Carlos Carvalhas
no Forum sobre o Programa Eleitoral
Gravidade
dos problemas nacionais
«não se compadece com o navegar à vista»
«Não há respostas simplistas e esquemáticas»,
nomeadamente para assegurar um crescimento «suficientemente
forte e sustentado» que aproxime Portugal da média europeia.
É, porém, «uma evidência» que «as respostas neoliberais ou
de "terceira-via" social democrata não são resposta
nenhuma», concluiu Carlos Carvalhas na intervenção de
encerramento (que a seguir se transcreve) proferida no Forum que
debateu as grandes linhas de orientação que vão enformar o
Programa Eleitoral do PCP às eleições legislativas de 10 de
Outubro.
«Esta foi uma jornada de trabalho, não foi
uma «mega conferência» nem naturalmente, um «beija-mão
televisivo».
Procurámos colocar questões, reflectir em conjunto, ouvir
sugestões, preparar material para o nosso Programa e
intervenção geral.
Os diagnósticos são conhecidos.
O governo deixou "correr o marfim" e, com o dinheiro da
venda de riquíssimo património público e dos fundos
comunitários, satisfez clientelas e acabou algumas obras
públicas de vulto. Hoje o Primeiro-Ministro arrogantemente diz
por aí que Portugal está em boas mãos. Para alguns estará.
Mas este é o país que tem hoje na União Europeia o maior fosso
entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, isto é, o maior
índice de concentração de riqueza e esta é uma das grandes
marcas que nos deixa esta legislatura com um governo dito
socialista.
É o país que importa mais de 70% dos produtos agroalimentares,
o país que tem falta de médicos, mas que por força do numerus
clausus obriga os seus jovens a concorrerem a universidades
de medicina espanholas enquanto são cada vez mais os médicos
estrangeiros que aqui exercem a sua profissão.
É o país onde se fala à boca cheia de lavagem de dinheiro, de
casos de corrupção, de casos escaldantes como os da JAE e da
Universidade Moderna, mas que com a passagem do tempo se verifica
que apenas são apanhadas os chamados "pilha galinhas.
E é também o país que gasta dezenas de milhões de contos em comboios
pendulares, mas em que o tempo de ligação Lisboa Porto se
mantém na mesma porque há comboios mas não houve remodelação
da via! E são dezenas de milhões de contos que tanta falta
fazem em tantos domínios carecidos. E tudo isto se passa, sem
que ninguém seja responsabilizado, sem que o governo assuma as
suas culpas e sem que ninguém seja molestado.
Mas isto é um escândalo em qualquer parte do mundo. Um
escândalo que tem sido diluído na voragem dos factos
consumados.
Milhões de contos gastos sem utilidade e ninguém é demitido,
ninguém é censurado.
Ninguém paga o que se delapidou...
E tudo isto se verifica num país que segundo afirma o
Primeiro-Ministro, "não é uma república das
bananas". É caso para dizer: o que é que sucederia se o
fosse!
Pensar Portugal
Muitas questões,
pistas, preocupações e propostas foram aqui colocadas e são de
grande importância e riqueza para a elaboração do nosso
Programa, no seguimento das reflexões e contributos que
resultaram dos debates sobre "Portugal 2000".
Pensar Portugal hoje e no futuro próximo: quais os principais
estrangulamentos? Como ultrapassá-los? Que caminhos seguir no
quadro da União Europeia, da liberalização de capitais, das
tendências da Organização Mundial do Comércio e de uma
economia mundial cada vez mais "globalizada"?
Não há respostas simplistas e esquemáticas, mas é uma
evidência como a experiência demonstra, que as respostas
neoliberais ou de "terceira-via" social democrata não
são resposta nenhuma.
São a propaganda, com uma outra roupagem do «modelo
norte-americano» com a conhecida polarização da riqueza,
degradação social e em que a criminalidade assume proporções
endémicas...
Portugal está confrontado com graves problemas que necessitam de
ser equacionados e respondidos. A gravidade e a complexidade
desses problemas não se compadece com o navegar à vista.
A primeira questão que se coloca é a do desenvolvimento
tendo em conta o mercado único em que nos encontramos, os
constrangimentos do "pacto de estabilidade" e da
Organização Mundial do Comércio, a liberalização do
movimento de capitais e a crescente dependência e
subcontratação do aparelho produtivo nacional.
Ou colocando a questão de outra maneira.
Como assegurar um crescimento suficientemente forte e sustentado
para que diminua a distância que nos separa da média europeia?
E para se atingir esse objectivo como assegurar que empresas
básicas e estratégicas fundamentais para o delineamento de uma
estratégia de desenvolvimento nacional não venham a ser
controladas por centros de decisão externos?
O caso Champalimaud veio pôr em evidência aquilo que sempre
dissemos ou seja, que com o processo de «mão baixa» sobre as
Empresas Públicas, mais tarde ou mais cedo estas corriam o risco
de ficarem nas mãos, ou de serem dominadas pelo estrangeiro. É
o que se está a ver.
E quanto ao crescimento há que colocar a questão: crescimento
para quem? Para meia dúzia de famílias? Para o capital
financeiro?
Estas interrogações conduzem-nos a três questões essenciais:
a) a da defesa de alavancas fundamentais da economia
portuguesa, o que passa pelo fim das privatizações; pela
consolidação do Grupo Caixa Geral de Depósitos e pelo menos,
pelo estabelecimento de um capital mínimo de controle em
empresas já privatizadas; pois como já foi afirmado, inclusive
por um socialista, não há centro de decisão nacional que não
seja público.
b) a da concretização de medidas correctoras do crescente
desequilíbrio da distribuição do Rendimento Nacional em
desfavor dos chamados rendimentos do trabalho, o que nos conduz
à questão da justiça social isto é, da melhoria gradual mas
significativa das reformas e pensões, dos vencimentos dos
trabalhadores da Administração Pública e dos salários em
geral;
c) a da valorização da produção nacional, do aumento da
produtividade, do aproveitamento dos nossos recursos.
Política de
avestruz
O crescimento que
se verificou nesta legislatura tem pés de barro, pois no
essencial assentou em meia dúzia de grandes obras públicas, em
duas ou três empresas controladas pelo capital estrangeiro e
numa conjuntura externa que globalmente foi favorável ao nosso
país.
Se analisarmos mais atentamente verificamos que importantes
sectores do nosso aparelho produtivo continuam a arrastar-se na
crise ou num processo de fragilização e dependência. É o caso
da agricultura e das pescas e de importantes subsectores
industriais.
A dependência da indústria automóvel, que não controlamos
minimamente e de outros investimentos estrangeiros acentuaram a
vulnerabilidade da economia portuguesa.
O crescente défice da Balança Comercial e a substituição
crescente da produção nacional pela produção estrangeira são
iniludíveis.
Perante este défice crescente o governo tem continuado com a
postura da avestruz e a pensar que as remessas dos emigrantes e
os fundos comunitários continuarão a "amparar" o
barco quando este mete cada vez mais água. Esta política não
é uma fatalidade.
Há outros caminhos e há outra política para a agricultura e
para as pescas. Uma política que responda às especificidades da
agricultura portuguesa, que questione a PAC e que aumente os
rendimentos dos agricultores portugueses.
Não nos podemos esquecer que a PAC com uma filosofia assente num
produtivismo sem limites e numa competitividade concebida como
lógica de guerra tem arruinado muitos agricultores na União
Europeia e é a mesma que tem "produzido" as vacas
loucas, os frangos com as dioxinas, a carne com hormonas, tudo
submetido ao máximo lucro que tem liquidado a pequena produção
portuguesa (agrícola e pecuária).
O governo que durante esta legislatura não avançou com nenhuma
reforma estrutural no sentido do progresso e do aperfeiçoamento
anda agora a percorrer o país, a prometer uns milhões aqui e
outros milhões ali, semeando promessas face ao acto eleitoral
que se avizinha confundindo o aparelho de Estado com o aparelho
do Partido Socialista.
Perderam-se quatro anos sem se ter realizado uma reforma fiscal
da máxima importância para a realização da justiça fiscal e
social e para a concretização das reformas da saúde, do ensino
e da segurança social.
Assim como se perdeu tempo, por demagogia no combate à
toxicodependência.
Reafirmamos que se o PS, logo em 1996, em vez de alinhar na
demagogia dos aumentos das penas, tivesse apoiado o projecto de
lei do PCP que acabava com as penas de prisão por simples
consumo de droga, tratando os toxicodependentes como doentes e
não como criminosos, teríamos hoje em aplicação uma lei da
droga mais justa, mais humana e que teria permitido recuperar
muitos toxicodependentes longe do ambiente das prisões. E o
mesmo podemos dizer em relação ao combate ao branqueamento de
capitais.
Também em relação à saúde se perdeu tempo e não se quis
afrontar interesses instalados.
Há por aí um Partido que descobriu agora os genéricos, apesar
de ter estado contra os projectos do PCP e outro que descobriu
recentemente a sua "paixão" pela saúde depois de ter
sido responsável pelo sector durante quase década e meia, ao
mesmo tempo que o Partido do governo necessitou de quase uma
legislatura para reconhecer nesta parte final em Congresso, que a
saúde deve constituir uma prioridade da acção governativa...
Nós sabemos no que têm dado as paixões em períodos
pré-eleitorais, bem como as repetidas e condoídas
preocupações com os reformados.
O PCP tem propostas
Nós entendemos que
com rigor, seriedade e determinação devemos continuar a luta
contra as políticas neoliberais, pelo aperfeiçoamento e
racionalização do Serviço Nacional de Saúde tal como está
proclamado na Lei Fundamental do País.
Um combate contra a desresponsabilização do Estado e contra o
negocismo com a saúde dos portugueses, o que passa também por
acabar com a promiscuidade entre o público e o privado.
O PCP assumiu as suas responsabilidades e apresentou publicamente
na Assembleia da República um conjunto articulado de medidas e
programas fora do período pré-eleitoral.
Apresentámos por exemplo, um projecto de lei relativo à
resolução do problema das listas de espera que foi aprovado;
defendemos a concretização de um plano de separação do
público e do privado no Serviço Nacional de Saúde;
apresentámos um fundamentado "programa de redução dos
gastos com medicamentos", onde se incluíam medidas de
eficácia na redução e racionalização dos gastos com
medicamentos...
Esta foi a postura de um Partido de proposta, coerente que não
andou a defender e a propor e a votar uma coisa na Assembleia da
República e agora a propor e a defender outra em época de
pré-campanha eleitoral. E isto tanto na área da saúde, como
nas áreas do trabalho, da cultura, do ambiente e tantas outras.
Nós não contribuímos para o alargamento do fosso entre a vida
política e os problemas reais das pessoas e da sociedade.
Na área institucional foram aqui levantadas muitas questões que
merecem a nossa reflexão.
Como muitos sublinharam ao fim de quatro anos de tantas promessas
a justiça continua morosa e cara; a PSP continua sem Sindicato
pois o governo só nos últimos dias apresentou uma proposta e em
condições que sabia ter o bloqueio do PSD, a insegurança
mantém-se e por responsabilidade do PS mantém-se também o
inadmissível e intolerável escândalo da inexistência do
Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, tendo o
PS bloqueado as sucessivas propostas do PCP para ultrapassar a
situação.
E é uma evidência que em relação ao combate ao crime o
governo deixou acumular dúvidas legítimas na opinião pública
acerca da sua real vontade política em criar as condições para
serem averiguadas até ao fim, casos como o da JAE ou da
Universidade Moderna.
Reforçar a CDU
É tudo isto que
precisa de uma decidida vassourada, vassourada que da nossa parte
terá tanto mais força quanto a CDU reforçada.
Naturalmente que ao prepararmos o nosso Programa não
desconhecemos que Portugal "perdeu instrumentos" da
política monetária e orçamental, nem esquecemos a correlação
de forças a nível internacional e nacional, nem a nova ordem
imperial que os EUA querem consolidar. Nem esquecermos os
vergonhosos bombardeamentos na Jugoslávia e os eufemismos dos
seus efeitos «colaterais» nem aqueles que como o governo tanto
evocaram os direitos humanos nem os que travestidos de novo tanto
quiseram estar na primeira fila das manifestações anti-guerra,
mas que agora não se lhes ouviu a voz sobre a condenação à
morte de Ocälan e a intensificação da repressão sobre os
curdos na Turquia. Para uns é a justiça do funil, para outros
só interessa a denúncia e o combate quando se pode estar na
crista da onda mediática e para uns poucos ainda o que interessa
é o que se pode ganhar com a reconstrução...
É aliás significativo que na reunião do G8 em Colónia tenha
estado em cima da mesa a repartição das encomendas e dos
negócios para a reconstrução dos Balcans o bolo
balcânico , bem como as medidas de prevenção das crises
financeiras.
Como não deixa de ser significativo que o mundo continue
dependente e suspenso por uma possível crise em Wall Street, o
que também não pode deixar de se ter em conta quando se elabora
um programa para a próxima legislatura. Mesmo o guru das
finanças George Sorus, admite que o sistema corre o risco de
enfarte, o que segundo muitos analistas desencadearia uma
catástrofe económica e financeira de grande envergadura, no já
designado "ciber-espaço" da finança mundial.
O nosso Programa não será um mero catálogo de promessas ou de
propostas e tem um horizonte temporal limitado.
Pela nossa parte continuaremos a lutar por objectivos e
horizontes mais largos inserindo este programa no quadro de uma
luta mais geral.
Os "brilhantes" resultados do "sistema"
estão espelhados nos últimos Relatórios sobre o
Desenvolvimento Humano do PNUD, sobre o estado em que se encontra
a esmagadora maioria dos cidadãos do Planeta à beira do
terceiro milénio.
É para superar esta situação, para combatermos esta economia
de casino e os dogmas neoliberais que também lutamos em
Portugal.
Por isso confiamos que muitos portugueses e portuguesas que hoje
se encontram desiludidos e frustrados perante a política do PS
compreendam duas coisas.
A primeira é que o reforço da CDU é essencial para uma
viragem à esquerda.
A segunda é que vejam no concreto que nós tivemos sempre
uma postura de proposta e de potenciação de tudo quanto veio de
positivo e que quando criticámos o PS não foi por este se
chamar PS ou por mero cálculo ou táctica eleitoral, mas porque
combatemos as políticas de direita, porque honramos os nossos
compromissos e por respeito pelos sofrimentos, dificuldades e
aspirações de tantos e tantos cidadãos.
Está na mão dos trabalhadores e das trabalhadoras, das
portuguesas e dos portugueses dar força à exigência de uma
nova política, que promova o desenvolvimento e a
descentralização, que dignifique e valorize quem trabalha, que
crie empregos com direitos, que enterre de vez o pacote laboral
isto é, que sirva o povo e o país e que não se dirija apenas a
meia dúzia de famílias.
E estes devem estar prevenidos para os artifícios e truques que
vão surgir, tal como a promoção artificial da bipolarização
que é o melhor seguro da política de direita.
Nestas eleições em que a direita não tem qualquer
possibilidade de chegar ao poder abre-se um grande espaço para
os cidadãos que aspiram por uma viragem à esquerda, que desejam
uma efectiva mudança de política, o que passa pelo reforço da
Coligação Democrática Unitária. A esquerda que faz a
diferença, a esquerda que conta, a esquerda que não imita a
direita.»