Nem piscar!
Com a campanha a entrar na ponta final, as forças
concorrentes acabam por reduzir a sua mensagem - como é de resto
compreensível -, à expressão mais simples, acentuando o que de
mais importante está em jogo e que condicionará, com a
formação de um novo governo, decorrente dos resultados
eleitorais de 10 de Outubro, a política subsequente do executivo
e as condicionantes a que ela irá obedecer, derivadas da
correlação de forças encontrada nas urnas.
Assim, para todos - menos, eventualmente para os mais pequeninos
cuja ambição se fica pela eleição de um deputado ou, menos
que isso, pela vertigem de «aparecer» e de subtrair votos à
esquerda -, o que está em causa é a questão que desde o
início está presente: vai o PS ou não vai conseguir uma
maioria absoluta?
Todos os principais partidos concorrentes fazem depender essa
eventualidade do seu próprio reforço em votos. O que é natural
e aritmeticamente fácil de compreender, pois cada voto a mais em
cada uma das forças que eleitoralmente se opõem ao PS vai
certamente ser encontrado entre os que, há quatro anos, foram
encher a votação socialista, no fundamental para arredar o
cavaquismo do poder e recusar-lhe nova maioria, absoluta ou não.
Por parte do PS, o seu reforço eleitoral é a única maneira que
o partido do Governo encontra para alcançar a tal «maioria
inequívoca», expressão equívoca que António Vitorino achou
para designar a maioria absoluta quando, nessa altura, era
escandaloso para os socialistas aparecerem a formular um desejo
assim.
Reforçar-se para alcançar a maioria absoluta e governar à
direita sem empecilhos - isto é, evitando a fiscalização e o
controlo democrático e reeditar o cavaquismo, desta vez em cor
de rosa - é o objectivo do PS. Quatro anos com maioria relativa
não o impediram de aprofundar a linha política neoliberal do
seu antecessor. Tratar-se-ia agora de adoptar-lhe o estilo. A
arrogância já lhe não falta. E se mais não fez de negativo, e
se algo se concretizou de positivo, tal deve-se ao facto de não
dispor na Assembleia da República do conforto esmagador da
maioria absoluta, o que permitiu à esquerda, isto é, ao PCP e
aos Verdes, que concorreram coligados na CDU, de exercerem uma
função legislativa a todos os títulos meritória em favor dos
interesses populares, dos trabalhadores e do País.
Quanto aos partidos da direita não é o fundamental da política
posta em prática pelo Governo de Guterres que os desgosta, de
tal modo os interesses do PS, PSD e PP coincidem no rumo. O que
os move são os interesses partidários e de clientela. Arredada
a hipótese de voltar a comandar o executivo, o PSD pretende
reforçar-se para influir mais fortemente na partilha do bolo e
constituir-se de novo em polo de alternância que tem vindo a
perder. Quanto ao PP, o seu reforço é condição indispensável
para combater a tendência ao desaparecimento que se vem
verificando ao longo dos últimos anos e ter também uma palavra
partidária a dizer no concerto e no consenso das medidas
antipopulares que um governo tome.
Se todos aparecem, globalmente, na oposição ao PS e à maioria
absoluta que este pretende, as razões que animam os opositores
não deixam de assumir diferenças profundas. De facto, no leque
de forças partidárias que advertem para os perigos de uma
maioria absoluta, só a CDU se revela com uma razão política de
fundo para pretender reforçar-se e para impedir que um governo
do Partido Socialista fique com as mãos livres para «pôr as
mãos em tudo». Os comunistas e os seus aliados, ao insistirem
nos perigos de uma maioria absoluta do PS, têm em vista os
malefícios que esta poderia proporcionar em termos de medidas
contra os direitos - principalmente os dos trabalhadores - e
favorecedoras da concentração capitalista e de subordinação
aos interesses estrangeiros, medidas que estes últimos quatro
anos, mesmo sem dispor de mãos absolutamente livres, Guterres
não deixou de perseguir, o que em si mesmo constitui uma forte
advertência a todos os eleitores de esquerda; ao insistir no seu
reforço e na necessidade de aumentar o número de deputados
comunistas na Assembleia da República, o PCP, coligado com Os
Verdes na CDU, não almeja apenas o seu crescimento eleitoral,
mas visa, com isso, ficar mais apto a influir nas decisões que
vierem a ser tomadas na política nacional. A sua postura e a sua
actividade, ao longo dos últimos quatro anos - para já não
falar da sua história, como partido sempre empenhado nas lutas
em favor da liberdade, da democracia e da justiça social - aí
está como exemplo para todos os eleitores de esquerda.
Por tudo isto, foi quase arrepiante ouvir Guterres convidar os
eleitores a «fechar os olhos» durante um minuto, para «verem»
se conseguiam imaginá-lo a usar uma maioria absoluta de má
maneira. Os numerosos exemplos que deu, durante os últimos anos,
mostraram à saciedade que não necessita dela para governar mal.
E que, com ela, governaria pior. Fechar os olhos? Nem piscar!
Leandro Martins