Mulheres de St.ª Iria de Azóia
Trabalho e imaginação são armas delas

Texto de Carlos Nabais


O fascismo fora finalmente derrubado. De um dia para o outro, os comunistas viram-se na necessidade de reunir os meios e as estruturas necessários para dar resposta às novas condições políticas e enquadrar de forma eficaz os milhares de novos membros que diariamente aderiam ao Partido. Sobretudo faziam falta centros de trabalho, casas do Partido onde se pudessem fazer reuniões e organizar o trabalho, produzir e guardar materiais e documentos de propaganda. Arranjar fundos para o Partido era pois uma tarefa essencial.


Porque numa revolução não se dorme, num espaço de tempo surpreendentemente curto surgiram por todo o país Centros de Trabalho do PCP. Primeiro alugaram-se espaços, depois, à medida das possibilidades, adquiriram-se fracções ou construíram-se de raiz edifícios, erguidos com o trabalho esforçado e voluntário dos militantes.

A história dos comunistas da freguesia de Santa Iria de Azóia é diferente de todas as outras apenas porque todas as histórias têm protagonistas diferentes - neste caso mulheres de armas - mas afinal é idêntica à de muitas outras organizações de militantes que por esse país fora se empenharam na construção do grande Partido que é o PCP, distinguindo-se igualmente por uma grande dedicação, trabalho, imaginação e espírito de sacrifício.

De porta em porta

O grande desafio começou por ser a construção do Centro de Trabalho da Freguesia. O que hoje é um edifício com três pisos, começou praticamente do nada e foi crescendo ao longo dos anos: «Enquanto os homens erguiam as paredes, as mulheres percorriam todo o concelho de Loures fazendo porta-a-porta para juntar dinheiro ou o que as pessoas quisessem dar. Recebíamos tudo, desde produtos alimentares, até materiais de construção. Era raro batermos a uma porta e sairmos de mãos vazias», recorda Bárbara Dias, logo seguida por uma série de pormenores acrescentados à vez pela Dulce Fernandes, a Maria José Garcia e a Leonilde Crisóstomo - as quatro residentes na freguesia.
Na altura eram mais de 20 mulheres que se juntavam aos serões a coser as peças: «Chegámos a ter a casa cheia de pessoas a trabalhar. Fazíamos aventais, lenços, almofadas e púnhamos foices e martelos em todos os objectos. Depois percorríamos os comícios e as festas do Partido aqui no concelho onde vendíamos tudo com muita facilidade... Até bandeiras do PCP».
Uma dessas bandeiras ainda está no centro de trabalho, e tem o significado especial de ter sida feita à mão, com os símbolos e letragem em tecido amarelo cosidos em cordonnet à bandeira vermelha: «Isto ainda dá muito trabalho a fazer...».
Assim, num prazo recorde, foi possível inaugurar, em 15 de Dezembro de 1975, o Centro de Trabalho: «Foi o primeiro centro construído pela mão dos trabalhadores», diz António Garcia, com o orgulho de quem desde o início esteve ligado à construção.

Tudo para a Festa

A conversa já ia a meio quando chegam ao Centro de Trabalho Catarina Minhós, Helena Pereira, Maria Casemira e a Esmeralda Fernandes. A Esmeralda, dizem-nos, não é militante do Partido, mas como todas as outras já há vários anos que participa na recolha e confecção das peças que são depois vendidas na Festa do «Avante!».
«Depois do centro de trabalho, continuámos a fazer coisas para vender na Festa». Por ano, este grupo de mulheres entrega cerca de 400 peças, entre aventais, pegas de cozinha, almofadas, xailes, sacos para o pão e para botijas de água quente, bordados e mais uma infindável lista de objectos que se podiam ver arrumados sobre as mesas da sala de convívio.
Mal acaba uma Festa, começa-se logo a preparar o ano seguinte e por volta do mês de Abril, as mesas são postas para receberem os materiais prontos e os que vão sendo doados, desde loiças, a roupas usadas, cassetes vídeo, canetas, brinquedos, etc. O controlo de qualidade é assegurado por Catarina Minhós que faz questão de dizer que «tudo o que vai para a Festa é de boa qualidade e está em estado praticamente novo. Não aceitamos coisas estragadas. A Festa não é nenhum caixote do lixo de ninguém».
Depois é a organização da Festa que decide qual o destino dos artigos. A grande maioria vai para a Quermesse para os prémios do Sai-Sempre, outros vão para o pavilhão do coleccionador, ou para a Feira da Ladra.
Todavia, a participação destas mulheres na Festa, assim como de outros militantes da freguesia, ultrapassa largamente este trabalho feito ao longo de meses. Todos os anos, elas lá estão a assegurar o funcionamento de restaurantes, bares ou stands e tal como centenas de outros camaradas: «vamos para o terreno à quinta-feira e só saímos de lá à segunda».

A «escola» PCP

No próximo mês de Setembro já sabem que têm a responsabilidade do stand do Perú: «É capaz de ser um trabalho mais leve dos que os anos anteriores», dizem lembrando-se de quando tiveram a seu cargo o Cacau da Ribeira, na segunda Festa em Loures: «Aquilo é que foi... andámos três dias praticamente sem dormir, por fim já caíamos de sono, mas houve sempre cacau, noite e dia».
Embora quase todas tenham tido os seus empregos (algumas estão agora reformadas, outras ainda trabalham), não tiveram nenhuma formação específica, foram aprendendo por elas a fazer as coisas: «Onde a gente se especializou foi no Partido. Aprendemos a cozinhar para cem pessoas, a servir ao balcão, a pintar, eu sei lá, a fazer um pouco de tudo. O Partido precisa e nós metemos mãos à obra».
Na nossa conversa, foi com algum desapontamento que reconheceram que os jovens não se interessam por este trabalho: «Parece que já nasceram cansados», desabafa uma camarada, afirmando que não consegue convencer sequer a própria filha. «Ela trabalha com computadores e quando lhe peço para vir ajudar aqui aos serões diz-me sempre que está cansada. Mas para outras tarefas está sempre disposta. Anda com o carro dela a distribuir propaganda, vai trabalhar para a Festa, vai aos comícios...».
Também o camarada José Coelho, da Comissão de Freguesia reconhece que o trabalho com a juventude é insuficiente: «A juventude é o grande problema. Um dos nossos objectivos é repensar a composição da Comissão de Freguesia para integrar mais jovens; e temos de encontrar novas formas de os enquadrar no trabalho do Partido. Sabemos que temos aí grandes dificuldades para superar».


«Avante!» Nº 1339 - 29.Julho.1999