Corticeiros do Montijo em luta
Patrão afronta a lei impunemente


Os trabalhadores da unidade do Montijo do grupo corticeiro José Valério estão em luta contra despedimentos, salários em atraso e arbitrariedades impunemente cometidas pela entidade patronal.

O filme não se diferencia muito dos que têm sido rodados noutras empresas, espalhadas de Norte a Sul do País, em que surge, quase sempre, em primeiro plano, um patrão, com a ostensiva arrogância que lhe é permitida pela conivência do Governo e de quem tem por obrigação fazer cumprir as leis. A história é simples, mas não deixa de ser revoltante.
Nos finais do mês de Agosto, o patrão José Valério, argumentando falsamente com a escassez de encomendas, apresentou aos operários uma proposta que o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Corticeira do Sul rotula de vergonhosa: desvinculação com 50 por cento das devidas indemnizações, férias e outros direitos, a pagar em 6 prestações mensais, ressalvando, porém, que só garantia a entrega da primeira prestação. Caso os trabalhadores não aceitassem esta filantropia patronal, «não levam nada» – ameaçou ainda.
Ora, os corticeiros sabem que a empresa tem uma boa carteira de encomendas, até porque a qualidade da produção – revestimentos para chão e paredes, essencialmente – é da melhor que se encontra no País. Aliás, a Inspecção do Trabalho já passou por esta fábrica e fez um levantamento de várias irregularidades. Só que, como acontece em tantos e tantos casos, ninguém conhece até hoje se vai ou como vai actuar.
Entretanto, segundo o sindicato, alguns trabalhadores, «submetidos a grande pressão», viram-se obrigados a aceitar a referida proposta, «metendo assim mais uns milhões nos bolsos do sr. José Valério». Outros, sublinha Luís Guerreiro, daquela estrutura sectorial da CGTP, continuam a resistir, «exigindo trabalho e os salários que têm em atraso, ou as indemnizações consagradas na lei».

Atropelos

Os trabalhadores estão indignados com a arrogância do patrão, que até chegou a atirar com o seu Mercedes para cima de uma equipa de reportagem de uma estação de TV. «Nós não precisamos da presença da GNR, porque não somos arruaceiros, somos humildes, e se alguém precisa da autoridade é o sr. Valério, uma autoridade que o obrigue a respeitar a lei» - dizem os trabalhadores. «Vamos lutar com as nossas armas, que são o diálogo sem medo, porque temos a razão do nosso lado. Vamos lutar até ao pagamento integral dos salários em atraso!»
Já antes, um grupo de trabalhadores da empresa, num comunicado muito duro e frontal, perguntava ao sr. Valério: «Quem julga que nós somos? Os seus preservativos?» É que – reflectem eles – o patrão usou-os «com toda a segurança», tirou um «imenso prazer com os subsídios da UE que recebeu» e depois, «plenamente satisfeito e com os bolsos cheios», atirou-os para a «sanita como coisa inútil».
Os corticeiros sabem-se pobres, mas honestos e trabalhadores. Querem um «diálogo honesto e sem rasteiras» e exigem aquilo a que têm direito: dois meses de pré-aviso, vencimento de Setembro, o equivalente a um mês de salário por cada ano de trabalho na empresa e o fundo de desemprego. «É tudo quanto queremos, nem mais nem menos! E é por isso que vamos lutar até ao fim. Os nossos filhos merecem-no!»
Soubemos há dias, pela Imprensa, que vários patrões espanhóis tinham sido presos por desrespeitarem flagrantemente os contratos que haviam assinado com os trabalhadores. Por vezes, até a Espanha de Aznar nos parece tão longe! — José Augusto


«Avante!» Nº 1350 - 14.Outubro.1999