A
Juventude e a Guerra
Por João
Amaral
Acaba de ser aprovada na Assembleia da República a nova Lei do Serviço Militar, que termina com o Serviço Militar Obrigatório e institui umas Forças Armadas portuguesas de base essencialmente profissional. Esta profunda mutação da natureza das Forças Armadas tem de ser olhada não só pelo conteúdo do modelo instituído, mas também pelo ângulo das causas que fundamentaram esta opção, e ainda pela óptica com que a juventude analisa as missões de que as Forças Armadas estão a ser incumbidas.
A nova Lei atinge o
seu objectivo essencial, de profissionalização das Forças
Armadas. Nalguns pontos, entretanto, a proposta do Governo PS foi
profundamente modificada. O PS levava tão longe quanto possível
a rotura entre as Forças Armadas e a juventude em geral. Na
proposta do PS, só os jovens que quisessem o contrato tinham
contacto com as Forças Armadas. Nada estava previsto para os
restantes jovens, que constituirão a esmagadora maioria da
juventude.
Este radicalismo socialista anti-Forças Armadas foi fortemente
atenuado. Por três vias. Primeiro, pela previsão de uma
operação geral de recenseamento militar, que a proposta do
Governo não fazia. Isto significa manter o recenseamento (a
fazer aos 18 anos) como um dever geral dos cidadãos, rapazes e
raparigas. É assim sublinhado o dever universal de defesa da
Pátria na componente militar.
A segunda via para minorar a rotura da ligação entre as Forças
Armadas e a juventude foi a instituição de um Dia da Defesa
Nacional, a cumprir a partir dos 18 anos por todos os jovens, de
ambos os sexos. Esse Dia consiste genericamente numa estadia numa
unidade militar, onde são apresentados os objectivos da Defesa
Nacional, bem como os princípios de funcionamento e
organização das Forças Armadas. Um pouco à semelhança do que
foi pretendido em França com o "rendez-vous, citoyen",
este Dia da Defesa Nacional permite mostrar o papel e
importância das Forças Armadas, e permite à juventude um
contacto mínimo.
O seu êxito ou fracasso vai depender do conteúdo das
actividades desse Dia, da sua qualidade cívica e capacidade
motivadora. Será importante o acompanhamento deste processo,
para defesa de um modelo que impulsione o seu êxito.
Uma terceira via de ligação é a criação do regime de
voluntariado de doze meses, alternativo ao regime de contrato. O
PS ainda tentou boicotar esta via, querendo caracterizar estes
voluntários como "contratados a um ano". Mas a lei
aprovada aponta para uma clara diferenciação. O voluntariado
funciona como garantia do exercício do direito a integrar as
Forças Armadas, como expressão do direito de defesa da Pátria.
Os voluntários podem concorrer ao regime de contrato, no termo
do ano. Mas, até, aí, não são contratados.
Apesar destas atenuações do citado radicalismo socialista, a
realidade entretanto é que elas não alteram o essencial: o
regime passa a ser o de Forças Armadas profissionais.
A assumpção desta realidade projectou-se na discussão na
especialidade, particularmente quando se discutiram as normas do
estatuto dos contratados. Em cima da mesa estavam as propostas da
ANCE (Associação Nacional dos Contratados do Exército).
Naturalmente, essas propostas visavam reforçar as garantias
profissionais dos contratados, melhorando o seu estatuto. O PCP
não podia deixar de apoiar activamente essas propostas, como
efectivamente fez, e com êxito (excepto quanto ao direito de
participação das associações de contratados, pois nessa área
nem o PS nem o PSD querem dar qualquer passo!).
A questão central
É interessante ver
algumas dessas propostas. Uma delas, visava dar garantias de
renovação do contrato, sem discriminações. Outra, visava
alargar a garantia de subsídio de desemprego, na cessação do
contrato (mesmo que antes do seu termo final). São propostas
para um claro estatuto profissional. É esta, pois, a realidade,
que daqui a quatro anos, no fim do período transitório, se
estenderá a todas as Forças Armadas (salvo se não houver
contratados em número suficiente, caso em que se regressa ao
SMO!).
Mas, como se chegou aqui? Só por eleitoralismo? Não. Esta
opção pela profissionalização radica, na óptica dos Governos
PSD e PS, numa razão estruturante quanto às missões das
Forças Armadas. De facto, o novo modelo das Forças Armadas
está a ser instituído em todos os países da NATO, com o mesmo
objectivo, de adaptar as Forças Armadas nacionais às
exigências decorrentes do Novo Conceito Estratégico da NATO
(resultante dos textos aprovados em 1991 e 1999).
Nessa nova conceptualização, as Forças Armadas integram
Forças multinacionais, subordinando a sua missão de Defesa
Nacional às missões NATO, designadamente às guerras como a
feita contra a Jugoslávia.
É por isto que no debate sobre o modelo de Forças Armadas, a
opção entre SMO ou Forças profissionais não é a opção
determinante. Sobre essa, há a opção essencial, entre Forças
Armadas eminentemente empenhadas na defesa da República ou
Forças Armadas inseridas no bloco NATO e preparadas
essencialmente para a projecção de força, em operações
externas, incluindo agressivas.
Ora, um dos temas que mais mobiliza a juventude é a condenação
das guerras, e a defesa da paz. Como pedir então à juventude
que aceite passivamente ser recrutada para esse tipo de missões
de guerra?
Por isso, o objectivo democrático essencial quanto às Forças
Armadas e à política de Defesa dever ser a sua recondução a
objectivos nacionais. Mesmo quando se trate já de Forças
Armadas profissionais.
Dir-se-à que defender o SMO é implicitamente defender a
renacionalização das missões das Forças Armadas. Mas, o que
hoje mais motiva largas camadas da população e da juventude é
a condenação da arrogância e do tipo de acções desenvolvidas
pela NATO, pelos Estados Unidos e pelos seus parceiros europeus.
É esta a questão central, deve ser nela que deve ser centrado o
debate político.