Timor

Reconstruir a partir
de
abaixo de zero


A chegada da época das chuvas poderá agravar ainda a difícil situação que se vive em Timor-Leste. Um factor mais a considerar num país devastado, onde uma boa parte da população se encontra doente e subalimentada, o regresso dos refugiados é um processo difícil que se deverá arrastar ao longo de meses, e as provocações e ameaças por parte das forças indonésias são ainda uma realidade.
Neste quadro, entretanto, o futuro prepara-se e a confiança frutifica.

Uma parcela importante do futuro imediato de Timor Lorosae tem vindo a passar, estes dias, por Melbourne e Jacarta.
Da capital indonésia vêm, sobretudo, mais ameaças. Os incidentes de domingo, entre militares indonésios e a Interfet, agudizaram uma situação de confronto. São óbvias as tentativas de o utilizar para criar novos obstáculos a uma pacificação e normalização da vida no território timorense. Assim, deputados indonésios apelaram ao governo para que apresente protestos formais junto das Nações Unidas e dirigiram-se mesmo às TNI (forças armadas indonésias) para «não hesitarem» em disparar contra as tropas da Interfet, sugerindo que os soldados internacionais terão entrado em Timor Ocidental.
O ministro da Defesa e chefe das forças armadas indonésias, general Wiranto, deslocou-se entretanto a Timor Ocidental, para «dar apoio moral às suas tropas» nestes dias reforçadas. E justificou, com um espantoso argumento - «desde o princípio que sempre tentamos construir a paz e não a guerra».
O incidente foi mesmo aproveitado para alimentar mais dúvidas quanto à data em que a recentemente formada assembleia nacional indonésia tenciona debater a ratificação dos resultados do referendo timorense, abrindo caminho à anulação do decreto que anexa Timor-Leste como a 27 ª província indonésia.
Tudo isto muito embora o próprio comandante militar indonésio no local ter reconhecido terem sido agentes de segurança do regime de Jacarta os primeiros a disparar. O que é inequivocamente confirmado por imagens então recolhidas por soldados australianos.
O incidente de domingo é o terceiro desde que a Interfet montou uma base na zona de fronteira, e durante os quais três milícias foram mortos, seis outros feridos e dois soldados australianos igualmente feridos.
De sublinhar que, apesar da presença da Interfet, soldados indonésios continuam estacionados em Timor-Leste, ainda que limitados aos seus quartéis e a alguns edifícios, incluindo a sede da empresa de telecomunicações, a Telkom, e a empresa eléctrica.
Os soldados têm impedido os técnicos da Unamet e da Interfet de entrarem nesses locais, para tentarem restaurar os serviços de telecomunicações e parte dos serviços eléctricos para a cidade de Díli.

Sinais de esperança

É de reconstrução e de recuperação que hoje se trata. A partir do «abaixo de zero», segundo a expressão utilizada por Xanana Gusmão.
Em Melbourne, na Austrália, o dirigente timorense foi aclamado por milhares de pessoas, que o ouviram prometer que a futura República de Timor Lorosae «nascerá em breve das cinzas da nossa devastada terra natal».
Falando durante um encontro com homens de negócios, sindicalistas e jornalistas, Xanana Gusmão disse que Timor-Leste «poderá muito bem ser a primeira nova nação do século XXI», depois de ter «esperado demasiado tempo para nascer».
Mas para isso acontecer, sublinhou o presidente do Conselho Nacional da resistência Timorense (CNRT), os timorenses necessitam da ajuda da comunidade internacional para garantir a segurança no território e o regresso de milhares de pessoas dos «campos de concentração» do lado ocidental de Timor.
Os timorenses necessitam de «comida, medicamentos, roupas e abrigos», disse Xanana, sublinhando que o governo indonésio tem de colaborar com a ONU no desarmamento das milícias e «libertar os reféns em Timor Ocidental».
Além disso, salientou ainda, os timorenses precisam dos meios necessários para reconstruir a sociedade civil e o país em si, porque as cidades e vilas foram queimadas e o povo perdeu os seus haveres.
«As qualidades de resistência, coragem e disciplina do nosso povo não são suficientes para a nossa nação ser próspera», notou Xanana Gusmão, referindo que o «desenvolvimento sustentado a longo prazo» exige uma «boa governação» e investimentos.
Nesta difícil fase de transição, a urgência está em tentar salvar as vidas ameaçadas pela fome, pelas doenças, pelas possíveis epidemias que as chuvas poderão agora causar, pelo cativeiro nos campos de Timor Ocidental.
No terreno, vão-se tentando construir as respostas. As agências médicas não governamentais estão a preparar planos de contingência alargados para combater possíveis epidemias. Organizações como a OMS (Organização Mundial de Saúde) apostam na recomposição das infra-estruturas médicas e hospitalares e infra-estruturas básicas «para não agravar as condições de saneamento e de higiene». As equipas médicas da missão portuguesa têm vindo a atender, em Díli, uma média de 200 pessoas por dia. A CARE, organização humanitária internacional, tem vindo a distribuir abrigos para a chuva, devendo seguir-se, nas semanas seguintes, a distribuição de materiais de construção para auxiliar as populações na reconstrução das suas habitações.
Sexta-feira passada começou o plano de repatriamento do ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Um trabalho que se deverá prolongar por vários meses, para que os cerca de 250 mil timorenses deslocados na região fronteiriça de Timor-Ocidental regressem a Timor Lorosae. Acção que se desenvolve em circunstâncias particularmente difíceis, pois nestes campos as milícias anti-independentistas continuam a circular impunemente.
Neste próximo sábado, em Darwin, irão reunir-se as cúpulas do CNRT. Estarão em discussão, para além da estrutura do Conselho da Resistência face ao novo estatuto do território, a preparação da futura administração e debates sectoriais sobre as principais questões do futuro país.
Num país hoje em ruínas, é o futuro de Timor-Leste que está em construção.

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Quinze de acordo
sobre ajuda suplementar

Os quinze chegaram a acordo, esta segunda-feira, no Luxemburgo, sobre o mecanismo que vai levar à aprovação de um apoio suplementar à Unamet (missão de assistência das Nações Unidas) de 1,4 milhões de contos.
Esta verba corresponde a 20 por cento do montante pedido pelas nações Unidas, para cobrir o prolongamento do mandato da Unamet até 30 de Novembro.
O dinheiro será utilizado pela Unamet, sobretudo na fase inicial da criação de uma administração civil de Timor-Leste.
No texto das conclusões da reunião, «o Conselho de Ministros dos Quinze instou o parlamento indonésio a cumprir as obrigações decorrentes do acordo celebrado em 5 de Maio de 1999 entre a Indonésia e Portugal e a respeitar a vontade expressa pelo povo Leste-timorense na consulta popular de 30 de Agosto, a fim de que a Indonésia desfaça formalmente os seus laços com Timor-Leste».
Os responsáveis pela diplomacia da UE pedem também às autoridades de Jacarta que cooperem com as organizações de ajuda humanitária internacionais na transferência para Timor-Leste de todos os refugiados e deslocados timorenses que se encontram espalhados pela Indonésia e sobretudo na parte ocidental da ilha.
O Conselho de Ministros adoptou ainda formalmente, e sem debate, um regulamento comunitário, já aprovado politicamente em 16 de Setembro, que proíbe durante seis meses o fornecimento á Indonésia de equipamento susceptível de ser utilizado na repressão interna ou terrorismo.
Entretanto, em Bratislava, a Federação Europeia dos Partidos Verdes aprovou, por unanimidade, uma moção apresentada pelo Partido Ecologista «Os Verdes».
Por proposta deste movimento ecologista português, os membros da Federação acordaram, nomeadamente, em promover uma campanha com vista a ajudar a reconstrução do território de Timor-Leste.

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Resistência timorense
em reunião da ACP / UE

O reconhecimento do futuro Estado de Timor-Leste e a criação de um tribunal internacional para os crimes cometidos no território, estiveram esta semana em debate entre os oitenta e seis países participantes na 29 ª reunião da Assembleia Paritária ACP / UE, que hoje termina em Nassau, nas Bahamas.
Ao debate e consequente aprovação da declaração final assistiu uma delegação da resistência timorense, presente na Assembleia Paritária na sequência de um pedido feito pelo eurodeputado comunista Joaquim Miranda ao co-presidente deste fórum.
Ao longo de quatro dias, os participantes da Assembleia Paritária ACP / UE, que reúne deputados do Parlamento Europeu e parlamentares de países de África, Caraíbas e Pacífico, puderam apreciar ó documento resultante das cinco propostas de resolução preparadas pelos diferentes grupos políticos representados no PE.
Para além do reconhecimento e do consequente «rápido estabelecimento» de relações diplomáticas com o futuro Estado de Timor-Leste, os membros da Assembleia ACP / UE propuseram a rápida adesão do novo país à Convenção de Lomé e a previsão dos «meios orçamentais necessários» para, em estreita colaboração com o Conselho nacional de Resistência Timorense (CNRT), proceder à «reabilitação e reconstrução» do território.
Paralelamente, a declaração final sublinha a necessidade de «garantir imediatamente» o regresso dos refugiados em Timor Ocidental e insistir na urgência de acelerar e tornar mais eficaz a distribuição de ajuda humanitária, por forma a que possa chegar a toda a população de Timor-Leste.

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Livro dedicado a Timor
na feira de Frankfurt

Um livro dedicado a Timor-Leste com poemas de autores portugueses foi apresentado em Frankfurt, terça-feira, véspera da abertura da Feira do Livro.
«Timor - O dever de falar», é o título deste livro, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), e destina-se a ser vendido essencialmente em Portugal. O resultado das vendas dos cinco mil exemplares impressos reverterá a favor da reconstrução do território.
A obra, que tem um texto introdutório da autoria do Presidente da República, Jorge Sampaio, inclui poemas de José Agostinho Batista, Sofia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Nuno Júdice, Jorge Lauten, José Tolentino Mendonça, Fernando Passos, José Cardoso Pires e António Manuel Couto Viana.
Ña Feira do Livro de Frankfurt, que decorre até 18 de Outubro, Portugal estará representado num pavilhão de 400 metros quadrados e, dentro dele, Timor-Leste terá uma área própria decorada com artesanato típico, onde estarão disponíveis livros sobre o território.


«Avante!» Nº 1350 - 14.Outubro.1999