A cada um a sua esquina


"Se o PS conquistar agora a maioria absoluta, estará consumada a derrota na luta pela liderança da esquerda..."
DN, 27/8/99, M.Bettencourt Resende in "O PCP na esquina da História"

Pela enésima vez, um enésimo analista voltou a pressagiar o declínio do PCP e da sua influência. Coube a vez ao director do DN. Não se sabe se por correspondência com algum intimo e profundo desejo, se para mostrar serviço, se para não destoar da corrente dominante que, nestes meios da chamada opinião, há décadas profetiza e decreta a derrota do PCP, o fim do comunismo, o termo da História. Nem o apurar da motivação será o que mais importa. Está no seu direito em insistir na tese as vezes que entender. Que o faça! Ainda que com o risco certo de se sujeitar ao desmentido que a vida e a luta deste Partido e a confiança que os trabalhadores nele depositam se encarregará de lhe dar. Pelo que a exemplo de tantos outros ilustres predigitadores o que se apresenta como seguro é que este Partido mil vezes condenado o há-de ver a ele e a alguns outros, não á esquina da História, mas à porta do Jornal que por ora dirigem.

Procurou o Director do DN, num notável exercício de raciocínio dedutivo, sustentar a conclusão com que sentencia o PCP numa prosa do tipo: - Se o PCP alerta que o risco maior para o prosseguimento da política de direita decorre de uma eventual maioria absoluta do PS, conquistada que seja pelo PS essa maioria, ficará assim consumada a derrota do PCP na «luta pela liderança da esquerda.»

Mesmo sem a mais leve esperança de que o que a seguir se escreverá possa influenciar o autor a rever o profundo exercício analítico que naquele texto concebeu, aqui se registam três breves anotações:
A primeira para fazer notar ao autor que em matéria de lideranças se há alguma que o PS possa ambicionar com fundadas razões e expectativa, forjada no irrecusável esforço de anos a fio, é o da liderança na condução da política de direita cuja eficácia tem sido objecto de inúmeros testemunhos de reconhecimento pelos principais benificiários. É esse o campo, o da política de direita, que o PS pode aspirar a liderar. Um campo onde chegou, não porque empurrado por alguém, mas pelos seus próprios pés e vontade e com indisfarçavel entusiasmo.
A segunda para sublinhar que, por mais que isso perturbe o cenário que mais convirá eleitoralmente ao PSD e ao PS e que por mais que isso incomode os que a todo o custo querem criar um quadro virtual de disputa eleitoral, é um facto que na presente eleição os partidos de direita não apresentam qualquer possibilidade credível de chegar ao poder. Pelo que, chamar a atenção dos eleitores para essa realidade é, não apenas um acto legitimo de esclarecimento e de informação, como também um factor que contribui para um voto mais livre daquela imensa carga de chantagem eleitoral alimentada pelo agitar do perigo da direita de todos quantos aspiram a uma viragem à esquerda.
A terceira para afirmar, por mais que isso não encaixe nos padrões maniqueístas de análise do director do DN, que o que move o PCP não é a procura de lideranças mas sim o da luta pela concretização de uma nova politica, de esquerda e oposta à que PS e PSD alternadamente vêm prolongando.
O que perante um quadro em que as possibilidades de acentuação da política de direita crescem na razão directa de um eventual reforço da expressão eleitoral do PS , o voto na CDU e o aumento da sua influência é a única forma de o impedir e de contribuir para a sua inversão. — Jorge Cordeiro


«Avante!» Nº 1344 - 2.Setembro.1999