Assim não brincamos
Sob o título a seis colunas «Partidos
cotados em bolsa», o «Público» de passado dia 14
anunciava a criação, em conjunto com a Rádio Renascença e a
Universidade Católica, de uma «Bolsa Política,
virtual, com o objectivo de avaliar as expectativas dos
cidadãos face ao comportamento dos partidos nas eleições de 10
de Outubro».
E logo acrescentava que «quem quiser jogar, como se de uma
bolsa verdadeira se tratasse, terá de dar ordens de compra e
venda de acções» e que, aqui entram as trombetas, «o
melhor investidor, aquele que menos errar na previsão dos
resultados das eleições e mais dinheiro juntar, habilita-se a
ganhar um automóvel no valor de 8000 contos».
Perante este acontecimento memorável,
preparávamo-nos para celebrar esta inestimável contribuição
para a modernização dos costumes políticos nacionais e para
sentenciar com insuperável sinceridade que, num tempo em que os
«mercados», não estando inscritos em nenhum recenseamento
eleitoral, decidem e mandam quase tudo, a iniciativa em causa só
pecava por tímida, exactamente por se encostar às eleições em
vez de, pura e simplesmente, as substituir.
E, no mínimo, estávamos dispostos a proclamar, contra
desconfiados e anquilosados que bem conhecemos, que tem toda a
razão o director de informação da Rádio Renascença quando
afirma que «esta pode ser uma maneira de revalorizar o
interesse pelo fenómeno político e combater a abstenção».
É que
nós próprios estamos em condições de testemunhar que a Bolsa
é verdadeiramente o alfa e o ómega da vida e das preocupações
dos cidadãos portugueses.
Se assim não fosse, como explicar que conheçamos um
supermercado onde um «placard» electrónico informa
diligentemente os clientes, não dos preços dos produtos em
promoção, mas dos índices finais diários das principais
praças bolsistas do mundo? A única explicação, e com todas as
consequências, deve ser a de que nem sequer já somos capazes de
comprar um perna de peru, uma caixa de detergente e quatro rolos
de papel de cozinha sem estarmos a pau com os resultados do CAC,
do Dax, do Nikkei e do Dow Jones.
O pior foi que o nosso entusiasmo arrefeceu
completamente quando lemos a esforçada prosa do director do
«Público» a jurar evangelicamente que, ora essa, «este
jogo não se destina a fazer dos partidos sociedades anónimas
nem visa reduzir a política à dimensão mercantilista» e
que «nele não se vendem nem compram ideologias ou propostas
políticas».
De facto, assim não brincamos. Assim, de longe que achávamos
preferível e imensamente mais sério que os promotores desta «Bolsa
Política» se deixassem de sofisticadas elaborações e de
gincanas no intelecto e nos dissessem francamente: «Meus
amigos, começou a "silly season" (época palerma),
isto está cada vez mais difícil, já ninguém sabe o que
inventar para segurar os leitores no Verão, temos de fazer pela
vida, desculpem qualquer coisinha».
Assim a gente compreendia e, como Verão rima com perdão,
até talvez perdoasse. Vítor Dias