Sahara Ocidental
Marrocos aumenta repressão


A situação nos territórios ocupados do Sahara Ocidental agrava-se de dia para dia. O mês de Setembro foi marcado por várias manifestações de saharauis e confrontos com as milícias marroquinas e a polícia de Rabat. A Representação da Frente Polisário em Portugal fala em «uma das mais cruéis matanças e repressão» levadas a cabo por Marrocos.

Uma delegação marroquina que visitou os território ocupados no fim do mês passado veiculou uma opinião no mesmo sentido, manifestando a sua indignação pelas acções dos agentes do Ministério do Interior, do exército e das milícias. A delegação era dirigida pelo general Hasni Bem Esleiman, responsável nacional pela Polícia, e pelo director do Gabinete do rei Mohammed VI para a questão saharaui.
Jalihena Ould Rachid, antigo ministro responsável pelo Sahara Ocidental, acusou os responsáveis do dossier pela grave situação que se vive, mas a Frente Polisário sublinha que esta «não é mais do que um prolongamento da sua política de mão dura dos anos anteriores».
A Frente Polisário questiona ainda sobre as verdadeiras intenções destas acções. «Interrogamo-nos sobre se esta repressão sanguinária levada a cabo pelo ministro do Interior, Dirss Basri, através das suas milícias, dos seus verdugos e dos militares era necessária para acalmar as marchas e manifestações de protesto por parte dos cidadãos saharauis ou se é apenas uma mensagem clara dirigida ao novo rei, Mohammed VI, de forma a lhe recordar a importância e capacidade de Driss Basri na estabilidade ou instabilidade de Marrocos, em especial numa altura em que fala da substituição do ministro por uma comissão encarregada do dossier de Sahara Ocidental.»
A organização humanitária Nizkor responsabiliza as autoridades marroquinas por estes acontecimentos, acusando-as de fomentar a violência junto dos colonos, na sua maioria recrutados entre a população marginal e transferidos pelos serviços de inteligência.
A Nizkor chama a atenção para o facto de, nos dias anteriores aos motins, terem sido transferidas durante 48 horas discretas unidades de forças anti-motim. Fala ainda na utilização dos veículos da Minurso (as forças das Nações Unidas) por membros do exército marroquino.
«É evidente que esta campanha de terror responde à necessidade de Marrocos de instrumentalizar a situação, de forma a que o referendo de auto-determinação não se concretize», considera a organização de defesa dos direitos humanos.
A Nizkor pede a realização de uma investigação imparcial com o objectivo de identificar os responsáveis pelas operações marroquinas e apela à Minurso que adopte todas as medidas necessárias para proteger a população civil.

Os acontecimentos

No dia 22 de Setembro, cidadãos saharauis manifestam-se em Aaiún, denunciando a intervenção de Marrocos e exigindo a abertura do diálogo sobre os desaparecidos e a libertação de prisioneiros políticos. A repressão policial não se faz esperar, tendo-se registado dois mortos e dezenas de feridos e desaparecidos.
A 27 de Setembro uma nova manifestação tem lugar. As milícias marroquinas respondem e, armadas de facas e paus, assaltam casas, lojas e incendiam algumas empresas de propriedade saharaui, sempre com a colaboração da polícia marroquina.
Os saharauis reagem, incendiando automóveis da polícia e de dirigentes marroquinos. As forças de Rabat reforçam o cerco nas cidades saharauis ocupadas com novas forças militares.
No dia seguinte verificam-se confrontos de cidadãos saharauis com a polícia e as milícias. Enquanto estava a filmar os acontecimentos, um membro da ONU foi objecto dos ataques das forças ocupantes, que ignoraram tanto a sua nacionalidade como a sua missão. Nessa noite é decretado em todas as cidades ocupadas o recolher obrigatório.
No dia 29, novos confrontos. A polícia usa novos meios: armas de fogo e bombas lacrimogéneas.

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Reforma do Estado à vista em Rabat

O rei Mohammed VI de Marrocos, no poder há dois meses, sublinhou a necessidade de separar os poderes legislativo, executivo e judicial, num discurso proferido na abertura solene da sessão autónoma do Parlamento.
«A nossa firme convicção é que o fundamento da democracia se baseia na separação de poderes e na instauração de um equilíbrio entre eles», defendeu o monarca, na sexta-feira.
A concretizar-se, uma reforma deste tipo significaria a limitação das funções do rei, que interfere nos três poderes do Estado, nomeadamente ao presidir ao Conselho de Ministros (executivo), ao emitir decretos reais (legislativo) e ao presidir ao Tribunal Supremo (judicial).
Mohammed VI elegeu como «problemas urgentes» o emprego e o ensino. As taxas são assustadoras em ambas as áreas. Por um lado, mais de metade da população adulta é analfabeta e a percentagem de crianças inscritas na escola é baixa. Por outro, o desemprego afecta pelo menos um quinto dos marroquinos.
«É necessário generalizar a escolaridade e facilitar o acesso a todas as camadas da população», afirmou, anunciando que o ensino primário passará a ser gratuito, bem como o secundário para as famílias pobres.
O monarca prepara-se para abrir a economia marroquina à iniciativa privada e aos investimentos estrangeiros, tendo pedido aos órgãos legislativos que ponham em marcha «os instrumentos jurídicos que constituam uma alavanca para a acção social e uma ferramenta para favorecer o arranque económico». Mohammed VI dirigiu-se aos jovens, encorajando-os a contarem menos com o Estado e a «bater sem complexos à porta de sector privado».


«Avante!» Nº 1350 - 14.Outubro.1999