Timor

A vida retoma os seus direitos


Díli começa a ganhar vida, enquanto mãos criminosas ainda ateiam fogos e continuam a ser descobertos cadáveres carbonizados, paredes de casas destruídas manchadas de sangue.

Entre o terror ainda não completamente banido e a esperança que solidamente se afirma, Timor Lorosae vive uma transição difícil. Como pano de fundo, um problema maior - o drama dos timorenses deportados, na verdade impedidos de regressar, retidos entre Timor Ocidental e outras partes da Indonésia.
Outro problema, que está longe de ser negligenciável - as ambiguidades que marcam o próprio corpo de intervenção da ONU.
Questionado sobre quem manda hoje em Timor-Leste, se a INTERFET se o exército indonésio, o general Cosgrove mais uma vez não respondeu, limitando-se a elogiar a «boa colaboração» entre as duas forças.
Entretanto, os dirigentes das Falintil comentam, com indignação, que, se a INTERFET o permitisse, «em 24 horas limpávamos todo o território das milícias. Conhecemos o terreno, temos canais de comunicação com as populações, e encontrávamo-los facilmente».
As Falintil garantem aliás, para que dúvidas não restem, que só largarão armas «no dia em que não houver um único militar indonésio no território». O que deverá acontecer em Novembro, após a ratificação da desanexação pelo parlamento indonésio.
De momento, os grandes problemas centram-se na ajuda humanitária de emergência e na criação de condições de segurança adequadas.
Duas semanas depois de ter deixado Lisboa, a missão de Protecção Civil Portuguesa encontra-se finalmente em Díli. São 64 pessoas, entre bombeiros, médicos, enfermeiros, militares, um perito de telecomunicações e cozinheiros.
A missão conta colocar desde já em funcionamento o serviço de urgência do antigo hospital de Díli, com uma capacidade inicial de 20 camas. Instalações que foram saqueadas, mas não queimadas, e que estão de momento em fase de recuperação, com o auxílio dos timorenses.
Uma pequena achega num mar de dificuldades. Timor Lorosae é um país arrasado. Pouco resta de pé. Muita gente ficou sem lar. O resultado de uma deliberada política de terra queimada, que se vem somar à realidade de um povo de há muito a viver na miséria, na sequência do domínio colonial e da ocupação indonésia. EOque impõe, de par das indispensáveis ajudas, a recusa de quaisquer dependências.
Do outro lado da fronteira, em que se estão a posicionar as forças da INTERFET, numa operação que visa «restaurar a paz e segurança» para «apoiar operações humanitárias na região», desenrola-se em silêncio, o drama dos deportados.
O enviado especial da ONU a Timor-Leste, Ian Martin, informou o Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a preocupante situação em que se encontram os refugiados em Timor-Leste, de que o direito a regressar «deve ser estritamente garantido».
O enviado especial da ONU sublinhou também a necessidade de ajuda humanitária à população. Os primeiros alimentos já chegaram entretanto aos refugiados das montanhas, enquanto se verificam movimentos expontâneos de regresso a Díli.
A vida retoma os seus direitos.


«Avante!» Nº 1349 - 7.Outubro.1999