Fiasco da União Europeia
na «operação sérvia»


Os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE) convocaram os representantes da «oposição democrática» sérvia para uma reunião no Luxemburgo, na segunda-feira passada. O objectivo era montar um espectáculo para mostrar o «isolamento» do regime de Slobodan Milosevic e estimular as acções dos que o combatem. A iniciativa foi um fiasco: a maioria dos convidados sérvios preferiu ficar em casa.

No seu afã de intervir nos assuntos internos da Sérvia, os responsáveis pela diplomacia dos Quinze perderam há muito não só o sentido das conveniências como, sobretudo, o mais elementar respeito pelos princípios democráticos que dizem defender. Para a reunião no Luxemburgo, os ministros elaboraram um documento para o qual não acharam necessária a participação dos principais interessados - os políticos sérvios -, e que pretendiam ver subscrito sem discussão e sem alterações. Os sérvios, que no domingo ainda nem sequer sabiam o teor da reunião para que estavam convocados, não gostaram. Como também não gostaram que o «apoio» da UE à sua causa tivesse como moeda de troca o compromisso de cooperarem com o Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, nem que o levantamento do embargo de petróleo se limite a dois municípios governados pela oposição.
Divididos, sem capacidade para encontrarem uma plataforma comum de pensamento e acção, sem conseguirem mobilizar as massas para a vaga de fundo com que todos sonham para derrubar o governo eleito sem terem de enfrentar o veredicto das urnas, os partidos da oposição sérvia tiveram desta vez a lucidez suficiente para não alinharem numa manobra que arriscava desacreditá-los ainda mais aos olhos do seu próprio povo.

«Energia e democracia»

Com o Inverno à porta, será difícil convencer os sérvios de que o embargo de combustível a que o país está sujeito serve ao reforço da democracia, sobretudo quando se virem discriminados por terem tido a ‘ousadia’ de escolher democraticamente os seus representantes autárquicos ao arrepio das preferências políticas da União Europeia. Também não será fácil convencer a população de que a falta de apoio da UE à reconstrução do seu país devastado pelas bombas da NATO é um prestimoso contributo para o progresso político e social.
Ora é justamente isso que os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Quinze defendem, embora não de uma forma unânime. «Energia por democracia» é o provocatório nome dado à operação de fornecimento de produtos petrolíferos de aquecimento a duas cidades da Sérvia controladas pela oposição ao regime de Belgrado, Nis e Pirot. A iniciativa visa fornecer 25 000 toneladas de gasolina e 1 000 de gasóleo às duas cidades, o que representa um investimento de escassos cinco milhões de euros (um milhão de contos).
Segundo a proposta, a UE encarregar-se-á de encaminhar os produtos petrolíferos até à fronteira entre a Sérvia e a Bulgária, da qual ficam próximas as duas cidades, cabendo a responsabilidade do fornecimento e da distribuição dos produtos às autoridades municipais. É curioso assinalar que, apesar de continuar a fazer a diabolização do governo sérvio, a UE está «confiante», segundo um porta-voz da Comissão citado pela Lusa, «em que as autoridades sérvias não bloquearão» os comboios de aprovisionamento.
O levantamento total do embargo aos produtos energéticos, defendido por alguns dos Quinze, tem a oposição cerrada do Reino Unido e da Holanda, que alinham nesta matéria com os EUA. O mesmo sucede em relação à proibição de voos civis para território sérvio.


«Avante!» Nº 1350 - 14.Outubro.1999