Alemanha
Manifesto social-democrata
contra política de Schröder


Mais de três dezenas de deputados social-democratas e sindicalistas alemães divulgaram um documento que constitui uma profunda denúncia da orientação direitista e neoliberal em que Schröder e Tony Blair mergulharam a social-democracia europeia.

O desprezo de Gerhard Schröder pela vontade do eleitorado e do próprio partido, o SPD, é o tema que neste momento domina a imprensa e os restantes meios de comunicação social na Alemanha. O semanário «Die Woche» anuncia, a toda a largura da página, «O Outono do Chanceler», prevendo o seu declínio. O «Die Zeit», do qual é editor o antigo chanceler Helmut Schmidt, num artigo intitulado «O Chanceler sem ninguém», descreve Schröder como «uma figura do acabar com tudo e da tábua rasa, um self made man na terra de ninguém. Conseguiu fazer carreira contra o aparelho do SPD infringindo ostensivamente a disciplina e a lealdade. Não é possível imaginar-se que mostre mais respeito pela República Federal do que o demonstrado pela vaca sagrada do partido».
Neste contexto, sucedem-se os actos de revolta no seio do SPD contra a política do governo, como o documento iniciado por oito deputados social-democratas e neste momento já assinado por 34 membros daquele partido no Bundestag, entre os quais sindicalistas como o presidente do sindicato da construção civil, Wiesenhügel, e que constitui uma profunda denúncia da orientação direitista e neoliberal em que Schröder e Tony Blair mergulharam a social-democracia europeia.
Recordando que ainda não há um ano «a nossa mensagem foi uma mudança de política e não uma simples mudança de governo», os signatários constatam que «nos círculos eleitorais muitos dos nossos membros e eleitores se interrogam qual o caminho que a social-democracia pretende seguir, porque é que trabalharam tanto para ganhar as eleições, e receiam agora que não se verifique a mudança de política que esperavam».
Depois de afirmarem que «fica-se com a impressão de que um único telefonema de um empresário tem mais influência junto do governo do que os deputados da maioria governamental eleitos democraticamente», o documento passa à desmontagem da declaração Blair- Schröder, que aparece como o anúncio do «regresso à política de Kohl» e como «uma viragem neoliberal e de capitulação as social-democracia perante a tarefa hercúlea de combater o desemprego».


Tirar aos trabalhadores
para dar ao patronato

«Quando se oferece ao patronato um valor líquido de oito mil milhões e simultaneamente se retiram trinta mil milhões aos reformados, aos desempregados e ao investimento público está-se a continuar a falhada política de distribuição de rendimentos do governo Kohl... Os cortes na habitação social, que são apresentados como sendo necessários, não só destroem postos de trabalho como atingem os desalojados que não cessam de aumentar na Alemanha e que aumentarão ainda mais se o tal "necessário sector de baixos salários" tão louvado por Schröder e Blair continuar a expandir-se» - denuncia o documento. O texto prossegue sublinhando que «no "Programa para o Futuro" e nas recentes declarações do ministro da Economia é manifesta a falsa doutrina do neoliberalismo de que a subida dos lucros das empresas se traduz automaticamente num aumento dos postos de trabalho», afirmando depois «que o presidente do "New Labour" queira seguir a "via americana" não admira, mas que o mesmo caminho seja reafirmado pelo presidente da social-democracia alemã levanta sérias interrogações».
Segue-se uma pormenorizada análise dos erros do neoliberalismo e da globalização entendida como a «submissão de toda a sociedade e da política aos interesses do patronato», obrigando «todas as pessoas e o Estado a agirem de tal forma que os patrões se sintam bem e obtenham lucros fabulosos».
«Para a "terceira via" - prosseguem os signatários - o Estado não tem nenhum problema com as receitas mas apenas com as despesas. O sector privado tem de pagar menos impostos. Os serviços públicos têm de organizar-se como empresas. As dívidas públicas têm de ser banidas excepto quando se fazem em favor dos empresários. Esta visão submete toda a sociedade aos interesses da economia, reduz o Estado a um simples auxiliar dos interesses do capital e os cidadãos a uma massa de manobra que existe apenas para satisfazer as exigências do patronato».
O teólogo e deputado do SPD, Edelbert Richter, um dos iniciadores do documento, afirmava numa entrevista ao «Neus Deutschland» que os chamados «modernistas» não passam de «simples tradicionalistas anglo-saxónicos e neoliberais», e confirmava que o manifesto «conta com o apoio de 73 por cento da população e que não se pode modernizar desrespeitando séculos de cultura». Por sua vez, um outro signatário do documento, Uwe Hiksch, confirmava que apesar da oposição do governo, a maioria dos deputados social-democratas são pela reposição do imposto sobre as grandes fortunas, suprimido pela democracia-cristã de Helmut Kohl.


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999