Demanda
do povo de Cuba
contra o governo dos EUA -1
Um conjunto diversificado de organizações sociais e de massas da República de Cuba que congregam a quase totalidade da população do país decidiu apresentar no tribunal de Havana, no final de Maio, uma demanda contra o governo dos Estados Unidos por prejuízos causados ao povo cubano.
Esta decisão radica num extenso conjunto de factos registados ao longo de quase quatro décadas, agora compilados e trazidos a público. Dado o inegável interesse desta documentação, testemunho do combate empreendido pelos EUA, sem olhar a meios, contra um país que se afirma soberano e independente, o «Avante!» inicia neste número a publicação das alegações que servem de base à acção judicial.
O libelo acusatório apresentado à justiça pelos advogados Juan Mendoza Diaz, Leonardo B. Pérez Gallardo, Magaly Iserne Carrillo e Ivonne Pérez Gutiérrez, em nome da Central de Trabalhadores de Cuba, Associação Nacional de Pequenos Agricultores, Federação de Mulheres Cubanas, Federação Estudantil Universitária, Federação de Estudantes do Ensino Secundário, Organização de Pioneiros José Martí, Comités de Defesa da Revolução, e Associação de Combatentes da Revolução Cubana, é uma verdadeira viagem pela história da resistência cubana face à criminosa política desenvolvida pelas sucessivas administrações norte-americanas contra Cuba.
Sabotagens, assassinatos, atentados, provocações, boicotes, sanções... estas as armas usadas pela maior potência mundial contra uma pequena ilha do mar das Caraíbas que um dia ousou derrubar a ditadura de Baptista, o leal servidor do imperialismo norte-americano que havia transformado Cuba num imenso bordel. Os EUA nunca aceitaram que no «seu quintal» florescesse uma Revolução. Ainda hoje o não aceitam. E ainda hoje cuba continua a resistir. O que não tem sido tarefa fácil, como os factos que a seguir se reproduzem bem elucidam.
Fundamentos da demanda
A demanda contra os EUA assenta nos seguintes factos:
Primeiro - Que
o triunfo da Revolução Cubana, em 1 de Janeiro de 1959,
significou para o povo de Cuba conquistar, pela primeira vez na
sua longa história de luta, a independência e a soberania
verdadeiras, após um saldo de mais de 20 mil mortos no combate
heróico e frontal contra as forças de uma ditadura militar
treinada, armada e assessorada pelo Governo dos Estados Unidos.
A vitória revolucionária em Cuba constituiu para os Estados
Unidos uma das mais humilhantes derrotas políticas na sua
existência como grande potência imperialista, o que determinou
que o conflito histórico entre ambas as nações entrasse numa
nova e mais aguda etapa de confrontos, caracterizada a partir
desse momento pela aplicação, por parte dos Estados Unidos, de
uma brutal política de hostilidade e de agressões de todo o
tipo, cujo fim era destruir a Revolução Cubana, reconquistar o
País e reimplantar o sistema de dominação neocolonial que
durante mais de meio século impuseram a Cuba e que
definitivamente perderam há mais de quarenta anos.
A guerra travada pelos Estados Unidos contra a Revolução
Cubana, concebida como política de Estado, ficou historicamente
demonstrada e é plenamente constatável através das múltiplas
informações que têm sido reconhecidas naquele país, nos
últimos tempos, onde se pode observar a existência de uma
variedade de acções políticas, militares, económicas,
biológicas, diplomáticas, psicológicas, propagandísticas, de
espionagem, a realização de acções terroristas e de
sabotagem, a organização e o apoio logístico a bandos armados
e grupos mercenários clandestinos, o estímulo da deserção e
da emigração e as tentativas de liquidar fisicamente os
líderes do processo revolucionário cubano, o que é demonstrado
mediante importantíssimas declarações públicas de autoridades
do Governo dos Estados Unidos, bem como das incontáveis e
irrefutáveis provas acumuladas pelas autoridades cubanas, e de
forma particularmente eloquente pelos inúmeros documentos
secretos revelados, pois embora nem todos fossem tornados
públicos, são mais do que suficientes para demonstrar
cabalmente tudo o que fundamenta esta demanda.
Um dos documentos que acompanhamos, para corroborar os factor
articulados, é conhecido como «Programa de Acção Encoberta
contra o Regime de Castro», já revelado, aprovado em 17
de Março de 1960 pelo presidente dos Estados Unidos, Dwight
D. Eisenhower. O segundo, conhecido como «Projecto Cuba»,
apresentado em 18 de Janeiro de 1962 pelo brigadeiro
Edward Lansdale às mais altas autoridades do Governo dos Estados
Unidos e ao Grupo Especial Ampliado do Conselho de Segurança
Nacional desse país, contém uma lista de 32 missões de guerra
encoberta que deveriam ser realizadas pelos departamentos e
agências envolvidas na chamada Operação Mangosta (Mongoose).
Todas as acções hostis e agressivas executadas pelo Governo dos
Estados Unidos contra Cuba, desde o triunfo da Revolução até
à data, provocaram enormes prejuízos humanos e materiais ao
povo, bem como incalculável sofrimento aos cidadãos deste
país, penúria face à carência de remédios, alimentos e
outros meios indispensáveis à vida, dos quais somos credores e
temos direito a obter com o nosso trabalho honrado. Isso
representou igualmente perigos constantes, em consequência da
subversão política e ideológica realizada, o que significou o
sofrimento constante, geral e injustificado de todo o povo,
prejuízo que também se caracteriza pela sua perdurabilidade e
quase inestimável dimensão, o que impede a sua quantificação
exacta e que para os efeitos da indemnização não incluímos
nesta demanda, embora não renunciemos a fazê-lo oportunamente,
por nos ajustarmos estritamente ao conteúdo da reparação de
dano moral que prescreve o Código Civil cubano, actualmente
vigente.
Segundo a prática internacional, os Estados Unidos são
responsáveis pelos danos e prejuízos causados pela sua conduta
e actos - tanto na ordem legislativa quanto na administrativa e
judicial - pela dos seus agentes e funcionários, (...) e, por
conseguinte, encontram-se no dever de reparar os danos e
prejuízos causados, o que universalmente é qualificado como
responsabilidade civil.
Por tudo isso, o Estado norte-americano, representado pelo seu
Governo, é responsável pelos danos e prejuízos causados às
pessoas naturais e jurídicas cubanas, pelos actos ilícitos
executados pelas suas agências, dependências, representantes,
funcionários ou pelo próprio Governo.
Segundo - Que
a recente revelação nos Estados Unidos do relatório do
Inspector-Geral da Agência Central de Inteligência (CIA), Lyman
Kikpatrick, elaborado em Outubro de 1961, em que se
analisam as razões do fracasso da invasão da Baía dos Porcos,
como lhe chamam os norte-americanos, revela que as operações
encobertas organizadas por Washington contra Cuba começaram no Verão
de 1959, algumas semanas depois da assinatura da Lei da
Reforma Agrária, em 17 de Maio desse ano.
No mês de Outubro, o Presidente Eisenhower aprova um
programa proposto pelo Departamento de Estado e pela CIA para
empreender acções encobertas contra Cuba, incluindo ataques
aéreos e navais e a promoção e o apoio directo a grupos
contra-revolucionários dentro de Cuba. Segundo o documento, as
operações deviam conseguir que a queda do regime
revolucionário parecesse o resultado dos seus próprios erros.
Naqueles dias, começaram a voar sobre o território cubano
pequenos aviões procedentes de território norte-americano, com
missões tais como a infiltração de agentes, armas e outros
meios, e a realização de acções de sabotagem, bombardeamentos
e outras acções terroristas.
Em 11 de Outubro
de 1959, um avião lançou duas bombas incendiárias sobre a
fábrica de açúcar «Niágara», na província de Pinar del
Rio. Em 19 de Outubro, mais duas bombas foram lançadas do
ar sobre a fábrica de açúcar «Punta Alegre», na província
de Camagüey. Em 21 de Outubro, um avião bimotor
metralhou a cidade de Havana, provocando vários mortos e dezenas
de feridos, enquanto outro avião lançava propaganda subversiva.
Em 22 de Outubro, foi metralhado um comboio de passageiros
na província de Las Villas. Em 26 de Outubro, dois
aviões atacaram as fábricas de açúcar «Niágara» e
«Violeta».
No mês de Janeiro de 1960, em plena safra da cana de
açúcar, multiplicaram-se os voos sobre os canaviais. Só no dia
21 foram queimadas 57.500 toneladas de cana na província
de Havana. No dia 30, perderam-se outras 5. 750 toneladas
na fábrica «Chaparra», na antiga província do Oriente, e no
dia 1 de Fevereiro foram queimadas 11.500 toneladas na
província de Matanzas. Mas apesar disso, os ataques não
pararam: em 21 de Janeiro, um avião lançou quatro bombas
de 50 quilos cada uma nas zonas urbanas de Cojímar e Regla, na
capital do País.
Em 7 de Fevereiro de 1960, um avião queimou 1,15 milhões
de toneladas de cana nas fábricas «Violeta», «Florida»,
«Céspedes» e «Estrela», em Camagüey.
Em 18 de Fevereiro, um avião que bombardeava a fábrica
«Espanha», na província de Martanzas, foi destruído no ar por
uma das suas próprias bombas. O piloto foi identificado como
sendo Robert Ellis Frost, cidadão norte-americano. A carta de
voo registava a partida do avião do aeroporto de Tamiami, na
Florida. Outros documentos achados no cadáver demonstravam que
em três ocasiões anteriores o piloto tinha realizado ataques
aéreos contra Cuba.
Em 23 de Fevereiro, vários aviões lançaram materiais
incendiários nas fábricas de açúcar «Washington» e
«Ulacia», na antiga província de Las Villas, e em Manguito, na
província de Matanzas. Em 8 de Março, outro avião
lançou material inflamável na zona de San Cristóbal e queimou
mais de 29 mil toneladas de cana.
Além das missões de bombardeamento, metralhamento e queimadas,
durante esta etapa produziram-se muitos voos sobre a cidade de
Havana e em quase todas as demais províncias do País, com o
propósito de lançar propaganda subversiva. Nos primeiros meses
de 1961 registaram-se dezenas de voos deste tipo. No
mencionado relatório de Lyman Kirkpatrick sobre a invasão da
Baía dos Porcos afirma-se que «na hora da invasão, tinham sido
lançados em Cuba mais de 6 milhões de quilos de panfletos» de
propaganda contra-revolucionária. No seu relatório, o alto
oficial da CIA descreve os passos que, a partir de Agosto de
1959, tinha começado a dar um grupo paramilitar dessa
instituição.
Isto é apenas uma amostra: a guerra encoberta contra Cuba tinha
começado com grande intensidade a partir do próprio ano de 1959.
Uma infinidade de acções hostis e agressivas, impossíveis de
enumerar detalhadamente, viriam nos anos posteriores.
O Inspector-Geral da Agência Central de Inteligência reconhece
que «de Janeiro de 1960, quando contava com 40 pessoas, a
16 de Abril de 1961, o Bureau aumentou para 588 pessoas,
convertendo-se num dos maiores grupos dos serviços
clandestinos». Referia-se ao centro da CIA em Miami dedicado às
actividades contra Cuba.
Terceiro: Passados quinze meses do triunfo
revolucionário, o banditismo armado foi projectado e finalmente
desencadeado pelo Governo dos Estados Unidos em quase todo o
País. Iniciou-se em 1960 com a Administração
republicana do Presidente Eisenhower e prolongou-se durante cinco
anos, até 1965.
A zona escolhida foi a região do Escambray, na antiga província
de Las Villas, que hoje compreende as províncias de Villa Clara,
Cienfuegos e Sancti Spíritus. Nesta zona, operou uma frente,
integrada por colunas e bandos, e um comando. Semanas antes da
invasão mercenária da Baía dos Porcos, 40 mil operários,
trabalhadores e estudantes da capital, com a cooperação das
forças da região central e dos camponeses e operários
agrícolas do Escambray, organizados em batalhões de milícias,
cercaram e neutralizaram totalmente este baluarte, que devia
cooperar com as forças invasoras, capturando centenas de
bandidos e reduzindo-os à sua mínima expressão naqueles dias
decisivos.
Esses bandos, organizados pela CIA, contavam com o apoio do
Governo dos Estados Unidos, que envidou os maiores esforços para
lhes enviar armas, munições, explosivos e aparelhos de
comunicação e logística geral, para o que empregou diferentes
vias como a aérea, a marítima e inclusive a via diplomática,
através da embaixada dos Estados Unidos em Havana, até ao
rompimento das relações, no começo de 1961.
A respeito disso, no mencionado relatório do Inspector-Geral da
CIA, reconhece-se, detalhadamente, o apoio logístico dessa
instituição aos bandos mercenários. Um exemplo disso é a
chamada Operação Silêncio, que consistiu na realização, pela
Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, de doze
operações aéreas, entre Setembro de 1960 e Março de 1961,
para fornecer com armas, munições, explosivos e outros meios
esses bandos, sobre os quais o autor do relatório refere: «No
total, aproximadamente 68.500 Kg de armas, munições e
equipamentos foram enviados por ar».
Em 29 de Setembro de 1960, um avião lançou armas sobre
as montanhas do Escambray, perto do Hanabanilla; em 7 de
Novembro, um avião lançou mais armas na zona de Boca Chica,
perto do povoado de El Condado, na serra do Escambray; em 31
de Dezembro, outro carregamento foi lançado na zona
conhecida por Pinalillo, entre Sagua e La Mulata, em Cabañas,
província de Pinar del Rio; em 6 de Janeiro de 1961, um
avião lançou 20 pára-quedas com armas, munições, explosivos
e meios de comunicação entre El Condado e Magua, em Trinidad,
província da Las Villas; no dia seguinte, 7 de Janeiro,
foram lançadas armas norte-americanas por um avião, entre
Cabñas e Baía Honda, em Pinar del Rio; em 6 de Fevereiro,
um avião lançou 30 pára-quedas com armas, munições,
explosivos, meios de comunicação e alimentos na zona de Santa
Lucia, em Cabaiguán, província de Las Villas; em 13 de
Fevereiro, mais 20 pára-quedas foram lançados de um avião
na zona de Naranjo, em Cumanayagua, Las Villas; em 17 de
Fevereiro, um avião lançou 13 pára-quedas entre San Blás
e o Circuito Sur, perto de La Sierrita, em Las Villas; em 3 de
Março, um avião lançou armas, munições e explosivos nas
zonas de Mamey e Charco Azul, ambas na província de Las Villas;
em 29 de Março, teve lugar outro lançamento de armas e
apetrechos na quinta Júpiter, município de Artemisa, província
de Pinar del Rio. Isto é, um total de mais de 70 toneladas de
armas enviadas por ar nesse período.