A Talhe de Foice
Quousque tandem,
ó Jardim?!...


«A filosofia popular ensinou-me que cada um deve governar-se por si. A Madeira não vai descontar um tostão que seja para apoiar Timor».

Estamos, obviamente, a citar Alberto João Jardim, o presidente do governo regional da Madeira, que acrescentou, no mesmo enxurro proferido para os jornalistas durante a votação do referendo em Timor: «Quando digo que não estou para entrar nessas aventuras financeiras é porque Portugal anda a gastar dinheiro com países estrangeiros – dinheiro que faz falta ao contribuinte – e não obtém nada em contrapartida».
Posto isto, decretou:
«A Região Autónoma da Madeira não aceita ser minimamente penalizada por causa de políticas timorenses».
Dado o estatuto de ininputabilidade que, na prática, as afirmações de Alberto João Jardim continuam a gozar perante os titulares dos órgãos de soberania e os mais altos responsáveis dos poderes nacionais, apetece deixar em branco mais estas aberrações da criatura, quanto mais não seja porque ela, geralmente, as profere sob a mesma compulsividade que leva alguns psicopatas ao crime porque querem aparecer no telejornal.
Todavia, o assunto é demasiado sério para ser deixado em claro, ao contrário do que afirmou a dirigente do PS, Edite Estrela, que se escusou a comentar estas afirmações de Jardim porque não estava para
«perder tempo com declarações mesquinhas» nem com «questões menores». Contudo, já não considerou uma «questão menor» nem «mesquinha» os insultos recentemente proferidos contra António Guterres, a quem Jardim chamou «mafioso». Nessa altura, a dirigente do PS arranjou logo tempo para sair à estocada na defesa do líder. Enfim, a mesquinhez também se avalia pela recepção que tem....
Em primeiro lugar, e como Alberto João Jardim está farto de saber, quem desconta seja o que for são os portugueses – sobretudo os portugueses que trabalham e produzem por conta de outrém... -, cabendo ao poder central, e em nome de todos os cidadãos, aplicar o grosso dessas verbas nos interesses públicos e nacionais.
É em nome desses interesses que a Região Autónoma da Madeira recebe, desde e graças ao 25 de Abril, muitos e sempre crescentes milhões de contos/ano tirados do Orçamento de Estado para o seu desenvolvimento, cuja nebulosa gestão, aliás, tem sempre estado a cargo de governos regionais chefiados por Jardim.
Portanto, a «Madeira» que habita a cabeça deste homem como propriedade pessoal nunca «descontou» tostões para quem quer que fosse, tal como nenhuma outra parcela do território nacional o faz ou fará. Em contrapartida, a Madeira tem recebido (e bem) e vai continuar a receber (e bem) muitos milhões – de contos, não de tostões – tirados directamente da solidariedade nacional que Jardim, «ensinado» pela «filosofia popular», pelos vistos despreza.
O que João Jardim não despreza é o dinheiro dos contribuintes, de que fala como se ele estivesse depositado numa sua conta bancária. É essa, aliás, a linha mestra da sua pessoalíssima administração: gastar e esbanjar os dinheiros públicos a promover a ilusão de distribuir coisa sua.
Em segundo e último lugar, Jardim está muito longe de ser a Madeira, a Região Autónoma ou os madeirenses.
Quanto muito, é Alberto João Jardim, nome que não é pêra-doce de carregar...
Se Cícero desse agora uma volta pela velha Lusitannia, era limpinho e não tardava nada vê-lo a perguntar ali para os lados de S. Bento:
Quousque tandem, Jardim, abutere patentia nostra?
«Até quando, ó Jardim, abusarás da nossa paciência?». — Henrique Custódio


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999