Espectáculo de som e fogo de artifício
comemora os 25 anos do 25 de Abril


A noite de sábado vai terminar com um fabuloso espectáculo de som e fogo de artifício que pretende assinalar num ambiente de festa a passagem dos 25 anos do 25 de Abril, tema que, aliás, está presente na decoração de vários pavilhões e em numerosas iniciativas que se realizam este fim-de-semana na Atalaia.

Mas como não há festa que se preze que não tenha um bom fogo de artifício, ele aí está dedicado inteiramente ao aniversário da Revolução de Abril. Emblema e símbolo da luta e da alegria de um povo que conquistou a liberdade e a democracia, o 25 de Abril é também hoje sinónimo de festa popular que todos os anos se reedita e renova por esse país fora ganhando novos significados e expressões.
O espectáculo da noite de sábado será acompanhado terá uma banda sonora que inclui canções e textos da revolução. O fogo apoia-se numa tecnologia sofisticada que permite disparos digitalizados, garantindo-se assim uma grande precisão e sincronismo nas explosões.


Mistério, segredo e arte

Contra o que pareceria inteiramente lógico, a realidade a que menos se pode aplicar a qualificação de «invenção da pólvora» é o fogo de artifício!
No princípio está a descoberta há longos séculos e em diversificadas partes do mundo de que a combinação de determinadas substâncias em determinadas quantidades produziam misturas que, inflamadas a fogo ou percutidas por pancadas, deflagravam e davam origem a violentas expansões de gases. Isto é, explodiam. Ou, no mínimo, eram incendiários.
No essencial, conheciam-se elementos que produzem a mistura explosiva: o enxofre, o salitre e o carvão. A «invenção da pólvora» acabou, na verdade, a ser essencialmente a fixação técnica dos quantitativos estáveis da mistura. Em 215 dC o romano Sixto Júlio Africano escrevia uma fórmula muito próxima da rigorosa, mas seriam precisos quase mil anos para que em 1320 o monge alemão Bertold Schwartz consagrasse a combinação ideal.
Note-se contudo que entre a utilização dos explosivos com fins mais ou menos militares e com fins mais ou menos espectaculares surge uma diferença de tomo: sendo óbvio que os primeiros pretendem liquidar inimigos, os segundos pretendem divertir amigos. O que, em termos práticos, diminui na segunda a importância de explosão mortífera, mas lhe introduz a necessidade da cor espectacular.
Assim, enquanto na arte da explosão — isto é, na pirotecnia — militar a combinação de elementos da mistura visava essencialmente a violência da deflagração, na segunda introduzia-se a cor, os efeitos, as pequenas e grandes chamas ardendo e extinguindo-se em cascatas ou relâmpagos de luz. Na alquimia de mistura de elementos que explodiam, os artífices do fogo de festa acrescentaram às misturas explosivas os elementos que nelas asseguravam a cor. Depois de inventarem a pólvora, inventaram o fogo de artifício.
Durante séculos, essas misturas, todas essas combinações, todas essas experiências foram segredos bem guardados de artífices, investidos além do mais no misterioso e perigoso estatuto de lidarem com o retrato mesmo do Inferno: o fogo, o enxofre, o fumo, a explosão. Que os Homens gostavam afinal de, nas festas, trazerem à terra!
Só em 1883 apareceram os primeiros tratados de química pirotécnica. Até então, pirotecnia era mistério passado de mestre a aprendiz, de pai a filho — e sem grandes explicações, essencialmente com segredos cimentados tão só em ancestrais empirismos. E, sobretudo, os vértices do mistério, do segredo, da arte, eram a forma de produzir efeitos, de assegurar cores: de explodir em vermelho ou explodir em verde, de assegurar uma rosácea de formas ou uma cascata de luzes.
Em Portugal tudo se passou, naturalmente, perto da Europa que nos rodeia. O apogeu dos séculos XV e XVI conheceu as festas que tiveram os seus fogos de artifício, a Lisboa vieram artistas de todo mundo assegurar aos reis das Descobertas a cor festiva dos triunfos de então.
Decadência chegada, foi preciso esperar por Pina Manique para deixar memória no fogo de artifício para festejar o nascimento de D. Maria. Mas seria o século XIX e um italiano, Giuseppe Osti, que, instalado em Lisboa, faria entrar no quotidiano da nascente cidade burguesa o espectáculo tecnicamente elaborado, interiorizado em salas de espectáculo ou no Jardim Público, mas que de novo traria relâmpagos, explosões e cores às excitações dos lisboetas.
A partir de então, Portugal desenvolveu duas «escolas» pirotécnicas: a de Lisboa, sofisticada e teatral, elaborado em fogos próximos a que se chamariam «fogos presos», e a nortenha, minhota, que sobretudo introduziria pirotecnia da Espanha vizinha. Essa imagem do Inferno ali vivendo sobretudo no fascinante convívio da memória da festa profana com a romaria religiosa.

Porque o espectáculo de fogo de artifício tem uma característica quase única de um contundente peso humano: é rigorosamente irreprodutível. Ou aconteceu — ou não. Ou se viu — ou não. O que está na sua base, os minerais e combinações de que é feito, ou funcionaram — ou não. O que aconteceu nesse espectáculo é uma parte de tempo que não se repete nem volta atrás.
E depois, lida com o mais efémero dos bens essenciais do Homem: o fogo. Tão frágil a apagar-se quando é essencial, quanto aterradoramente destruidor quando não é desejado.

Na Festa do «Avante!» há, sem dúvida, um lugar para esse espectáculo. O do fogo — que o Homem dominou e com ele se fez. De artifício — porque até com esse fogo o Homem é capaz de criar beleza.


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999