Um dólar, um voto
Segundo o jornal britânico «The
Independent on Sunday», em notícia repercutida depois por
alguma imprensa nacional, as empresas privadas vão ter a
possibilidade de comprarem o direito de se encontrarem com os
chefes de Estado, ministros e negociadores participantes na
conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio
(OMC) que está prevista para a cidade de Seattle, nos Estados
Unidos, de 30 de Novembro a 3 de Dezembro.
Esta «oportunidade muito interessante» foi proposta pelo
comité da cidade organizadora, presidido por Bill Gates, e além
da Microsoft muitas dezenas de empresas transnacionais como a
General Motors, a Ford, a Procter e Gamble, a Hewlett Packard, a
Boeing, já teriam garantido o acesso à conferência da OMC em
função do montante da sua contribuição.
A OMC, fundada em 1995 e agrupando
actualmente 135 países, é a única organização que regula as
regras do comércio entre as nações e, por isso, os seus
acordos e decisões têm um profundo impacto ao nível económico
e político mundial.
Uma breve passagem de olhos por temas que vão estar em debate na
terceira conferência ministerial (o órgão máximo da
Organização) permite sem dúvida evidenciá-lo. A título
meramente exemplificativo refiram-se: a agricultura, acesso aos
mercados, direitos alfandegários, contingentes tarifários; os
investimentos; o comércio e a concorrência; o comércio
electrónico; o comércio de serviços; o comércio e o ambiente;
os produtos florestais e os produtos da pesca; o acesso aos
mercados de produtos industriais; a facilitação das trocas; os
mercados públicos; direitos de propriedade intelectual relativos
ao comércio.
É conhecido
que a OMC, de acordo com as orientações neoliberais, tem
funcionado como instrumento de domínio planetário do
capitalismo e de afirmação dos interesses dos países mais
ricos e das transnacionais.
Mas ao propor que estas empresas participem ao lado dos
representantes das nações na terceira conferência ministerial
da OMC e em função do montante da sua contribuição, o sempre
inovador presidente da Microsoft deu um salto conceptual que o
neoliberalismo ainda não assumira.
No desenvolvimento desta linha de raciocínio, não demorará
certamente a ser proposto que os órgãos de direcção assentem,
tanto ao nível mundial como ao nível nacional e local, em
entidades escolhidas segundo o princípio um dólar um
voto. O que representaria uma simplificação da vida
«política» e faria prosperar, como nunca, o mundo dos
negócios. Além de que dispensaria a complicação e sobretudo o
risco do apuramento democrático da vontade dos cidadãos e da
eleição dos seus representantes.
Os que já julgavam que o princípio «um homem um voto», herdado da democracia ateniense, constituía uma definitiva aquisição civilizacional, que se cuidem portanto. Edgar Correia