Rogério de Carvalho foi a enterrar
Rogério de Carvalho foi a enterrar na passada quinta-feira. Antes de o caixão baixar à terra, sob o olhar emocionado das dezenas de amigos que fizeram questão de acompanhar o histórico dirigente à sua última morada, Agostinho Lopes, membro da Comissão Política do PCP, pronunciou uma breve mas sentida homenagem de despedida.
«Aqui estamos para
uma homenagem ao Rogério de Carvalho. E não gostaria de vos
dizer palavras de circunstância. Por isso, eis o que me ditou a
emoção, muito brevemente, que longo foi o caminho militante do
Rogério.
Neste tempo difícil de abdicações e renúncias, de
oportunismos diversos, é fácil falar de quem nunca mediu a sua
vida pela dimensão do seu percurso pessoal. É fácil falar de
quem sempre mediu a sua vida pelo tamanho dos seus ideais, pela
força das suas convicções.
Mesmo se o Rogério que nós conhecemos tenha sido um apaixonado
da vida, das pequenas e grandes alegrias que ela proporciona. Era
um viajante incansável, era um discípulo da boa mesa, era um
homem que gostava de livros, culto e informado. Era um homem
simples, alegre, fraterno. Era camarada e era amigo.
Neste tempo difícil não nos devemos lamentar, mas lutar. Mais
difíceis foram os tempos em que o Rogério aprendeu a lutar. Em
que o Rogério chegou ao Partido, o 1945 do pós-guerra. Em que o
Rogério integra uma lista de unidade que conquista, em 1948, o
Sindicato dos Profissionais de Seguros do Distrito do Porto,
sendo seu dirigente até 1950. Em que o Rogério chega ao corpo
de funcionários clandestinos do Partido Comunista, em 1952.
Os tempos difíceis em que o Rogério enfrentava, com grande
coragem e dignidade, os esbirros fascistas da PIDE e do Tribunal
Plenário. Os tempos das cadeias fascistas onde permaneceu 15
anos, da fuga heróica de Peniche com outros camaradas.
E, atravessando os tempos difíceis, chegaram os comunistas
portugueses e o Rogério, os democratas e antifascistas, o povo
português, ao 25 de Abril. Que, como é sabido também, não foi
um tempo fácil.
Neste tempo difícil, de brutal subversão dos direitos dos
trabalhadores e dos povos, de profundos recuos civilizacionais e
brutais ignomínias, de regressão de valores humanistas, do
valor do trabalho e dos trabalhadores, da soberania dos povos, o
Rogério diz-nos com toda a simplicidade que o caminho é, ainda
e sempre, a luta. A luta no quotidiano. A luta que tem
ziguezagues e derrotas. A luta vitoriosa em dias, e a luta
prolongada, feita de muitos anos cinzentos e dias negros.
A pequena luta pelos direitos e interesses das populações. A
luta sindical. A luta eleitoral. A luta dos jovens.
A luta pela justa retribuição do trabalho. A luta contra a
violência e opressão da sociedade capitalista.
A luta contra todas as injustiças sociais e contra a
exploração.
A luta pelo socialismo e o comunismo.
A luta com os trabalhadores e o povo. A luta com inteligência,
unidade e coragem. A luta dos homens e mulheres que querem ser e
se afirmam comunistas.
Com a confiança de que nada está pré-determinado no destino
dos povos, nem nenhuma conquista salvaguardada para sempre. Com a
certeza de que não existem «estados naturais» para as
sociedades, nem o capitalismo é o términos da história.
Neste tempo difícil, o impossível é não lutar.
A vida não foi justa com Rogério de Carvalho nos últimos
tempos da sua vida. Uma injustiça em grande parte resultado de
uma vida completamente, persistentemente, corajosamente dedicada
à luta pelo seu povo e contra o fascismo. (Uma dor da
injustiça, uma angústia do irremediável que se pressentia, num
corpo já frágil).
Uma injustiça que não era merecida pela luminosa dádiva do
Rogério para que fosse feita justiça ao povo português no dia
25 de Abril de 1974.
Mas hoje, na liberdade e democracia do nosso País, nas lutas do
nosso povo por uma política de esquerda, por um futuro melhor,
vive e continua o sonho, a luta, a vida do Rogério de Carvalho.
Mas hoje, neste Partido dos comunistas portugueses, vive e
continua a força generosa, a disponibilidade militante, a
heroicidade do Rogério de Carvalho. Devemos-lhe todos isso. Não
só do Rogério, certamente. Mas é dele, que hoje falamos.»