Brasil
Cem mil em Brasília
contra o governo


«Temos dignidade e vergonha. Viemos gritar para que nos oiçam os que governam o país nas costas do povo» - as palavras são de Vicente Paulo da Silva, presidente da Central Única de Trabalhadores, e expressam o sentir dos mais de cem mil brasileiros que na passada quinta-feira se manifestaram em Brasília contra a política do presidente Fernando Henrique Cardoso.

A manifestação, a maior realizada até agora contra o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi convocada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e dezenas de organizações populares, entre as quais a Central Única de Trabalhadores (CUT), principal central sindical brasileira com 8,5 milhões de filiados, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Vindos de todos os pontos do país, os manifestantes que integraram a «Marcha dos 100 mil» entregaram ao presidente da Câmara dos deputados, Michel Temer, uma carta com as principais reivindicações da oposição, bem como um abaixo-assinado com mais de um milhão de assinaturas exigindo a formação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as presumíveis ilegalidades ocorridas na privatização da companhia telefónica Telebrás realizada o ano passado e as possíveis responsabilidades de FHC no processo.
A iniciativa, que culminou dez dias consecutivos de manifestações anti-governamentais iniciadas com o protesto dos camponeses que permaneceram nove dias acampados na Esplanada dos Ministérios em repúdio pela absolvição dos três oficiais responsáveis pela matança do Eldorado do Carajás em que 19 pessoas perderam a vida e outras 69 ficaram feridas, reflecte bem o descontentamento popular face à profunda crise económica, social e política a que chegou o Brasil sob o governo de Henrique Cardoso.
Impedidos pelas barragens policiais de chegar até ao Parlamento - apenas uma delegação foi recebida na Câmara - os manifestantes concentraram-se junto da Catedral de Brasília fazendo ouvir os seus protestos. Após um minuto de silêncio em memória das vítimas de Carajás, os diversos oradores, apoiados pelas palavras de ordem da imensa massa humana, exigiram justiça, alteração radical da política económica do país e a demissão de FHC. As reacções do Governo não se fizeram esperar: a marcha foi qualificada de «golpista»; o ministro da Economia, Pedro Malán, apressou-se a dizer que a manifestação «não ia mudar em nada a política do país». Uma opinião não partilhada por Michel Temer, para quem a manifestação anti-governamental «é mais um alerta para a necessidade de mudança da política económica».
Luís Inácio Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), afirmou por seu turno que «se Fernando Henrique Cardoso avaliasse as pesquisas [sondagens] como negação à sua política e tivesse bom senso, quem sabe chegasse à conclusão que sair é melhor».
As últimas sondagens de opinião sobre o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso indicam uma taxa de rejeição popular superior a 60 por cento.
No Parlamento, onde apoiantes e críticos do executivo quase chegaram a vias de facto, a oposição defendeu a apresentação de uma moção de censura ao Presidente.
Também o governador do estado de Minas Gerais, Itamar Franco, antecessor de Cardoso no Palácio do Planalto, expressou o seu apoio a manifestação, afirmando que ela exprime a «consciência nacional».


Camionistas em greve

Os camionistas brasileiros entraram em greve na segunda-feira, por tempo indeterminado.
O movimento, que ameaça paralisar o transporte de mercadorias no país, pretende pressionar o governo federal a reduzir os preços nas portagens das estradas, suspender os aumentos do gasóleo, isentar os transportadores de alguns impostos sobre a circulação de veículos e transporte de cargas, e o aumento em 65 por cento dos valores dos fretes.
A greve foi anunciada pelo presidente do Sindicato «União Brasileira dos Caminhoneiros», José Natan Neto, segundo o qual a paralisação começou a fazer-se sentir no início da semana em várias regiões do Brasil, designadamente nos estados do Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
De acordo com José Araújo Silva, presidente da União Nacional dos Caminhoneiros, outra das entidades organizadoras da greve, a paralisação deverá prolongar-se por mais de uma semana.
Os dois sindicatos apelaram aos camionistas para não circularem e para manterem os veículos parados nas respectivas residências ou nos postos de abastecimento, de forma a não haver bloqueio de estradas.
Esta é a segunda paralisação de camionistas em menos de um mês. Em finais de Julho, uma greve idêntica promovida por diversas organizações sindicais paralisou o transporte de mercadorias praticamente todo o país, o que obrigou o governo a encetar negociações com o sector.


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999