Ainda
A GUERRA


As bombas da NATO já não caem sobre a Jugoslávia (embora continuem a cair sobre o Iraque). Mas a agressão contra esse país e os efeitos dramáticos da mais recente guerra imperial estão longe de ter terminado.

No Kosovo sob ocupação da NATO, a limpeza étnica de sérvios e ciganos prossegue, perante a indiferença geral. As televisões ocidentais limitam-se a informar-nos que ‘os soldados da KFOR assistem impotentes’ aos assassinatos e à destruição de lares por fogo posto, pois ‘não têm meios suficientes para estar em todo o lado’. Faz um certo efeito saber que as maiores potências militares do mundo, os todo-poderosos senhores das mais sofisticadas tecnologias militares, que eram capazes de ‘desligar o interruptor’ que abastecia todo um país de energia eléctrica (nas memoráveis palavras do porta-voz da NATO), ‘não podem fazer mais do que chamar os bombeiros’ (nas igualmente memoráveis palavras duma cadeia televisiva) agora que têm milhares de soldados no terreno. Agora até nos informam que 50 000 sérvios já tinham deixado o Kosovo no ano que antecedeu a guerra, fugindo ao UÇK (Financial Times, 18.6.99), o que confirma que a história andou a ser mal contada. Mas o destaque vai para as notícias de ‘descobertas de valas comuns’, que provariam ‘que a guerra era justa’, embora sempre que são referidas datas para esses alegados massacres, elas sejam posteriores ao início da guerra (24 de Março). A agressão da NATO não foi o resultado, mas sim a causa, do que de pior se terá passado naquela região da Jugoslávia.

Estima-se que o PIB da Sérvia cairá este ano em 40%, como resultado da guerra, e que o custo de reconstrução desse país ascenderá a 51 mil milhões de dólares (FT, 13.7.99). Para o Kosovo, a previsão de custo de reconstrução é de 5 mil milhões de dólares. Mas isso não é uma tragédia para todos. Ainda caíam as bombas sobre a Jugoslávia e já nos informavam que "o Ministério de Comércio e Indústria do Reino Unido planeia estabelecer uma comissão para coordenar os esforços das empresas britânicas que desejam participar na reconstrução do Kosovo" (FT, 5.6.99). Um entusiasmado director de empresa (seguramente defensor de ‘menos Estado’ para os trabalhadores) afirmava a esse mesmo jornal que "sabemos que o governo britânico tem em vista o abastecimento de água, a saúde, a energia, os caminhos de ferro, o petróleo e o gás". Mas o jornal prevenia que "as empresas britânicas terão de enfrentar uma dura concorrência de rivais da Europa continental, em especial da Alemanha e Itália, bem como dos EUA". Talvez por isso haja planos mais audazes, como o da privatização da prisão central de Pristina, para cuja gestão já há numerosas empresas candidatas (FT, 5.7.99). Dizem-nos que os Estados nacionais não estão vocacionados para gerir empresas. Mas parecem estar muito vocacionados para arranjar negócios para os seus capitalistas. Mais que não seja, a reconstruir o que acabaram de destruir, com o dinheiro dos contribuintes. Também para isto se fazem as guerras, pois o espectro da crise económica global continua a pairar...

O centro das atenções mediáticas e imperiais está agora dirigido para o poder central na Sérvia. Um editorial do FT (12.7.99) debate o problema de "como ajudar os Sérvios a afastar o seu desprezável dirigente?". E afirma: "a resposta consiste em manter a pressão sobre Belgrado através do isolamento político e económico". Parafraseando Von Clausewitz, poderemos dizer que se trata do prosseguimento da guerra por outros meios. Explica esse jornal em mais pormenor: "a comunidade internacional deve declarar qual o auxílio que estará disponível para a Sérvia, logo que se operem mudanças democráticas. Tal auxílio poderá começar pela reparação do fornecimento de energia e água. Mais tarde, poderá abranger a habitação, os transportes e por fim, a indústria". Mas, atenção, há que estar atentos, afirma o FT: "se determinadas cidades se tornarem centros de oposição consistentes, poderá ser útil dar auxílio localmente – por exemplo na reconstrução de hospitais". Como se vê, a guerra só visou alvos militares... Foi tudo por questões humanitárias... E apenas se pretende a autodeterminação dos povos...

Nos tempos que correm não é preciso grande esforço para desmascarar a hipocrisia do imperialismo. Basta repetir o que eles dizem. — Jorge Cadima


«Avante!» Nº 1338 - 22.Julho.1999