Acidentes
de trabalho em Portugal
Governo
esconde dimensão da tragédia
A Federação Nacional dos Sindicatos da Construção, Madeiras, Mármores e Materiais de Construção Civil contestou os dados estatísticos contidos num estudo sobre acidentes de trabalho realizado pelo Ministério do Trabalho, considerando que os mesmos pecam claramente por defeito e não traduzem a verdadeira extensão da tragédia.
O número de
acidentes mortais apurado no estudo para o sector da construção
civil e obras públicas 156 mortos em 1998 - , está muito
aquém da realidade, acusa a Federação, que, segundo as suas
próprias fontes, estima que por ano, dos acidentados mais
graves, «acabam por sucumbir quase outro tanto como os apontados
aquando do acidente».
No comunicado, em que acusa o Governo de «incompetência e falta
de respeito por quem trabalha», o Conselho Nacional daquela
estrutura sindical comenta ainda as medidas anunciadas pelo
Governo na semana transacta, por ocasião da divulgação do
referido estudo, relativas a um chamado programa de incentivo às
empresas que se destaquem na melhoria das suas condições de
segurança, higiene e saúde. Tais medidas, no entender dos
sindicatos, correspondem a um «lavar as mãos», como Pilatos,
mais não visando do que «favorecer as empresas que não cumprem
a Lei», descapitalizando simultaneamente a Segurança e Social e
deixando «nas mãos das seguradoras o papel moralizador, quando
é certo que estas têm assumido uma postura de enganar os
trabalhadores acidentados e os familiares das vítimas mortais».
O estudo em causa, mesmo não traduzindo toda a dimensão da
realidade, refere que mais de 160 mil pessoas (162.771) sofreram
acidentes de trabalho em 1998, tendo 473 morrido por essa razão.
Nos dez sectores de actividade com maior número de acidentes
sobressai o da construção civil (24.607), seguindo-se a
indústria metalúrgica (14.537) e as fábricas de outros
produtos minerais e não metalúrgicos (10.179), indica o estudo
realizado pelo Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego
e Formação Profissional do Ministério do Trabalho.
No comércio por grosso registaram-se 9.728 acidentes, no fabrico
de material de transporte 9.274, na indústria de alimentação,
bebidas e tabaco 8.918, na indústria têxtil 7.861, nas
actividades imobiliárias e de aluguer 7.698, no comércio a
retalho e reparação de bens 6.756 e no fabrico de máquinas e
equipamentos não específicos 6.097.
A taxa de incidência dos acidentes de trabalho nos dez sectores
de actividade com maior número de acidentes refere a
fabricação de material de transporte, que regista valores de
29,7 por cento, a que se segue a indústria metalúrgica (21,4
por cento) e a fabricação de outros produtos minerais não
metálicos (16,9 por cento). O menor número regista-se na
indústria têxtil (3,6 por cento).
No que se refere aos acidentes de trabalho mortais nos sectores
com maior número de casos destaca-se a construção civil (156),
seguindo-se o comércio de retalho e reparação de bens (53), a
agricultura, produção animal e caça (48), a indústria da
madeira (35), o comércio por grosso (33), a pesca (29), a
indústria de transportes e armazenamento (15), a indústria
metalúrgica (12) e a indústria têxtil (11).
Por regiões, o estudo refere que Lisboa e Vale do Tejo registou
253 acidentes mortais, seguindo-se o Norte (129), o Centro (49),
o Alentejo (13) e o Algarve (oito).
Na óptica do sinistrado, o documento refere que os riscos mais
frequentes são o «risco de ferimentos com máquinas» (44 por
cento) e o «risco de queda» (40 por cento).
Por actividade, a indústria engloba como risco mais frequente o
de ferimentos com máquinas e a exposição a ruídos, na
construção o risco de queda e o movimento manual de carga e nos
serviços o risco de queda e gestos ou posturas incorrectas.
O estudo acrescenta que 37,8 por cento dos acidentes de trabalho
atingiram pessoas com o primeiro ciclo do Ensino Básico.
Dados incorrectos
Também o Sindicato
dos Trabalhadores da Construção do Norte e Viseu, afecto à
CGTP, pronunciando-se sobre o estudo, considerou que os dados
revelados são incorrectos. É que, alega, «ninguém, devido ao
trabalho clandestino, pode indicar números precisos sobre a
sinistralidade».
Fundamentando o seu ponto de vista, o sindicato dá um «pequeno
grande exemplo»: «Ninguém contabilizou um rapaz de 14 anos que
esteve hospitalizado no H.G. Santo António, em Maio deste ano,
por uma queda, e foi instruído para não falar nem à GNR nem à
Inspecção-Geral de Trabalho, dizendo somente que era assentador
de tacos e caiu de um andaime».
«Como é possível montar andaimes para assentar tacos no
chão?» interroga o Sindicato que chama a atenção, por outro
lado, para o facto de a legislação sobre a matéria não estar
a ser cumprida, para além de ser insuficiente e em parte
desactualizada. Daí a sua proposta para que no início da
próxima legislatura se promova legislação de combate ao
trabalho clandestino e precário, que é causa da morte de mais
de um trabalhador por dia.
Instituir o dia 15 de Dezembro como Dia Nacional de Luta contra a
Sinistralidade constitui outra das propostas do Sindicato dos
Trabalhadores da Construção do Norte e Viseu, que, para essa
data, tenciona promover uma paralisação de 30 minutos em
memória dos falecidos em acidentes de trabalho.