Está grávida? Está para casar?
CGTP-IN denuncia discriminações e ilegalidades


Um ano após o referendo sobre a despenalização do aborto, a Plataforma Direito de Optar organizou um fórum de balanço, realizado em fins de Junho, no ISCTE, em Lisboa. Uma iniciativa de que o «Avante!» oportunamente deu notícia.
De entre os múltiplos temas tratados em diversas comunicações, aqui reproduzimos a
intervenção de Irene Santos Silva sobre Discriminações por motivo de gravidez com base em estudos realizados pela CGTP-IN.


Há cerca de um ano, ao fazermos, na CGTP, a avaliação do processo encetado com vista à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, já no rescaldo do Referendo, afirmávamos: «Perdeu-se uma oportunidade inestimável para inverter o caminho, muitas vezes sem regresso, do recurso ao aborto clandestino. Em consequência, milhares e milhares de mulheres e adolescentes, sobretudo as pertencentes às camadas mais desfavorecidas, vão continuar a recorrer à interrupção de uma gravidez não desejada ou desaconselhável, em condições de insegurança, desumanidade e com estigma da criminalização.»
O sentimento geral era de frustração, de perda de uma oportunidade ímpar.
No ar, persistiam ecos da campanha suja, hipócrita e manipuladora de alguns sectores da sociedade portuguesa, apostados na perpetuação do obscurantismo em nome de um falso direito à vida.
Tivemos, porém, a lucidez necessária para limpas as feridas, olharmos em frente com a convicção, alicerçada na triste realidade, de que a vida voltaria uma vez mais a dar-nos razão - o drama do aborto clandestino iria continuar para muitas portuguesas.


As medidas propostas

Demarcando-nos da hipocrisia dos que, oportunisticamente (contando com a nossa, por vezes fluida memória colectiva), clamavam pela aplicação da lei relativa ao Planeamento Familiar; reafirmando a nossa funda convicção de que, mais cedo que tarde, a vida e a realidade incontornável acabariam por determinar a alteração da lei em vigor sobre IVG; reclamámos a adopção de medidas, das quais destaco apenas duas:
– cumprimento da lei da maternidade/paternidade, respeitando e acatando o comando constitucional que as institui como valores sociais eminentes;
– a criação de condições para a realização de uma maternidade e de uma paternidade desejadas e responsáveis, o que passaria pela adopção de políticas potenciadoras de segurança e da estabilidade no emprego, respeitadoras dos direitos e promotoras da melhoria das condições de vida dos homens e mulheres que trabalham, bem como das camadas mais desfavorecidas.
Então, como agora, estávamos conscientes de que o drama do aborto clandestino afecta milhares e milhares de trabalhadoras, tantas vezes vítimas de tratamentos discriminatórios no local de trabalho, simplesmente porque não abdicam do direito de serem mães ou de o poderem vir a ser.


Discriminações
por motivo de gravidez

Há algum tempo, procurando avaliar o estado do cumprimento dos direitos, em particular dos associados à maternidade e à paternidade, desencadeámos um inquérito que abrangeu 13 sectores de actividade e 12 distritos.
No que respeita às profissões abrangidas, 46% pertenciam ao grupo das operárias, operadoras de máquinas e trabalhadoras não qualificadas; 31% ao das administrativas, pessoal dos serviços e de vendas e 17% eram especialistas, técnicas e profissionais intermédias, sendo de cerca de 37 anos a idade média das inquiridas; 28,7% das quais tinham pelo menos o 12.º ano. 73% das inquiridas eram casadas; 78% eram mães.

Quanto à efectivação dos direitos, foi possível apurar:
• licença de maternidade - a maioria exerceu o direito, embora 9,3% não o tenham feito alegando, entre outros motivos, o vínculo precário do seu contrato de trabalho;
• dispensa para consultas pré-natais e de preparação para o parto - 28% exerceram o direito com limitações (diga-se, com violação da lei por parte do patronato - injustificação das faltas, não pagamento do tempo de consulta, descontos nos prémios de assiduidade e produção). Mas, 25%, alegando obstáculos colocados pela entidade patronal, receio pelas consequências no emprego ou mesmo por ausência de necessidade objectiva, não exerceram aquele direito;
• dispensa para amamentação ou aleitação - 24% não exerceu o direito ou exerceu-o com limitações (só uma hora, desconto nos prémios de assiduidade e produção). Uma vez mais são relevados os obstáculos por parte da empresa, mas também a dificuldade de conciliar horários e mesmo o desconhecimento do direito.

Se quisermos reter os dados relativos ao direito de assistência ao agregado familiar e à licença especial para assistência a filhos, sabendo que estes são direitos que tanto podem ser exercidos por mulheres como por homens, embora, na prática, sejam quase exclusivamente as mulheres a exercê-los, refira-se que: 19% não exerceu o direito de assistência ao agregado familiar ou fê-lo com limitações (perda de prémios, exigência de múltiplas justificações, mudança, para pior, de funções, etc.); 60% não exerceu o direito a licença para assistência a filhos. Mesmo tendo presente que muitas daquelas mulheres poderão não ter tido necessidade de exercer o direito, nos casos em que apresentaram justificações para tal facto, algumas alegaram falta de conhecimento do direito, ressaltando o não pagamento do tempo da licença como um dos obstáculos.


Balanço negativo

Mais recentemente (em Maio passado), realizámos dois seminários (em Lisboa e no Porto), procurando avaliar o funcionamento dos contenciosos e pré-contenciosos sindicais em matéria de Igualdade, tendo concluído que:
– se mantém a obstrução ao exercício de direitos associados à maternidade, em particular da dispensa para amamentação;
– são apenas as mulheres a usarem os direitos de: assistência a menores, assistência a outros membros do agregado familiar, assistência a menores deficientes ou doentes crónicos;
– todos os sindicatos presentes referiram que a assistência à família induzia discriminações, sendo as mais frequentes nos prémios, na permanência em situação de precariedade e nos salários;
– a presença de creches ou outras estruturas de apoio à família foi identificada em apenas três empresas dos sectores abrangidos.
Se quiséssemos ir mais longe, poderíamos referir a natureza das queixas chegadas à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, ou mesmo as discriminações detectadas no acesso ao emprego ou/na carreira.
Quem não ouviu já falar nos questionários escritos ou orais a que são sujeitas tantas jovens em entrevistas de recrutamento?
Está grávida, pensa vir a estar, namora, está para casar? - são questões por força das quais algumas empresas foram já legalmente punidas.
Lembre-se o caso do LIDL (supermercado de uma cadeia alemã), não há muitos meses multado em 3000 contos por motivos desta natureza.
E que dizer daquelas situações em que as trabalhadoras são despedidas antes da cessação dos seus contratos de trabalho porque engravidaram, ou das que, se chegam ao termo do contrato, não o vêem renovado?
A verdade é que não há memória de que algum contrato alguma vez tenha sido renovado em caso de gravidez.
Se, para além da legislação nacional protectora da maternidade, tivermos em linha de conta a própria Directiva Europeia relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e de saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, constatamos que, mesmo em algumas instituições da Administração Pública, não é feita a avaliação de riscos no local de trabalho nem da actividade laboral das trabalhadoras nessas situações.
Que o diga aquela jovem mãe da Santa Casa da Misericórdia que, por tal facto, ao fim do 3.º aborto espontâneo, se vê, por razões de saúde, impedida de voltar a engravidar.
Não falei dos elevados ritmos de trabalho, da desregulamentação dos horários a impedirem a conciliação entre vida profissional e familiar, da insuficiência de infra-estruturas sociais de apoio à família (rubrica em que Portugal se situa na cauda da Europa). Não falei de trabalho a tempo parcial com direitos e salários parciais, a determinarem a dependência económica das mulheres.
Mas, aqui chegados, ter-se-á deixado de colocar uma ou outra interrogação sobre a justeza desta minha comunicação num tempo e num momento em que se procura fazer o balanço da situação do aborto clandestino, um ano depois do Referendo.


É a Lei e a Constituição
que estão em causa

«A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes» - Constituição da República, art. º 68.º, n.º 2;

«São garantidas aos pais e às mães, em condições de igualdade, a realização profissional e a participação na vida cívica do País»; - lei n.º 4/84, de 5 de Abril, art.º 2.º, n.º 1.

Pois é justamente isto que está em causa, quando se despede; se impede o exercício de direitos, o acesso e o sucesso no emprego; ou quando se trata de forma desigual; se penaliza os salários ou se desregulamenta os horários.
É tudo isto que, a par, muitas vezes, de outros factores, leva a que uma mulher trabalhadora se veja confrontada com a decisão, dramática, do aborto clandestino. Porque o poder instituído criou condições para que assim continue a ser.
Mas, tal como afirmei no início, relembrando as nossas palavras de há um ano: «mais cedo que tarde, a vida e a realidade incontornável acabarão por determinar a alteração da Lei em vigor sobre lVG, abrindo caminho à erradicação do aborto clandestino».

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Maternidade/paternidade
Violações da Lei

Será legítimo ou não a uma entidade empregadora exigir que uma mãe que amamenta o filho apresente documento idóneo – declaração médica – que ateste determinada periodicidade para o acto de amamentação?
Constituirá ou não abuso de direito a exigência de duas dispensas com um intervalo de 2.30 horas?
O direito aos dois períodos é absoluto, isto é, terá que ser reconhecido, independentemente da duração do trabalho (situações de trabalho a tempo parcial)?

A CITE recebeu um ofício e vários documentos do SNTCT, em que este esclarece que «tentou sensibilizar a opinião pública, fazendo a denúncia sobre o critério da divisão de lucros da empresa CTT, SA que penalizou todas as trabalhadoras que usaram as faltas justificadas previstas no acordo de empresa».

A CITE recebeu da Presidente da Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CRITE) um ofício em que aquela pretendia informação sobre o período de licença de maternidade aplicável por falecimento de nados-vivos no decurso da referida licença e por nados-mortos.

Na Nota de Culpa, a empresa… imputa à trabalhadora arguida uma série de comportamentos que «face à sua gravidade e às suas consequências, impedem imediata e praticamente, a possibilidade da subsistência da relação de trabalho… que não subsumíveis na revisão normativa do conceito de justa causa de despedimento, nomeadamente nas alíneas a), b), c), d), e) e i) do n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

À REGUS BUSINESS CENTRE solicitou à CITE, a 26 de Agosto de 1998, emissão de parecer prévio ao despedimento da trabalhadora puérpera naquela entidade, Maria Eduarda da Silva Nobre, com contrato a termo certo, nos termos e para os efeitos mencionados em epígrafe, enviando cópia dos autos de processo disciplinar instaurado à arguida.

A CITE entende que o despedimento não se pode considerar como não discriminatório em função do sexo, por motivo de maternidade, nos termos do disposto no artigo 3 n.º 1 do DL n.º 392/79, de 20 de Setembro, pelo que o parecer da Comissão não é favorável ao despedimento da trabalhadora grávida Mónica Lopes.

O acréscimo de 30 dias ao período da licença de maternidade, pelo nascimento de cada filho gémeo para além do primeiro. Consagrado no artigo 9.º n.º 2 da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 18/98, de 28 de Abril, aplica-se desde 28 de Maio de 1998. A sua não aplicação configura-se como uma discriminação em função do sexo, nos termos do artigo 3.º n.º 1 do DL n.º 392/97, de 20 de Setembro.

(A trabalhadora avisou a entidade empregadora que precisava de se ausentar durante a manhã do dia 16 de Março.) Ligeiros comportamentos desajustados. A CITE é de parecer que a intenção de despedimento manifestada pela entidade empregadora apresenta indícios suficientes para se considerar que ocorreu por causa da gravidez da trabalhadora, o que constitui discriminação em função do sexo, por motivo de maternidade e viola o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 392/79, de 20 de Setembro.

As razões tecnológicas e estruturais alegadas pela CABOVISÃO para justificar a extinção do posto de trabalho da sua directora de recursos humanos e consequente cessão do seu contrato de trabalho, além de não terem sido explicitadas nem demonstradas pelo director-geral da empresa, não se enquadram nos conceitos legais aplicáveis, previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 26 do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Parece ainda configurar-se uma discriminação em função do sexo, por motivo de maternidade.

A insuficiente indicação dos critérios para a selecção dos trabalhadores a despedir, constante do processo de despedimento colectivo promovido pela CRS, não permite concluir que a inclusão da trabalhadora naquela selecção resulte de critérios objectivos não relacionados com a gravidez.

Se a entidade recrutadora questionar as mulheres que se candidatam a determinado posto de trabalho sobre se estão grávidas ou se estão a pensar engravidar num prazo determinado, ou se tencionam exercer os direitos que a lei reconhece para protecção da maternidade, para além de outras eventuais violações de normas aplicáveis, pratica discriminação entre homens e mulheres no acesso ao emprego, esta prática é proibida pela Constituição.

Imposições da parte da empresa no qual respeita ao acesso às instalações sanitárias e consequentes problemas de saúde que desse facto lhe poderiam advir bem como ao seu filho/a pela retenção urinária prolongada.

A entidade empregadora não efectuou o pagamento dos dias em que a trabalhadora se ausentou do serviço por motivo de consultas pré-natais e consequentes análises clínicas.

A empresa após ter tido conhecimento da gravidez alterou de forma inadequada e injustificada a localização do seu posto de trabalho, impedindo-a de exercer normalmente as funções para as quais fora contratada.

As dispensas por motivo de aleitação devem ser pagas.

A entidade empregadora alega a violação do dever de assiduidade por parte da trabalhadora, uma vez que excede 10 faltas interpoladas num ano, não justificadas e 2 dias e meio de faltas não justificadas (entre outras ausências da trabalhadora) não constituem causa legal de despedimento.


«Avante!» Nº 1338 - 22.Julho.1999