Kosovo
Massacre de sérvios
deixa Kfor em cheque


O assassinato de catorze agricultores sérvios do Kosovo, na passada sexta-feira, em Gracko, veio uma vez mais pôr a nu, de forma brutal, o logro da alegada missão humanitária da intervenção da NATO nos Balcãs. Com milhares de homens no terreno há mais de seis semanas, as principais potências ocidentais dizem-se hoje «incapazes» de garantir a segurança das populações que era suposto defenderem.

Os agricultores estavam a trabalhar no campo quando foram mortos a tiro, à queima-roupa. O massacre poderia ter sido evitado se os insistentes pedidos de protecção tivessem sido atendidos, mas no sector atribuído aos soldados britânicos as preocupações de segurança parecem não fazer parte das prioridades. De acordo com relatos de populares, os intérpretes, todos albaneses, com quem contactaram responderam-lhes não haver «viaturas disponíveis». Os soldados britânicos que na fatídica sexta-feira patrulhavam a região terão ouvido disparos cerca das 19.30h; só quarenta minutos mais tarde os corpos dos 14 agricultores mortos foram encontrados. Dos assassinos, nem rasto.
Michael Jackson, o todo poderoso comandante da Kfor, rejeita quaisquer responsabilidades no ocorrido. «É um total absurdo e um insulto dizer que a Kfor é cúmplice dos assassinos», afirmou. Às acusações de laxismo que lhe são feitas pela população não albanesa limita-se no entanto a responder que «a Kfor não consegue estar sempre em todo o lado» e que é necessário ter em conta «o clima de raiva e vingança» que se vive no território.
Aparentemente, e após seis semanas de ocupação, o que a Kfor consegue é não estar nos locais onde se registam os incidentes, e chegar sempre demasiado tarde ao local dos acontecimentos, deixando escapar os responsáveis pelas atrocidades cometidas.
Não menos curioso é que Jackson, face à sucessão de graves incidentes no Kosovo - o massacre de Gracko foi o pior até à data, mas não infelizmente o único -, não hesite em afirmar que se considera «satisfeito» com o «respeito» que o UCK estará a demonstrar em relação ao acordo sobre a sua «desmilitarização». Estranhas declarações quando as armas continuam a matar no Kosovo, quando ninguém é capaz de fazer a destrinça - se é que existe - entre civis e membros armados dos movimentos separatistas, quando manifestamente há por todo o lado armas fora de qualquer controlo.

Reacções

As reacções ao massacre de Gracko foram as que seriam de se esperar. De um lado a indignação e a dor das populações ameaçadas e a crítica severa dos que exigem da ONU e da NATO o assumir de responsabilidades; do outro, os lamentos de circunstância e as promessas de inquérito.
«Não esquecerei, não perdoarei. Não se pode aceitar a vingança. Estou horrorizado com o assassínio destes catorze homens indefesos». As palavras são de Bernard Kouchner, o administrador da ONU no Kosovo, que garante que seguirá «pessoalmente» e até ao fim o inquérito da Kfor sobre o massacre de Gracko. «Estas mortes são particularmente terríveis porque ocorrem justamente no momento em que a paz começa a voltar ao Kosovo», acrescentou. De que paz fala Kouchner não se sabe, quando mais de cem mil sérvios foram já forçados a abandonar o Kosovo e quando estão por aplicar os principais pontos da resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o território, designadamente os respeitantes ao acordo técnico-militar.
Também a reacção do Tribunal Penal Internacional (TPI) para a ex-Jugoslávia é curiosa. Segundo o seu porta-voz, Paul Risley, «a importância deste massacre é muito inquietante e leva a pensar que deve ser enviada uma mensagem dissuasora mais forte aos que estão dispostos a perpetuar o ciclo da violência que desde há um ano assolou o Kosovo». De que «mensagem» fala o TPI, sempre tão lesto a seguir as acusações norte-americanas quando se trata de demonizar os sérvios, que até ao momento não disse uma palavra sobre a acção terrorista dos homens do UCK?


Atear o fogo separatista

Em vez de «mensagens», o que é necessário são «medidas enérgicas e concretas» para a protecção dos sérvios e das restantes comunidades não albanesas do Kosovo, como exigem as autoridades jugoslavas, defendendo «a deslocação urgente das forças militares e policiais jugoslavas, bem como pessoal aduaneiro, para o Kosovo e para as fronteiras com a Albânia e a Macedónia».
Também o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Igor Ivanov, sublinhou a necessidade do desarmamento imediato do UCK: «Nós prevenimos mais do que uma vez que a política de negociação com os extremistas e separatistas albaneses que continua a ser seguida pela NATO é portadora de consequências altamente prejudiciais».
Ora são justamente estas questões de fundo que tanto a NATO como a ONU parecem não ser capazes, ou não quererem, resolver.
A entrada no Kosovo de milhares de albaneses (incluindo marginais de toda a espécie) que nunca ali viveram; a efectiva ocupação do terreno pelas forças separatistas, que se arrogam inclusive o direito de fazer o seu próprio policiamentos das localidades e proceder a detenções sumárias de «suspeitos» de não partilharem a sua causa; a promiscuidade mais do que comprometedora entre dirigentes da UCK e responsáveis da ONU ou da NATO; as demoras na implementação de uma administração civil idónea; o não desarmamento dos diferentes grupos separatistas, são alguns dos factores que explicam o que se passa no Kosovo. Ao ignorar esta realidade, como ao ignorar que a região está agora de facto a ser sujeita a uma limpeza étnica - só a população de origem albanesa não se sente ameaçada, porque protegida pelo UCK e pela Kfor - a comunidade internacional limita-se a atear a fogueira separatista que diz pretender apagar.
A resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU reconhece o Kosovo como parte integrante da República Federal da Jugoslávia. No terreno, com massacres como o de Gracko, a Grande Albânia faz o seu percurso, com tudo o que de imprevisível daí pode resultar.


«Avante!» Nº 1339 - 29.Julho.1999