não se ter comboios, como acontece na Ponte 25 de Abril e noutro, como acontece na linha do Norte, ter-se os comboios pendulares, que custaram milhões de contos e não se ter a via! É o cúmulo.
O País gastou dezenas de milhões de contos com a aquisição de comboios pendulares muito mais rápidos, mas o tempo de viagem entre Lisboa e Porto continua a ser o mesmo porque o Governo se «esqueceu» de um pequeno pormenor, isto é, de investir no essencial: na renovação da via férrea.
São dezenas de milhões de contos gastos com utilidade praticamente nula. São dezenas de milhões de contos que poderiam ter tido utilidade social e que foram pura e simplesmente esbanjados. E mais uma vez a culpa parece que morre solteira, com todos os Pilatos a lavarem as mãos bem e depressa.
Mas não é só neste caso. Há por este país fora dezenas de obras nomeadamente, em lugares de circulação turística que já deviam ter terminado, algumas das quais criando graves situações de insegurança para os automobilistas como é o caso das obras na estrada para o Algarve, na zona de Ourique - Santana da Serra, uma autêntica ratoeira com insuficiente sinalização, nomeadamente, durante a noite.
E no entanto é bom lembrá-lo, o Governo prometeu que em 1999 a auto-estrada para o Algarve estaria concluída, e que no ano 2000 estariam concluídos todos os itinerários principais. É o que se vê.
Por um lado o Governo com toda a pompa e circunstância anuncia as tolerâncias zero», por outro, cria situações em que a segurança é nula ... É caso para dizer: viva a demagogia e o eleitoralismo.

Pelo fim do clientelismo

(...) O País não precisa do poder absoluto, nem de mais arrogância, ou de hipocrisia dialogante, precisa sim de uma política mais justa, mais séria, que vá ao encontro dos problemas e das aspirações dos portugueses e das portuguesas.
O País necessita de corrigir com urgência a repartição do rendimento nacional e de melhorar o nível de vida dos trabalhadores e do povo. O País necessita de valorizar a sua juventude, com actos sérios e responsáveis e não com demagogia. O País pode e deve aumentar os reformados, nomeadamente os que se encontram com pensões mais degradadas.
O PCP bateu-se por um aumento extraordinário o que foi conseguido. Mas este aumento não foi generalizado, atingiu apenas um número reduzido de reformados. Não desistiremos da luta!
O país precisa também com urgência de uma reforma fiscal, base fundamental para as outras grandes reformas no sentido do progresso, como sejam a da saúde, da segurança social e do ensino.
O País o que não precisa é de mais clientelismo e nepotismo. Precisa sim duma viragem à esquerda, o que passa necessariamente pelo reforço do PCP e da CDU.


«Avante!» Nº 1336 - 8.Julho.1999