Timor-Leste
O povo
votou em massa
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Mesmo que a
relação entre o apelo de Xanana e os números entretanto
divulgados não seja directa, a participação popular no
referendo representa, em si, uma inequívoca afirmação da
vontade do povo timorense de se fazer ouvir, de se afirmar
enquanto povo e determinar o seu futuro. Apesar da insegurança.
Da violência. Das ameaças, nem sequer veladas, por parte da
Indonésia.
Vivem-se, neste momento, dias de incerteza. Mas também de grande
esperança.
O líder pro-integracionista já fez questão de acusar a ONU de
fraude eleitoral. Em véspera do acto eleitoral, o exército de
Jacarta anunciava, num preocupante comunicado, que não poderia
garantir a segurança pos-eleições, em particular no quadro de
uma vitória independentista. Esta semana, como depois de
conhecidos os resultados divulgados, muita coisa poderá ainda
acontecer.
Findo o acto eleitoral, os timorenses, que votaram bem cedo,
fecharam-se nas suas casas ou recolheram-se ao abrigo das
montanhas e florestas. O medo está assim bem presente. Mas a
determinação em participarem numa decisão fulcral para o seu
futuro colectivo, não o está menos.
Vinte e três anos volvidos sobre a anexação pela Indonésia,
nunca reconhecida pela ONU, com mais de 200.000 mortos (cerca de
um terço dos habitantes), nada será igual. A participação
maciça dos timorenses no referendo gerou uma situação nova e
irreversível. Nada poderá apagar este momento histórico na
vida de Timor-Leste.
Os números
Seis horas após a
abertura das urnas, Karina Perelli, chefe da divisão de
assistência eleitoral da ONU, classificava a participação na
consulta eleitoral como «maciça e muito convincente,
comparativamente a qualquer padrão internacional». Pelas 7,30
da manhã, nas filas de espera das secções de voto já estavam
50 por cento dos votantes registados.
Segundo os dados divulgados pela ONU, a participação no acto
eleitoral atingiu os 98,6 por cento, tendo votado mais de 432.000
pessoas.
Algumas das 850 urnas instaladas em Timor-Leste registaram 100
por cento de afluência na consulta popular. A taxa de
participação mais elevada, 99,5 por cento, registou-se no
concelho de Ainaro, enquanto as mais reduzidas ocorreram nos
concelhos de Manatuto (96,6 por cento) e Ermera (98,3 por cento),
este último palco dos maiores incidentes registados no dia da
votação.
A última urna a fechar - em Cassa, zona sul do concelho de
Ainaro - foi uma das 32 urnas que fecharam depois da hora
prevista, devido à suspensão da votação por acções de
violência e intimidação.
A hipótese de fraude eleitoral, avançada de imediato pelos
dirigentes integracionistas, foi entretanto liminarmente afastada
pelo secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), Marcolino Moco, que afirmou que as
«condições do processo não levantam qualquer dúvida».
Entre a
violência
e a esperança
A alegria e a
relativa tranquilidade com que decorreu o acto eleitoral de
segunda-feira foram entretanto manchadas com a morte de um
funcionário timorense da UNANET, num ataque das milícias
integracionistas da região de Ermera.
Dia 31, cento e quarenta pessoas, entre as quais quatro
observadores portugueses, foram retidos na sede da UNAMET em
Ermera, por elementos armados das milícias pro-indonésias.
Fonte da missão de observadores portugueses disse explicitamente
à Lusa que «a polícia não está a conseguir controlar a
situação e não está a agir como deve». Nesse mesmo dia, um
grupo de elementos de uma milícia pro-integracionista atacou uma
residência e a sede de uma organização juvenil de Manila.
Factos recentes que vêm confirmar o papel das milícias, com o
apoio indonésio, em todo este processo eleitoral.
Pouco antes do referendo, o chefe da Missão da ONU em
Timor-Leste (UNAMET), Ian Martin, culpou as milícias
integracionistas e a inactividade da polícia indonésia pelos
confrontos que então tinham causado vários mortos em Dili.
Assim, três dias antes do referendo, faziam-se sentir graves
problemas de segurança, não apenas em Dili, mas também nos
concelhos ocidentais de Bobonaro, Covalima, Ainaro e Manufahi.
O chefe da missão da ONU, disse mesmo então que «a UNAMET tem
constantemente afirmado que o maior problema no que diz respeito
à violência durante a consulta popular, têm sido as falhas das
autoridades indonésias em tomar acções concretas para
controlar a violência das milícias».
A mesma denúncia foi feita pela Missão de Observadores
Portugueses que sublinhou que «apesar dos anunciados
acantonamento e desarmamento voluntários das milícias, relatos
indicam que muitos membros de milícias circularam armados em
Dili e usaram armas contra apoiantes da independência».
Dados esparsos sobre um clima de violência e intimidação que
não impediu, entretanto, o povo de Timor-Leste de ir às urnas.
Um facto incontornável e que, em qualquer dos casos, em si
comporta razões de esperança.
Para Ramos Horta, prémio Nobel da Paz e dirigente da
resistência timorense, a perspectiva será a de uma vitória dos
apoiantes da independência pois, «se o povo não quisesse a
independência, então não teria ido em massa às urnas».
O dirigente da resistência prevê entretanto uma margem alta de
votos nulos pelo facto de cerca de 60 por cento da população
ser parcial ou totalmente analfabeta.
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CGTP
saúda timorenses
A CGTP-IN dirigiu
uma saudação ao povo de Timor no «histórico dia» em que,
finalmente, exerce «o seu justo direito à autodeterminação,
com vista a poder decidir do seu futuro».
Na saudação, divulgada à imprensa segunda-feira, a CGTP
sublinha que a consulta popular constitui «uma grande lição de
empenhamento político» do povo de Timor e refere as «enormes
dificuldades e obstáculos colocados à livre expressão»da sua
vontade.
«Desde a resistência das autoridades indonésias à aceitação
dos acordos sob a égide das Nações Unidas; às dificuldades
criadas ao processo de recenseamento; às limitações ao
esclarecimento político durante a campanha eleitoral; às
intimidações, agressões e mesmo assassinatos durante o
processo e à própria liberdade de voto nas assembleias
eleitorais, as forças anti-democráticas tudo tentaram para
condicionar a consulta popular» - lembra a central sindical.
Neste quadro, a CGTP-In reafirma a sua solidariedade com o povo
de timor e apela a toda a comunidade internacional, incluindo o
Estado português e a ONU, para que «tudo façam para evitar
acções que nos próximos dias tentem escamotear o sentido de
voto das populações».