Motes &
Voltas
Notas
breves da campanha
Com a melopeia eleitoral ainda nos ouvidos,
as ondas de tantas emoções vão-se perdendo nas pequenas
rotinas e a vida retoma o seu ritmo.
O pano desceu, a cena mudou.
Os problemas reais do nosso tempo, e não a representação que
deles fizeram, aí estão, exigindo soluções eficazes e não
meros exercícios verbais ou promessas ilusórias.
1. Claramente, o truque do Primeiro-Ministro ao
pretender confundir confiança política e confiança pessoal
não passou. É um momento de antologia esse, em que Guterres
interpelou o eleitorado: "Fechem os olhos, abram os olhos,
olhem para mim: acham que eu..."
Não eram as pessoas e a suposta bondade das suas intenções mas
as propostas políticas que estavam a ser julgadas. Dizia
Barroso, nesta onda: "Darei 300 contos a cada agricultor. Se
não cumprir, vou-me embora...".
Esta excessiva personalização da política, a tónica na
crença mais do que na compreensão, conjugam-se bem com a forma
como os acontecimentos são hoje mediatizados - a exploração
ávida dos sentimentos, o empolamento das emoções, a crescente
manipulação da afectividade.
Certamente, os leitores já repararam na busca insistente das
lágrimas em primeiro plano, na exposição continuada da dor
humana, na pergunta recorrente dos jornalistas, que não
questionam "o que pensa de...?", preferindo antes
"o que sentiu quando....?".
O território da racionalidade, onde se analisa, onde se
pergunta, onde se debate, onde se constróem soluções, tende a
diminuir na comunicação social globalizada.
2. O problema dos direitos de quem trabalha veio
para esta campanha pela voz de Carlos Carvalhas e da CDU. Mas as
principais candidaturas preferiram ignorá-lo. Não chegaram a
inventar truques e promessas. Simplesmente ignoraram.
Ignoraram a legislação laboral, a generalização do emprego
precário, os baixos salários, a qualificação profissional, o
desemprego juvenil, a política de investimentos, o papel
regulador do Estado no quadro de uma economia mundializada.
Mas estes são alguns dos principais problemas do nosso tempo.
Acabarão por ganhar o centro do debate político.
No momento,
pontificam os gurus do capitalismo neoliberal. São eles
que parecem ter uma concepção do futuro.
Como o prof. Charles Handy, da London Business School. Numa
entrevista à revista "Der Spiegel", eis a sua receita:
acabar com as grandes instalações, promover o trabalho
domiciliário e a meio tempo, não aceitar mais de 25 anos de
emprego na mesma empresa, estimular a produção de qualidade e
deslocar a produção em massa para os países pobres. E
apresenta a fórmula mágica: metade vezes dois vezes três.
Ou seja: reduzir a metade o número de trabalhadores, pagar-lhes
o dobro e exigir-lhes o triplo de produção.
Estes e outros receituários inspiram as decisões de muitos
governantes, sem que estes, no entanto, o reconheçam.
Mas a verdade é que o trabalho humano está hoje desvalorizado.
Os direitos laborais sofrem os efeitos da vaga desreguladora. A
lei da selva instala-se com todas as suas consequências.
Por isso, os próximos anos impõem-nos a acrescida
responsabilidade de contribuir para a construção de uma
alternativa política. Que passa pela luta concreta, mas também
pelo debate de ideias, pela convergência de esforços.
Muitos sinais têm surgido, entre diferentes organizações e
correntes de opinião, reveladores de uma crescente sensibilidade
e disponibilidade para enfrentar a degradada situação no mundo
do trabalho e as regressões sociais decorrentes das política
neoliberal.
Entre eles, sublinhe-se o 5º Colóquio do Grupo Europeu da
Pastoral Operária, realizado no Porto, bem como as conclusões
do Encontro LOC/MTC, sobre a "Verdadeira Nova Organização
do Trabalho", de que nos dá conta a revista "Testemunho"
(nº 2, Set./99). São textos que nos oferecem um valioso campo
de reflexão e de preocupações comuns de estudo e
intervenção.
É tempo de agir. Os bons resultados eleitorais são também um
sinal. Jorge Sarabando