Vencer preconceitos
Por Jorge
Cordeiro
Membro da Comissão Política
Paira, nos mais elaborados comentários ou nas mais
simples notícias, uma aparente preocupação com os sinais da
redução da credibilidade da actividade e da função dos
políticos,
o afastamento progressivo da atenção dos cidadãos para outros
interesses e a sua inevitável tradução no aumento da
abstenção.
Assim como se
repetem as mesmas apreciações e análises invariavelmente
destinadas a passar ao lado das mais importantes razões que com
fundamento a podem explicar. Da generalização das
responsabilidades até à estafada insistência na reforma do
sistema político feita a pensar na alteração do sistema
eleitoral, numa curiosa e convergente corrente de opinião que se
destina a favorecer os principais responsáveis pelo número de
portugueses que tendem a descrer da política e da sua
orientação, ou seja, daquilo que todos os dias, tenham ou não
consciência disso, lhes molda as suas condições de vida.
É ver o retomar de teses com as do distanciamento do deputado
aos eleitores alegadamente com origem na forma de eleição e
não na ausência de correspondência entre o que se propôs e o
que posteriormente se fez. Ou como a mais recente teoria sobre a
falta de independência dos deputados face aos "directórios
partidários" para explicar decisões assumidas em sede de
órgãos de poder por este ou aquele partido, como se o pecado
residisse no respeito pelas orientações dos partidos que cada
um representa e não na mais reprovável falta de ética e
desrespeito para com os eleitores manifestados por esses
partidos. Tudo como forma de fugir à substancial razão que
explica que o que indigna e desacredita é a regularidade com que
alguns partidos e os respectivos deputados se prestam a fazer
exactamente o contrário do que antes prometeram, a facilidade
com que afirmam o oposto do que têm por intenção vir a fazer,
o à-vontade com que partem, sem cuidar de princípios, em busca
do voto fácil.
Pena que os que sobre a questão se manifestam preocupados não
vejam ou não queiram ver o que está tão próximo de observar.
Se o fizessem poupavam-se ao esforço de enveredar por tão
sinuosas quanto improdutivas explicações. E facilmente
encontrariam na atitude de quem produz e anima um certo tipo de
actividade política fundada no preconceito como obstáculo à
procura das alternativas e da diferença, na promoção do
acessório e no estimulo ao que é superficial como factores de
conquista rápida de apoios, a responsabilidade maior pelas
consequências cujas causas dizem querer combater.
Constatações
Nada mais oportuno,
para testemunhar o que atrás se disse, do que trazer para esta
página duas breves mas significativas passagens retiradas de
recentes textos de opinião de Eduardo Prado Coelho e José
Carlos Vasconcelos.
Escreveu o primeiro numa elucidativa confissão de quem fala do
que sabe, a propósito e em defesa do irrecusável vazio de
ideias que caracterizaram o desfile de vaidades que ocupou por um
dia a Convenção do PS, que "... sucede por isso mesmo
que o que poderia ter sido um não acontecimento se transformou
num acontecimento - o que estaria claramente na intenção dos
promotores".
O que descodificando se traduz nesta simples constatação:
assegurada que está a projecção de um "não
acontecimento" (entendido enquanto acto concebido não para
ter conteúdo mas sim para ser vendido), para quê desperdiçar
energia e gastar neurónios no debate sério dos problemas e na
procura de soluções? Ou dizendo de outro modo: se o estilo
"talk-show" televisivo se revela bastante para cativar
o eleitorado, para quê darem-se à maçada de fazer o esforço
de uma campanha assente no contacto directo, no esclarecimento e
no convencimento? Pelo que, para além de mais, uns shows
certamente já em encenação, uns quantos sacos e aventais de
plástico se afiguram bastante para os objectivos em vista.
J. Carlos Vasconcelos, por seu turno, na avaliação do
desempenho de cada um dos principais partidos políticos,
apresentava como razão para a dificuldade de afirmação do PCP
aquela que "... resulta de factores exógenos de uma
certa forma de comportamento dos media, que cada vez mais
privilegiando o espectáculo, a polémica, e as figuras da
socialite política, dão menos relevo à iniciativa comunista do
que a quaisquer outras".
Com esta contribuição, de quem também fala do que conhece,
talvez assim se perceba melhor esta dualidade de critérios que
permite aos outros repetir vezes sem fim as mesmas ideias sempre
apresentadas por quem as amplia como a mais recente das novidades
sem o risco de serem consideradas cassete como com o PCP sucede
quando reitera alguma proposta ou ideia cuja actualidade o exige;
que permite aos outros honras de primeira página ou directo
televisivo quando apresentam a mesmíssima proposta que o PCP
reiteradamente divulgou sempre na mais completa distracção (a
título de exemplo e apenas para avivar memórias, a redução do
preço dos combustíveis, o aumento das pensões de reforma, o
imposto sobre o movimento de capitais); que possibilita aos
outros rios de linhas e tempo de antena sobre os candidatos
indisponíveis ou os potenciais não candidatos às legislativas
em doses tais que não sobra o espaço para divulgar o conjunto
dos candidatos da CDU já apresentados por todo o País.
Ganhar consciência
Sem dúvida que a
abstenção e as razões que empurram o seu crescimento são um
factor de preocupação maior. A abstenção transporta, diluída
no frio dos números que a dimensionam em cada eleição, uma
expressão de forma de exclusão, de afastamento de
participação cívica e democrática, de abandono do uso de uma
arma que podia responder às fundadas razões de desmotivação e
descrença que as políticas de direita têm arrastado centenas
de milhares de portugueses e portuguesas. Na sua maioria, aqueles
que menos têm e com mais dificuldades vivem.
E por mais contraditório que se afigure, a abstenção é
invariavelmente em si mesmo uma forma de reacção e de atitude
que acaba por premiar precisamente aqueles que pelas suas
políticas, pelo desrespeito com os compromissos assumidos e pela
falta de transparência arrastam a política para as margens da
suspeição.
Tomassem em suas mãos, todos aqueles que têm encontrado na
abstenção o refúgio e forma de protesto, a determinação de
dar sentido pelo voto à expressão dos seu descontentamento e
vontade de mudança e naturalmente contribuiriam para ver
atenuados ou resolvidos muitos dos factores que os decepcionam e
lhes penalizam o seu dia-a-dia.
Ganhasse consciência, em todos quantos em muitos momentos
encontraram no PCP a força que ao seu lado os acompanhou e
defendeu nas suas lutas ou aspirações, que a atitude certa era
distingui-lo com o seu voto e apoio e não com a abstenção, e
as possibilidades de uma viragem à esquerda na política
nacional que lhes assegurasse o respeito pelos seus direitos, o
desejo de uma vida melhor e de justiça social porque ambicionam,
seria mais facilmente realizado.