A crise no Ulster aprofundou-se
Protestantes sabotaram
a democracia


Como se esperava, os planos de emergência divisados por Tony Blair para, numa «jogada» final, conseguir pôr em andamento uma nova era política na Irlanda do Norte falharam. Todo o universo político britânico reconheceu que o primeiro-ministro foi severamente derrotado e a Irlanda, assim, depois de 15 meses de esperança que deram lugar, gradualmente, a muitas dúvidas, mergulhou no desconhecido.
Blair, quando o processo resultante do Acordo de Sexta-feira Santa entrou em movimento, poderia ter liderado, sem problemas, a constituição do governo que receberia os poderes devolvidos por Westminster. Mas, ao deixar-se embalar no sonho dos grandes triunfos pessoais, perdeu tempo e permitiu que os protestantes voltassem a sabotar aquilo que parecia um difícil mas possível caminho para a democracia e para o progresso.

As exigências dos protestantes e do seu principal partido, o UUP(United Ulster Party) dirigido pelo «First Minister» David Trimble, colheram Blair distraído na busca de outras glórias no Kosovo, Trimble, manifestamente, deixou de poder negociar a não ser nas condições impostas pelo executivo do seu partido. Os 110 membros deste órgão partidário não permitiam que Trimble aceitasse a formação do governo do Ulster, incluindo membros do partido republicano, católico, nacionalista, Sinn Fein, sem que o IRA declarasse firmemente um programa de desarmamento convincente – numa palavra: a sua rendição, coisa que nunca aconteceu durante a guerra. Nesta posição de intransigência, os protestantes do UUP foram solidamente apoiados pelos fascistas, também protestantes, da DUP (Democracia Unionist Party) cujo dirigente principal é o reverendo Ian Paisley. O que os dois partidos unionistas pretendiam é simples: o desarmamento do IRA, a continuação do estatuto actual de Polícia e a presença do exército britânico; nestas condições, viveriam muitíssimo bem num «Estado» a que chamariam de democrático para prosseguirem a opressão e a exploração da minoria católica. Na posse de todos os grandes e pequenos meios de produção, no controlo da economia, o que os protestantes exigem é a continuidade de uma revoltante situação que a Europa moderna deveria condenar energicamente.


Farsa parlamentar

Perante a recusa do UUP, o principal partido unionista, em aceitar formar um governo que incluísse dois membros do Sinn Fein, o primeiro-ministro britânico logo inventou um novo esquema que permitisse resolver a candente situação e dar-lhe os loiros de vitória por que tanto sonha. Apresentou aos Comuns, aos órgãos de comunicação social e a toda a Irlanda um documento intitulado «The Way Forward» (Caminho em frente) cujo articulado retomava o do «Acordo de Sexta-feira Santa» com emendas que se pretendiam suficientes para acalmar os protestatntes e outras que espalhavam desconforto e dúvidas entre os católicos. Este projecto foi apresentado no Parlamento do Ulster (Stormont) na passada quinta-feira, 15 de Julho, e exigia que os partidos representados nomeassem os ministros respectivos para ocupação dos lugares correspondentes à sua posição parlamentar.
Assim, sob a presidência do «speaker», Lord Alderdice, as nomeações começaram a fazer-se, partido a partido. Mas o DUP (Paisley) recusou-se a tomar parte naquilo que era, evidentemente, uma farsa, enquanto o partido principal, o UUP (Trimble), resolvera, simplesmente, não comparecer no Parlamento. A sessão não durou mais de três minutos e o acto burlesco imposto por Tony Blair foi cancelado. Uma nova situação surgiu, portanto. Dentro de dias, David Trimble terá de pedir a demissão do cargo que ocupa, nominalmente, o de «First Minister» e o «Acordo de Sexta-feira Santa» ficará à deriva no oceano das múltiplas contradições em que vive a Irlanda do Norte. Tony Blair vai de férias. O Parlamento britânico não voltará a reunir antes de Outubro. Stormont já encerrou.
Mas a actividade dos partidos políticos do Ulster continuará, talvez com mais intensidade, em preparação de novas e duríssimas batalhas políticas (e, talvez, não só...) que já se divisam no horizonte.


CRONOLOGIA


10.4.1998 - Os partidos unionistas e protestantes assinam com os partidos republicanos, nacionalistas e católicos o chamado «Acordo de Sexta-feira Santa». O Acordo contempla a devolução do poder político na Irlanda do Norte ao Parlamento de Stormont; a constituição de uma Assembleia de que sairá um executivo integrado por representantes dos dois mais importantes partidos (o Ulster Unionist Party, unionista, e o Sinn Fein, nacionalista); e a formação de organizações de trabalho compreendendo delegações do Ulster e da República da Irlanda (Eire).

23.5.1998 - Cerca de 71 por cento do eleitorado da Irlanda do Norte aprova o Acordo em referendo. Os rejeicionistas de Ian Paisley sofrem uma significativa derrota. Nesta altura, pensa-se que a província do Ulster caminha, finalmente, para uma nova era de entendimento, paz e tolerância.

25.5.1998 - Contados os votos, verifica-se que o UUP, de David Trimble, não consegue a maioria absoluta na Assembleia de Stormont, pelo que fica em boa medida dependente dos unionistas mais fanáticos e intransigentes liderados por Ian Paisley. Em vez de aparecer como uma força unida, o unionismo divide-se face às exigências do reverendo Paisley e o seu ódio mortal aos católicos, nacionalistas e republicanos.

05.7.1998 - Registam-se confrontações violentas junto à igreja protestante de Drumeree, Portadown, quando os fanáticos orangistas pretendem marchar ao longo de Carvaghy Road onde a população é quase exclusivamente católica.

12.7.1998 - Terroristas protestantes incendeiam a casa da família Quinn na zona de Ballymoney, distrito de Antrim, provocando a morte de três crianças católicas.

15. 8. 1998 - Um grupúsculo dissidente do IRA (Real IRA) coloca uma potente bomba no centro da cidade de Ormagh, distrito de Tyrone, causando a morte de 29 pessoas.

18.12.1998 - Para «inglês ver», o «Loyalist Volunteer Force» anuncia que desiste de manter um «stock» de armamento.

Os restantes grupos armados, incluindo o IRA, não seguem

este exemplo.

10.3.1999 - Expira a data-limite imposta por Tony Blair para um acordo quanto à formação de um novo executivo incluindo o Sinn Fein. Aumenta a violência nas ruas. Os partidos UUP e Sinn Fein não conseguem entender-se. O primeiro exige que o IRA comece a desarmar-se, o que não estava previsto no Acordo de Sexta-feira Santa como condição essencial para a formação daquele executivo. O segundo afirma que é uma organização independente que representa, politicamente, o povo católico, nacionalista e republicano do Ulster, não tendo poderes para garantir o desarmamento do IRA. Esta organização, em diversos comunicados, afirma que não entregará a ninguém os seus «stocks» de material de guerra.

15.3.1999 - É assassinada a conhecida advogada católica Rosemary Nelson, partidária da união da Irlanda sob regime republicano e do fim da presença britânica no Ulster.

24.5.1999 - Unionistas e protestantes, com medo de que David Trimble ceda às enormes pressões oriundas de Downing Street, acentuam a pressão sobre o «First Minister». Toda a imprensa reaccionária britânica grita, freneticamente, que a paz está em perigo e que os Acordos de Sexta-feira Santa conhecerão o colapso.

15.6.1999 - Os primeiro-ministros da Grã-Bretanha (Blair) e da República da Irlanda (Bertie Ahern) intimam os partidos do Ulster a concluírem um acordo para a formação do novo executivo até 30 de Junho.

23.6.1999 - É libertado Patrick Magee, o activista do IRA que organizou o bombardeamento do Grand Hotel de Brighton, durante o Congresso do Partido Conservador, em 1984.
O ataque causou cinco mortos e quase aniquilou o governo da Grã-Bretanha, incluindo a então primeira-ministra Margaret Thatcher. Magee fora condenado a uma pena de pelo menos
35 anos de prisão. A sua libertação insere-se no âmbito dos Acordos de Sexta-feira Santa.

30.6.1999 - Falham as negociações entre os governos britânico e irlandês e os partidos protestantes e nacionalistas. A questão fulcral continua a ser a exigência dos protestantes: «No arms, no deal» (Não há acordo sem entrega dos armamentos).

O primeiro-ministro Tony Blair adopta uma nova data-limite para que haja acordo entre as partes (15.7.1999) e sugere que aceitará a substituição da secretária de Estado para o Ulster, Mo Mowlam, a mais odiada figura por parte dos protestantes unionistas.


«Avante!» Nº 1338 - 22.Julho.1999