Reivindicações para 2000 em discussão na Administração Pública
Melhores serviços públicos
em vez de negócios privados


A alienação de responsabilidades do Estado prejudicou a estabilidade de emprego, não se traduziu em melhor qualidade dos serviços e até os tornou mais caros para os utentes, afirma a Frente Comum de Sindicatos, no projecto actualmente em discussão e cuja versão final deverá ser apresentada ao Governo em Setembro.

O texto de partida para a proposta reivindicativa comum dos sindicatos mais representativos dos trabalhadores da Administração Pública (e mais activos na defesa dos seus interesses e direitos) foi aprovado a 14 de Julho, na Cimeira da Frente Comum. Até meados de Setembro, é objecto de debate nas estruturas sindicais e locais de trabalho, voltando a reunir nova Cimeira para aprovar o texto final. Este será depois apresentado ao Governo e deverá constituir mais um motivo concreto para o debate político pré-eleitoral sobre compromissos, promessas e práticas governativas, mas também sobre o que deve ser o aparelho administrativo do Estado democrático.

Dignificar o trabalho

A «motivação e dignificação dos trabalhadores» são apontadas, logo na primeira afirmação do projecto, como indispensáveis para que haja «mais e melhor serviço público», pelo que «as necessárias medidas para que a Administração Pública corresponda às necessidades dos utentes devem ser adoptadas tendo em conta o quadro constitucional e respeitando os direitos dos trabalhadores, nomeadamente no que se refere a uma justa retribuição, ao direito à carreira e à estabilidade de emprego».
«Nos últimos anos», recorda-se no documento em discussão, teve lugar uma «ofensiva privatizadora do vínculo de emprego público e de áreas e serviços da Administração Pública», a qual «pôs em causa a estabilidade de emprego, não se traduziu em melhor serviço público e redundou, pelo contrário, em serviços mais caros para o utente».
Ao mesmo tempo, «o fenómeno do trabalho precário manteve-se em níveis preocupantes». Enquanto as actualizações salariais, no Estado, «situam-se invariavelmente abaixo da média da contratação colectiva do sector privado», «assistiu-se ao aumento do fosso entre o valor do índice 100 das careiras de regime geral e o valor do salário mínimo nacional». Sendo assim, «urge inverter esta espiral de degradação salarial» e «tomar medidas efectivas para, tal como foi prometido, se verificar uma aproximação à média dos salários europeus».
A negociação da proposta reivindicativa não se decide nas eleições de Outubro. Mas os trabalhadores da Administração Pública terão todo o interesse em reflectir sobre o que as forças políticas, os candidatos e os governantes vão dizer sobre o documento. Dos resultados das legislativas, afinal, também acabará por depender o andamento das negociações com o futuro governo.

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Prioridades

A caracterização do contexto político-laboral leva a Frente Comum de Sindicatos a apontar, como «prioritárias» para o processo negocial do ano 2000, seis questões: salários, pensões e fiscalidade; carreiras profissionais; defesa e estabilidade do emprego público; defesa dos serviços públicos; defesa de direitos; defesa do sistema de Segurança Social. São nestes seis pontos que se alinham as reivindicações comuns às centenas de milhar de trabalhadores da Administração Pública.
A Coordenadora da Frente Comum de Sindicatos, no texto aprovado a 14 de Julho, propõe que seja exigido um «aumento real dos salários», bem como uma «recuperação dos valores das pensões degradadas» e uma «redução da tributação sobre os rendimentos do trabalho». Nenhum trabalhador e nenhum aposentado deverá ter, no próximo ano, uma actualização inferior a 5 mil escudos. A definição dos salários deve considerar a evolução da inflação e da produtividade e a necessidade de aproximação à média salarial europeia; «no mínimo», defende-se no projecto, deve ser garantida uma actualização correspondente aos 7,5 por cento que hoje separam o índice 100 do salário mínimo nacional.
Entre as questões que, ao longo da legislatura, o Governo arrastou sem solução, o projecto refere, como exigências para o ano 2000, a regulamentação e aplicação do suplemento de risco, insalubridade e penosidade, e a integração do adicional de 2 por cento na grelha indiciária das carreiras ainda não contempladas.
No texto é feita uma severa crítica às alterações introduzidas no sistema de carreiras, as quais, «ao invés de resolverem anomalias, distorções e injustiças, vieram lançar a maior perturbação nas relações laborais» e causaram mesmo «injustiças relativas, de dimensões e consequências incalculáveis». No próximo ano e «embora com atraso», defende a Coordenadora, devem ser aceites as «propostas justas e realistas» que os sindicatos apresentaram desde 1998 relativamente ao sistema retributivo. Para todos os trabalhadores, propõe a estrutura dirigente da Frente Comum, deve ser reclamada a atribuição de dez pontos de valorização, sem prejuízo de outras medidas.
São propostas, para defesa do emprego e da estabilidade deste, duas exigências: a integração no quadro de todos os trabalhadores que, com vínculo precário, desempenham funções próprias que correspondem a necessidades permanentes dos serviços, seguida da «eliminação de todas as formas de vínculos e trabalhos precários».
As contratações em regime de contrato individual de trabalho são apontadas como processos de privatização dos vínculos laborais. O fim destes processos, tal como da privatização de serviços públicos, deve ser «regra essencial para criar emprego e melhor servir o cidadão». Ao Governo, «enquanto responsável pelo mau funcionamento dos serviços», deve ser exigido «que tome medidas de simplificação dos procedimentos e de facilitação da vida dos utentes, pondo o cidadão como a verdadeira razão de ser do Estado e o trabalhador da Administração Pública como um elemento essencial, a quem é preciso dignificar, para que os serviços passem a ser mais eficazes e bem vistos».


«Avante!» Nº 1341 - 12.Agosto.1999