Timor-Leste
O povo votou em massa


Vamos votar! Vamos todos votar! Não tenhamos medo! O futuro de Timor-Leste depende da nossa coragem e convicção do dia de hoje. Palavras de Xanana Gusmão, em mensagem ao povo timorense, pouco antes do início da votação sobre o seu futuro. Horas depois a ONU divulgava os impressionantes números da afluência às urnas, que atingiu os 98,6 por cento.
Dentro de uma semana, apenas, serão conhecidos os resultados. Mas a maciça participação no acto eleitoral é já uma vitória para a causa da democracia e da liberdade.

Mesmo que a relação entre o apelo de Xanana e os números entretanto divulgados não seja directa, a participação popular no referendo representa, em si, uma inequívoca afirmação da vontade do povo timorense de se fazer ouvir, de se afirmar enquanto povo e determinar o seu futuro. Apesar da insegurança. Da violência. Das ameaças, nem sequer veladas, por parte da Indonésia.
Vivem-se, neste momento, dias de incerteza. Mas também de grande esperança.
O líder pro-integracionista já fez questão de acusar a ONU de fraude eleitoral. Em véspera do acto eleitoral, o exército de Jacarta anunciava, num preocupante comunicado, que não poderia garantir a segurança pos-eleições, em particular no quadro de uma vitória independentista. Esta semana, como depois de conhecidos os resultados divulgados, muita coisa poderá ainda acontecer.
Findo o acto eleitoral, os timorenses, que votaram bem cedo, fecharam-se nas suas casas ou recolheram-se ao abrigo das montanhas e florestas. O medo está assim bem presente. Mas a determinação em participarem numa decisão fulcral para o seu futuro colectivo, não o está menos.
Vinte e três anos volvidos sobre a anexação pela Indonésia, nunca reconhecida pela ONU, com mais de 200.000 mortos (cerca de um terço dos habitantes), nada será igual. A participação maciça dos timorenses no referendo gerou uma situação nova e irreversível. Nada poderá apagar este momento histórico na vida de Timor-Leste.

Os números

Seis horas após a abertura das urnas, Karina Perelli, chefe da divisão de assistência eleitoral da ONU, classificava a participação na consulta eleitoral como «maciça e muito convincente, comparativamente a qualquer padrão internacional». Pelas 7,30 da manhã, nas filas de espera das secções de voto já estavam 50 por cento dos votantes registados.
Segundo os dados divulgados pela ONU, a participação no acto eleitoral atingiu os 98,6 por cento, tendo votado mais de 432.000 pessoas.
Algumas das 850 urnas instaladas em Timor-Leste registaram 100 por cento de afluência na consulta popular. A taxa de participação mais elevada, 99,5 por cento, registou-se no concelho de Ainaro, enquanto as mais reduzidas ocorreram nos concelhos de Manatuto (96,6 por cento) e Ermera (98,3 por cento), este último palco dos maiores incidentes registados no dia da votação.
A última urna a fechar - em Cassa, zona sul do concelho de Ainaro - foi uma das 32 urnas que fecharam depois da hora prevista, devido à suspensão da votação por acções de violência e intimidação.
A hipótese de fraude eleitoral, avançada de imediato pelos dirigentes integracionistas, foi entretanto liminarmente afastada pelo secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Marcolino Moco, que afirmou que as «condições do processo não levantam qualquer dúvida».

Entre a violência
e a esperança

A alegria e a relativa tranquilidade com que decorreu o acto eleitoral de segunda-feira foram entretanto manchadas com a morte de um funcionário timorense da UNANET, num ataque das milícias integracionistas da região de Ermera.
Dia 31, cento e quarenta pessoas, entre as quais quatro observadores portugueses, foram retidos na sede da UNAMET em Ermera, por elementos armados das milícias pro-indonésias. Fonte da missão de observadores portugueses disse explicitamente à Lusa que «a polícia não está a conseguir controlar a situação e não está a agir como deve». Nesse mesmo dia, um grupo de elementos de uma milícia pro-integracionista atacou uma residência e a sede de uma organização juvenil de Manila.
Factos recentes que vêm confirmar o papel das milícias, com o apoio indonésio, em todo este processo eleitoral.
Pouco antes do referendo, o chefe da Missão da ONU em Timor-Leste (UNAMET), Ian Martin, culpou as milícias integracionistas e a inactividade da polícia indonésia pelos confrontos que então tinham causado vários mortos em Dili.
Assim, três dias antes do referendo, faziam-se sentir graves problemas de segurança, não apenas em Dili, mas também nos concelhos ocidentais de Bobonaro, Covalima, Ainaro e Manufahi.
O chefe da missão da ONU, disse mesmo então que «a UNAMET tem constantemente afirmado que o maior problema no que diz respeito à violência durante a consulta popular, têm sido as falhas das autoridades indonésias em tomar acções concretas para controlar a violência das milícias».
A mesma denúncia foi feita pela Missão de Observadores Portugueses que sublinhou que «apesar dos anunciados acantonamento e desarmamento voluntários das milícias, relatos indicam que muitos membros de milícias circularam armados em Dili e usaram armas contra apoiantes da independência».
Dados esparsos sobre um clima de violência e intimidação que não impediu, entretanto, o povo de Timor-Leste de ir às urnas.
Um facto incontornável e que, em qualquer dos casos, em si comporta razões de esperança.
Para Ramos Horta, prémio Nobel da Paz e dirigente da resistência timorense, a perspectiva será a de uma vitória dos apoiantes da independência pois, «se o povo não quisesse a independência, então não teria ido em massa às urnas».
O dirigente da resistência prevê entretanto uma margem alta de votos nulos pelo facto de cerca de 60 por cento da população ser parcial ou totalmente analfabeta.

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CGTP saúda timorenses

A CGTP-IN dirigiu uma saudação ao povo de Timor no «histórico dia» em que, finalmente, exerce «o seu justo direito à autodeterminação, com vista a poder decidir do seu futuro».
Na saudação, divulgada à imprensa segunda-feira, a CGTP sublinha que a consulta popular constitui «uma grande lição de empenhamento político» do povo de Timor e refere as «enormes dificuldades e obstáculos colocados à livre expressão»da sua vontade.
«Desde a resistência das autoridades indonésias à aceitação dos acordos sob a égide das Nações Unidas; às dificuldades criadas ao processo de recenseamento; às limitações ao esclarecimento político durante a campanha eleitoral; às intimidações, agressões e mesmo assassinatos durante o processo e à própria liberdade de voto nas assembleias eleitorais, as forças anti-democráticas tudo tentaram para condicionar a consulta popular» - lembra a central sindical.
Neste quadro, a CGTP-In reafirma a sua solidariedade com o povo de timor e apela a toda a comunidade internacional, incluindo o Estado português e a ONU, para que «tudo façam para evitar acções que nos próximos dias tentem escamotear o sentido de voto das populações».


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999